“Este Relatório reflete a conjuntura actual, caracterizada por elevados níveis de incerteza decorrentes do escalar do conflito militar na Ucrânia cujos efeitos estão a ser, no imediato, sentidos por via do aumento da inflação”, resumiu Óscar Santos, governador do Banco Central cabo-verdiano, na comunicação durante a apresentação do último relatório de política monetária.
Antes deste novo período de dúvidas, segundo o documento, a actividade económica global virou a recessão de 2020, por causa dos efeitos da crise pandémica, registando uma recuperação em 2021. A economia nacional beneficiou, igualmente, de um enquadramento externo mais favorável.
No ano passado, o desempenho da economia cabo-verdiana foi marcado pela recuperação, estimulada pela reabertura das actividades económicas, pelo avanço da taxa de vacinação no país, e o consequente alívio das restrições impostas e das medidas de contenção, bem como pelo efeito das medidas monetárias e orçamentais que tiveram como objectivo aliviar os efeitos da crise sobre o rendimento das famílias mais vulneráveis e das empresas.
Em 2021, de acordo com as estimativas trimestrais das contas nacionais do Instituto Nacional de Estatísticas, o produto interno bruto, em volume, cresceu sete por cento, que compara com a recessão histórica de 14,8 por cento registada em 2020.
A recuperação da procura interna deveu-se, essencialmente, ao aumento do consumo privado e público. As exportações cresceram a um ritmo superior ao das importações de bens e serviços.
O investimento directo estrangeiro fixou-se nos 10.506,9 milhões de escudos, em 2021, um crescimento de 55 por cento face ao ano anterior, maioritariamente investimento de emigrantes, sobretudo nos sectores do turismo e imobiliária turística nas ilhas de Santiago e Boa Vista.
Do lado da oferta, os crescimentos registados no valor acrescentado bruto nos sectores da administração pública (10,2 por cento), indústria transformadora (19,4 por cento), construção (8,6 por cento), transportes (6,9 por cento), comércio (4,2 por cento), e impostos líquidos de subsídios (7,1 por cento) contribuíram para o crescimento económico em 2021. As políticas públicas de apoio às empresas e às famílias mais vulneráveis também explicam o desempenho da economia nacional em 2021.
De acordo com os dados do INE, o volume de negócios do sector de serviços e o índice de produção na construção civil aumentaram. A movimentação de passageiros nos aeroportos e aeródromos, nos portos e nos autocarros de Cabo Verde também cresceu.
Inflação
Num contexto de recuperação da procura interna e de restrições do lado da oferta associadas às perturbações nas cadeias de abastecimento globais e do aumento dos preços das matérias-primas energéticas e não energéticas no mercado internacional, e a sua transmissão aos preços internos, verificou-se em 2021, um aumento das pressões inflacionistas em Cabo Verde. “Não obstante, o perfil da inflação manteve-se moderado, com a taxa de variação média dos últimos doze meses do índice de preços no consumidor a fixar-se em 1,9 por cento (o que compara com 0,6 por cento em 2020)”, sublinha o relatório.
O aumento das pressões inflacionistas levou ao aumento dos preços das classes de “Transportes”, “Habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis”, “Vestuário e calçado” e “Acessórios para o lar, equipamento doméstico e manutenção corrente da habitação”. A inflação importada, o aumento da procura interna aliado a condicionamentos na oferta de alguns produtos, estiveram na origem desta evolução.
“Com o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, as perspetivas económicas para este ano estão fortemente influenciadas pelos elevados níveis de incerteza e o aumento dos riscos e tensões geopolíticas e financeiras”, disse o governador do BCV.
Em 2022, a taxa de inflação média em Cabo Verde deve atingir os 7,3 por cento, por causa dos preços elevados das matérias-primas energéticas e não energéticas no mercado internacional e da sua transmissão aos preços internos, bem como, do aumento da procura e das restrições na oferta associadas às perturbações nas cadeias de abastecimento global.
“O conflito, apesar de regional, teve consequências globais, alimentando por exemplo, o aumento da inflação jamais visto nas últimas duas décadas”, sublinhou Óscar Santos, na apresentação do relatório.
Reservas Internacionais
O agravamento do défice da balança comercial do país, a redução esperada nas transferências oficiais correntes (em donativos), bem como, o aumento previsto no pagamento de juros da dívida externa pública, deverá deteriorar o défice da balança corrente, passando de 13,2 por cento do PIB em 2021 para 15,7 por cento do PIB em 2022.
Com o regresso dos turistas, sobretudo no último trimestre do ano, as exportações de serviços e, em particular, de turismo e de transportes aéreos registaram uma significativa melhoria face ao ano anterior, passando de uma queda de, respetivamente, 69,2 e 71,1 por cento em 2020 para 7,6 e 20,1 por cento em 2021, ficando contudo, ainda, muito aquém dos níveis pré-pandémicos.
As remessas dos emigrantes evoluíram favoravelmente, com crescimento das transferências dos EUA (em 36,3%), de Portugal (em 37,7%) e da França (em 14,4%). “O altruísmo dos emigrantes, contribuiu igualmente, para esta evolução”, lê-se no relatório.
O stock das reservas internacionais líquidas do país deverá reduzir em cerca de 94 milhões de euros permitindo garantir 5,8 meses das importações de bens e serviços projetadas para 2022.
Próximos meses
Com o escalar da guerra entre a Rússia e a Ucrânia em Fevereiro de 2022, as perspetivas económicas para este ano estão muito influenciadas pela elevada incerteza e pelo agravamento dos riscos e tensões geopolíticas e financeiras.
“Perante este cenário, o BCV prevê uma moderação do crescimento económico. As actuais projeções refletem uma revisão em baixa do crescimento do PIB, consequência da perda do poder de compra induzida pela subida da inflação e da revisão, em baixa, do crescimento das economias dos principais parceiros económicos do país” referiu Óscar Santos.
Este ano, o crescimento projetado para o PIB deverá abrandar de 7% em 2021 para o intervalo [3,5 - 4,5] por cento, mantendo mesmo assim, o perfil de crescimento, explicado pela melhoria da situação epidemiológica do país e consequente alívio das restrições associadas à pandemia, bem como, pelas medidas de política tomadas para compensar os efeitos da forte subida dos preços da energia e de bens alimentares essenciais no consumo das famílias mais vulneráveis e na liquidez das empresas mais afetadas.
Perante este quadro, o pendor e o teor da política monetária do Banco de Cabo Verde deverá continuar marcadamente acomodatícia.
“Ciente das incertezas que ainda rodeiam o processo de recuperação económica, agravadas com o conflito recente na Ucrânia, o Banco de Cabo Verde continuará com um controlo apertado dos riscos macrofinanceiros e reforçará os seus mecanismos de acompanhamento e de mitigação dos seus efeitos na economia nacional, condições necessárias para o crescimento económico sustentado do país”, concluiu o governador do Banco de Cabo Verde, na apresentação do relatório de política monetária.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1067 de 11 de Maio de 2022.