“Esta é a projecção mais pessimista do BCV”, disse o governador do Banco Central durante a apresentação do Relatório de Política Monetária. “O que pode acontecer”, explicou Óscar Santos, “é que a economia cresça à volta de 7% ou mais. 6,6% é o cenário mais pessimista por causa de algumas incertezas. Alguma coisa pode mudar de um dia para o outro, mas dificilmente vamos ficar abaixo dos 6,6%”.
Para chegar a estas previsões mais optimistas para o final de 2021, o BCV dá conta da evolução mais favorável da actividade económica, aliada à expectativa de alguma retoma do turismo no último trimestre. Por isso, escreve o Banco Central no relatório de política monetária, “as perspetivas económicas para o resto do ano são animadoras”. Em comparação com o exercício do último mês de Abril, as actuais projeções fazem uma revisão em alta do crescimento do PIB, em 0,8 pontos percentuais.
No entanto, para 2022, continuam as incertezas relacionadas à pandemia e às suas consequências económicas, com o BCV a prever para o próximo ano um crescimento económico abaixo do projectado tanto pelo governo (6% em 2022) como pelo Fundo Monetário Internacional (6,5% em 2022).
“Para 2022”, disse Óscar Santos na conferência de apresentação do relatório, “prevemos uma moderação do crescimento para cerca de 5,6%. O ritmo de crescimento do PIB deverá desacelerar, refletindo algum aperto da política orçamental, com a redução gradual das medidas orçamentais excepcionais destinadas às empresas e às famílias mais vulneráveis e a mobilização endógena de recursos para fazer face às pressões do lado das despesas públicas”.
E estes números poderão ser ainda piores. “Num cenário mais adverso”, sublinhou o governador do BCV, “o crescimento poderá situar-se nos 4,7%. Os factores associados relacionam-se com o comportamento do consumo, o ritmo de recuperação das exportações de turismo e os efeitos da crise no crescimento através do possível impacto no desemprego e na falência de algumas empresas”.
Os panoramas para 2022
Como refere o relatório, em 2022, as dúvidas sobre a evolução da pandemia serão ainda elevadas. Diante dessa incerteza, dois cenários são formulados: o cenário base e o cenário adverso. As diferenças entre os cenários não estão relacionadas com a evolução da pandemia, mas têm como factor comum a incerteza à volta das consequências económicas da pandemia.
Por exemplo, possíveis mudanças no comportamento das famílias terão implicações directas em duas componentes da procura agregada: consumo privado e fluxos de turismo. No caso do consumo privado, a pandemia provocou um aumento na poupança das famílias que não perderam rendimento, devido à redução substancial das suas despesas correntes. Este aumento da poupança, por um lado, foi forçado pelas medidas de contenção da pandemia, que limitaram o consumo de certos bens e serviços, por outro, foi voluntário, por precaução das famílias num contexto de incerteza. O BCV prevê que o levantamento das medidas fará com que a poupança forçada se vá dissipando, enquanto a menor incerteza deverá levar a poupança voluntária a reduzir.
No cenário base, o volume de poupança acumulada desde o início da pandemia não diminui. No cenário adverso, um comportamento ainda mais cauteloso das famílias levará a um desempenho muito mais moderado do consumo.
Também o ritmo de recuperação das exportações de turismo será muito lento. No final de 2022, segundo o relatório do BCV, os fluxos de turismo estarão ainda muito abaixo dos níveis pré-crise, em ambos os cenários.
Em resumo, os impactos da crise sanitária, embora temporários, serão persistentes, o que não permite perspectivar, para o final de 2022, o regresso do crescimento do PIB aos níveis registados antes da pandemia. Isso deverá acontecer apenas em 2023.
Inflação
O mundo está a lidar com um aumento dos preços e Cabo Verde não é excepção. Em grande parte, estas subidas são consequência de um crescimento da procura acima do previsto e para a qual, pelos vistos, ninguém estava preparado.
“O mais provável é que tenhamos uma inflação de 2,7%”, sublinhou Óscar Santos, “tendo em conta alguns constrangimentos da oferta a nível internacional: os preços dos combustíveis estão a subir, da energia, temos a questão da China, tudo isso são constrangimentos que podem colocar alguma pressão sobre a inflação”.
Como se lê no relatório, num contexto de recuperação da procura interna, e de um aumento dos preços das matérias-primas energéticas e não energéticas no mercado internacional, as pressões inflacionistas, em Cabo Verde, dão sinais de algum aumento. Particularmente, a taxa de inflação homóloga, que aumentou de 0% cento em Março para 2,4% em Agosto.
Finanças públicas
As Finanças Públicas constituem uma preocupação adicional, num cenário de reduzida margem orçamental. As contas públicas registaram um agravamento devido ao efeito combinado do aumento das despesas correntes de funcionamento e da queda das receitas fiscais, das outras receitas e dos donativos.
“A retoma da trajetória de consolidação orçamental deverá ser um objetivo a curto e médio prazo”, avisou o governador do Banco de Cabo Verde. As contas públicas registaram, nos primeiros seis meses do ano, um agravamento do défice para os 8.084,1 milhões de escudos. As razões? Os efeitos da pandemia na actividade económica e as medidas excepcionais para atenuar o seu impacto nas empresas e no rendimento das famílias mais vulneráveis.
As despesas correntes de funcionamento, no primeiro semestre do ano, aumentaram 15,9% em termos homólogos, principalmente por causa das despesas com pessoal (contratação de técnicos e pessoal de saúde, implementação do plano de cargos, carreiras e salários das Forças Armadas e reclassificações e acumulação de carga horária a na educação); os benefícios sociais (aumento das pensões de aposentação e do rendimento social de inclusão e pagamento de estágios profissionais, formação para a empregabilidade e apoio à reinserção sócio-profissional), a aquisição de bens e serviços (aquisição de material clínico e medicamentos, despesas com as eleições gerais, entre outros); as transferências correntes (aumento das transferências aos municípios e às famílias no âmbito do apoio ao combate da covid-19); os subsídios compensatórios da taxa de ocupação deficitária nos transportes marítimos inter-ilhas.
Ao mesmo tempo, as receitas fiscais encolheram 5,9 por cento em termos homólogos devido, principalmente, à queda na arrecadação de impostos sobre o valor acrescentado, sobre o rendimento de pessoas singulares e sobre o consumo, respetivamente, em 10,4%, 15,9/, e 5,1%. As outras receitas diminuíram 8,1%, por causa dos condicionamentos nas vendas de bens e serviços (cobrança da taxa de segurança aeroportuária, bem como de taxas diversas, entre as quais, taxas de serviços de passaporte, dos emolumentos de portos e capitanias e de serviços policiais e de fronteiras) e nos rendimentos de propriedade (com a constituição de reservas por parte das empresas públicas para fazer face aos efeitos da pandemia), que reduziram 5,6% e 15,8%, respetivamente. As transferências de donativos caíram 50,4%.
O aumento das necessidades de financiamento do Estado levou à subida do endividamento público, tanto junto aos bancos e outros credores nacionais, respetivamente, em 5.382,6 e 3.877,8 milhões de escudos, como junto dos credores externos em 1.473,3 milhões de escudos. Neste quadro, o stock da dívida do Estado incluindo e excluindo os Títulos Consolidados de Mobilização Financeira (TCMF) aumentou para, respetivamente, 281,3 e 269,9 mil milhões de escudos, representando 157,5% e 151,1% do PIB projetado para 2021.
O documento do BCV adverte que todas estas previsões têm um elevado nível de incerteza e riscos, entre os quais, a possibilidade de novos surtos de infeções; a retirada extemporânea dos apoios orçamentais às empresas e às famílias; e a persistência das pressões inflacionistas por mais tempo do que o esperado.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1040 de 3 de Novembro de 2021.