Mas foi também o ano da concessão do serviço público aeroportuário ao grupo Vinci. O ano em que se estabeleceram as próximas privatizações e o ano em que foi apresentado o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável até 2026.
Parece que foi há mais tempo, mas foi só em Janeiro, no início do ano, a inflação em Cabo Verde estava nos 2,5%, depois começou a subir e a bater todos os records chegando a máximos de 11 anos, devido ao impacto da escalada internacional de preços provocada pela guerra na Ucrânia, segundo o Ministério das Finanças.
“É um cenário desastroso. É um cenário diria mesmo dramático, mas todos em conjunto seremos capazes de o resolver”, chegou a dizer o ministro das Finanças, Olavo Correia, ao apresentar ao corpo diplomático acreditado no país a situação macroeconómica para 2022. A escalada de preços deverá fechar 2022 com um aumento médio global de quase 8%.
Em Março, o Expresso das Ilhas antecipava o Programa Operacional do Turismo (POT), que tinha como um dos objectivos aumentar a contribuição do turismo no PIB para 32 por cento, uma subida de sete pontos percentuais dentro de quatro anos. Outras metas do POT são chegar aos 1,26 milhões de turistas em 2026 ou ter o sector a ajudar a diminuir a pobreza para menos de 8 por cento.
O POT é um instrumento de planificação que foi criado para materializar a visão do governo em relação ao turismo, uma etapa quase final da planificação que foi feita ao longo dos últimos anos.
Um dos 15 mais afectados
Em Abril ficámos a saber que Cabo Verde foi um dos 15 países do mundo mais afectados pela pandemia. Entre as economias emergentes e as economias em desenvolvimento, o arquipélago estava entre as nações que mais perderam economicamente por causa da Covid, com o PIB cabo-verdiano a ter uma queda de -14,8% em 2020. Na África subsaariana, só as Maurícias tiveram um resultado pior, com uma descida de -14,9% no produto interno bruto. Mas o que mais sofreu, a nível global, foi a Líbia, que viu desaparecer 59,7% da riqueza nacional.
Ainda em Abril, relatório de desempenho do sector empresarial do Estado (SEE) mostrava que a ASA, a ELECTRA e a TACV foram responsáveis por 83% do resultado líquido negativo do desempenho do Sector Empresarial do Estado em 2021.
O exercício das empresas públicas teve uma melhoria ligeira em 2021, mas a maioria continua a apresentar resultados negativos, segundo o relatório de desempenho do sector empresarial do Estado (SEE) 4º trimestre acumulado, publicado pela Unidade de Acompanhamento do Sector Empresarial do Estado (UASE) do Ministério das Finanças. A melhoria registada no volume de negócios deveu-se, principalmente, à retoma económica impulsionada pelo turismo.
Grupo Vinci
Em Maio era anunciado que o Grupo Vinci tinha sido o escolhido para gerir aeroportos e aeródromos de Cabo Verde. “O Governo entende que a proposta apresentada pela sociedade Vinci Airports SAS assegura, cabal e adequadamente, os propósitos sociais, estratégicos e financeiros subjacentes à concessão do serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil nos aeroportos e aeródromos de Cabo Verde, pelo que decide atribuir à referida sociedade a concessão em apreço”, vinha no decreto-lei aprovado em Conselho de Ministros.
Dois meses depois, em Julho, era assinado o contrato de concessão. Segundo o resumo da minuta do contrato, o acordo prevê o pagamento da concessionária ao Estado de Cabo Verde, “pelo direito à concessão, por um período de 40 anos, uma comissão de entrada” de 80 milhões de euros, entregue em duas tranches. A primeira parcela, de 35 milhões de euros, na data de início da concessão e os restantes 45 milhões de euros “no momento em que se registe a recuperação do tráfego registado em 2019 ou, no primeiro trimestre de 2025”, conforme o que aconteça primeiro. O grupo Vinci terá ainda de pagar anualmente uma percentagem das receitas brutas ao Estado de Cabo Verde, de 2,5% de 2022 a 2041, de 3,5% de 2042 a 2051 e de 7% de 2052 a 2061.
A concessão prevê também um investimento por parte do grupo Vinci nos aeroportos e aeródromos de Cabo Verde, ao longo dos 40 anos da mesma, de 619 milhões de euros, dos quais 281 milhões de euros para a ampliação das infraestruturas portuárias e os restantes 338 milhões de euros para manutenção pesada.
A guerra no leste europeu
Mas voltemos a Maio, porque, pela primeira vez, a guerra entrou nas contas e tornou visível, em números, o que se sentia nos bolsos, como mostrava então o relatório de política monetária do Banco de Cabo Verde.
“Este Relatório reflete a conjuntura actual, caracterizada por elevados níveis de incerteza decorrentes do escalar do conflito militar na Ucrânia cujos efeitos estão a ser, no imediato, sentidos por via do aumento da inflação”, resumiu Óscar Santos, governador do Banco Central cabo-verdiano.
Em Junho, regressou ao Sal o Cabo Verde Investment Forum, que desta vez valeu investimentos superiores a 4 mil milhões de euros. Em declarações aos jornalistas, à margem da cerimónia de encerramento, ministro das finanças destacou “a confiança” revelada pelos investidores em Cabo Verde.
Questionado sobre as expectativas de concretização desse capital, Olavo Correia disse que “se conseguirmos concretizar 40% disto já é um valor muito importante. Aquilo que a minha equipa vai fazer agora é trabalhar com cada promotor, com cada empresa, com cada empreendedor para que essas iniciativas possam resultar em projectos concretos para a economia cabo-verdiana”. Quanto ao prazo para a concretização destes projectos, o governante apontou para uma janela temporal de três a quatro anos.
Em Agosto, o Governo aprovou a extinção das Electra Norte e Sul e autorizou a criação de novas sociedades anónimas, mas os encargos foram atrás, “A Electra S.A. mantém-se responsável pelas dívidas que continuem no seu passivo, salvo as dívidas que, por força da cisão, sejam atribuídas às Novas Sociedades. O disposto no número anterior inclui a responsabilidade de capital ou de juros decorrentes das dívidas de longo prazo, nomeadamente dos empréstimos obrigacionistas, avalizadas pelo Estado, que fica a cargo da Electra S.A., que pode promover opções de conversão voluntária em acções ou recompra antecipada, financiadas com recursos provenientes de entradas de entidades privadas nas Novas Sociedades”, lia-se no Decreto-lei nº 34/2022 (que acaba com as Electra Norte e Sul e cria as novas empresas) na parte sobre as medidas de proteção dos credores.
Ou seja, a Electra Norte e a Electra Sul deixam de existir e em seu lugar nascem a Electra Produção e a Electra Distribuição. Mas as novas empresas herdam os passivos e as dívidas que vêm de trás. Olhando para o relatório e Contas de 2021, o legado é pesado. Além das contas no vermelho, ¼ da produção continua a perder-se, tanto por causa das falhas técnicas, como devido aos roubos.
OE2023
Ainda em Agosto, o Expresso das Ilhas avançava as principais linhas do Orçamento de Estado para o próximo ano. Quatro pilares e cinco prioridades para responder a seis anos de crise, estas eram as directrizes para o Orçamento de Estado de 2023 (OE2023). O orçamento do próximo ano vai continuar as medidas de recuperação económica, priorizar o desenvolvimento social e o rendimento das famílias, promover a confiança e a resiliência da economia e dos cabo-verdianos, incentivar as reformas e a inovação, promover o crescimento sustentável e inclusivo e prosseguir a estabilização gradual das finanças públicas.
Em Setembro tocavam os alarmes por causa do risco elevado de uma recessão global. Não era uma certeza, mas não pode ser descartada. Desde os anos 70 do século passado, o mundo já enfrentou cinco recessões – a última em 2020, com a pandemia. Além dos rastos de destruição económica, as recessões anteriores também nos ensinaram sobre o que acontece antes de qualquer grande recuo económico. E muitos desses factores estão já a ocorrer.
Em Novembro, soube-se que o governo quer reduzir a presença do Estado em 9 empresas públicas. Foi publicada a nova agenda de privatizações, concessões e parcerias público-privadas, no Boletim Oficial nº108, de 16 Novembro, e apresentada a lista das empresas abrangidas. As acções vão decorrer entre 2022 e 2026.
AEB – Água e Energia da Boavista, S.A., CABNAVE – Estaleiros Navais de Cabo Verde, S.A., CECV - Caixa Económica de Cabo Verde, S.A., CV Handling – Cabo Verde Handling, S.A., CVT - Cabo Verde Telecom, S.A., ELECTRA – Empresa de Electricidade e Águas, S.A., EMPROFAC – Empresa Nacional de Produtos Farmacêuticos, S.A., ENAPOR – Empresa Nacional de Administração dos Portos, S.A., e TACV – Transportes Aéreos de Cabo Verde, S.A. Estas são as empresas do Sector Público Empresarial passíveis de privatização/alienação parcial/licenciamento/concessão ou parcerias público-privadas durante os próximos quatro anos. O Estado tem participações em 33 empresas públicas, que variam entre os 2% e os 100%.
O novo Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável
Em Dezembro, o ministro das finanças, Olavo Correia, deu uma entrevista ao Expresso das Ilhas para falar do novo Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável (PEDS II), ou defendeu que “implementar o PEDS vai depender da coragem das lideranças”. O PEDS II está em fase de conclusão e estará fechado até ao final deste mês. Estrutura-se em 4 pilares – Economia, Ambiente, Social e Soberania – por onde se dividem 28 programas e cerca de 150 indicadores que traduzem os efeitos do plano, ou seja, o atingir de cada um dos objetivos do programa.
Cabo Verde vive actualmente uma tripla crise – para além do choque associado às questões climáticas, com 4 anos consecutivos de seca, e da crise pandémica, o país é confrontado com a crise da guerra na Ucrânia e a consequente alta generalizada dos preços dos combustíveis e dos produtos alimentares. Mas como explicou o Ministro das Finanças, este período de incertezas é conjuntural, e além de aliviar os efeitos destas crises interessa também promover a retoma económica, mantendo o compromisso com o desenvolvimento sustentável.
Sobre qual é a visão para Cabo Verde, Olavo Correia afirmou que é “transformar o país numa plataforma internacional de serviços, nos mais diversos domínios. Isso requer uma abordagem holística, integrada, que incide sobre as tecnologias, sobre as conectividades, sobre o capital humano, sobre as infraestruturas, sobre a nossa diáspora, sobre a saúde, o turismo, a economia azul, a transição energética, sobre tudo o que tem a ver com a transição para uma economia mais verde”.
Para terminar de forma positiva, este mês ficámos a saber que as contas públicas tiveram metade do défice esperado. De acordo com o relatório síntese da execução orçamental de Janeiro a Novembro, do Ministério das Finanças, este desempenho continuou a ser condicionado pelas consequências económicas da pandemia de covid-19, mas com as receitas a subirem 32,2% face ao mesmo período de 2021, bem como as despesas, neste caso em 10,1%.
O défice é de 3,0% do Produto Interno Bruto (PIB). No Orçamento do Estado para 2022, o Governo inscreveu uma previsão de défice das contas públicas de 6,1% do PIB.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1100 de 28 de Dezembro de 2022.