2021: Economia em revista

PorAndré Amaral*,2 jan 2022 8:43

COVID-19, recessão económica, queda do PIB, lay-off, moratórias, aumento da dívida interna foram algumas das palavras que mais ouvimos, lemos e dissemos durante este ano.

A economia cabo-verdiana, tal como todas as outras economias do mundo, foi severamente afectada por esta pandemia que promete não dar descanso a ninguém durante os tempos mais próximos.

A retoma do turismo está a dar os primeiros sinais e os hotéis no Sal dizem estar com uma taxa de ocupação elevada para esta quadra festiva. No entanto tudo pode ser posto em causa por esta nova variante e pelo crescente número de casos de COVID-19 que se tem verificado nos últimos dias.

O ano de 2020 começou com aquela que poderá ser vista como a notícia mais positiva para a economia nacional. A Nortuna anunciou que ia investir na produção de atum rabilho em São Vicente. Um investimento inicial de 2,5 milhões de euros da Nortuna AS – Noruega, que se somam a seis milhões de euros no programa de pesquisa e desenvolvimento sobre a espécie ABFT (Atlantic Blue Fin Tuna ou atum-rabilho do atlântico).

De acordo com um estudo de impacte ambiental a primeira fase implica a montagem do processo de incubação e produção de biomassa para atum rabilho, em Junho de 2021, seguindo-se a expansão e processamento, no primeiro trimestre de 2022, e depois o início da produção em larga escala, bem como transformação, entre 2023 e 2024, naquela que será a terceira e última fase do projecto.

“O projecto de aquacultura que a Nortuna pretende implementar em Cabo Verde tem por base os oito anos de actividades de pesquisa realizadas pela empresa”, lê-se no estudo.

Numa entrevista ao Expresso das Ilhas o CEO da empresa, Jan-Helge Dahl, explicou as diferentes dimensões de um projecto que começa por Flamengo, em São Vicente, antes de se alargar a Santo Antão e, mais tarde, a São Nicolau.

A escolha de São Vicente para a realização deste investimento, explicou o CEO da empresa, obedeceu a vários factores. “Em primeiro lugar, é a ilha mais populosa entre as três. Tem serviços, universidades, que são importantes para nós. Em todo o caso, Santo Antão e São Vicente são encaradas numa perspectiva única, pelo que toda a produção nestas duas ilhas estará organizada de forma conjunta. São Nicolau está mais distante e será uma tarefa mais difícil, mas também representa o maior potencial de produção. Aqui em São Vicente, em Flamengo, e em Santo Antão, quando estivermos a operar, teremos cerca de 400 pessoas a trabalhar”. Um número que crescerá até aos mil empregos quando o projecto estiver todas as unidades estiverem a funcionar, incluindo São Nicolau.

Previsões de crescimento

Depois de uma recessão económica que se traduziu numa quebra no crescimento do PIB, em 2020, a rondar os 14% o FMI espera um crescimento de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano. Para 2022 as previsões apontam para um crescimento de 6,5%.

Quanto à evolução dos preços, o FMI prevê que a taxa de inflação atinja 1,5% em 2021 e que em 2022 esta evolua para 1,6%.

No entanto, os efeitos da crise são mais persistentes que o esperado e as projecções do FMI foram revistas em baixa desde as estimativas de Julho, principalmente por causa de um recuo nas previsões para as economias avançadas – em parte devido a rupturas no abastecimento – e para os países em desenvolvimento de rendimento baixo – em grande medida devido ao agravamento da dinâmica da pandemia.

Apesar da recuperação económica global continuar, a desigualdade na recuperação prevista dos diversos grupos de economias aumentou. Com a flexibilização das restrições, a procura acelerou, mas a oferta tem reagido de forma mais lenta. Este é o momento da economia mundial e isso mesmo aparece reflectido nos indicadores económicos e financeiros publicados este mês pelo Banco de Cabo Verde.

O que nos mostra o documento? Que o enquadramento externo da economia nacional evoluiu menos favoravelmente no terceiro trimestre de 2021, com os desequilíbrios de oferta e procura relacionados com a pandemia e a reabertura da economia.

As economias da Área do Euro, dos EUA e do Reino Unido cresceram, no terceiro trimestre, a um ritmo inferior ao trimestre anterior. As interrupções nas cadeias de abastecimento e as restrições na oferta que condicionam a produção e o consumo, o aumento dos casos de covid-19 nos EUA, bem como o aumento dos preços no consumidor explicam a desaceleração no desempenho económico dos principais parceiros de Cabo Verde.

Devido a esta evolução económica mais recente, a confiança, tanto dos empresários como dos consumidores, dá sinais de alguma deterioração no terceiro trimestre, associada às preocupações com a escassez de produtos, com o aumento da inflação e queda da confiança nas políticas económicas dos governos, com as expectativas de aumentos nas taxas de juro com impacto no custo dos empréstimos e com o aumento das infecções por covid-19.

OE2022

A fechar o ano esteve a aprovação do Orçamento do Estado para 2022 que é considerado uma ponte entre quase dois anos de crise e a retoma económica. Quer, ao mesmo tempo, combater a pandemia, uma das prioridades do documento, e desenvolver os instrumentos que servirão de base ao regresso da actividade económica. Mas é também um orçamento construído num contexto de muitas incertezas e numa altura em que o arquipélago vive submergido pela dívida pública.

É um orçamento desafiante, como já o disse e repetiu o ministro das finanças, que faz a ponte entre a crise e a retoma económica, garantindo a resposta sanitária e a recuperação económica e social. E isto tudo, diz o governo, sem negligenciar a sustentabilidade orçamental. No próximo ano, Cabo Verde terá de pagar cerca de 24 milhões de contos do serviço da dívida pública, um aumento de 9 milhões de contos em relação a 2021, sobretudo por causa de empréstimos externos contraídos entre 2008 e 2016. A estas contas, tem ainda de se adicionar perda de receitas na ordem dos 60 milhões de contos, de 2020 a 2022, causada pela pandemia da Covid-19.

Com todos estes encargos, o Governo propôs um conjunto de medidas: a moratória da dívida externa, a alteração da Lei de Bases do Orçamento e a racionalização dos benefícios fiscais e, como último recurso, um aumento da taxa do IVA até 2 pontos percentuais (de 15% para 17%), se as outras medidas não forem alcançadas. Ora, estes dois por cento estavam a deixar a sociedade cabo-verdiana à beira de um ataque de nervos.

Aumento da dívida interna

Com a votação Orçamento do Estado para 2022, o governo e os partidos com assento parlamentar chegaram a um acordo para o aumento da dívida interna. A medida permite que o governo não aumente o IVA no próximo ano.

Segundo o Projecto de Lei o governo, com este acordo, ficou autorizado a aumentar o tecto da dívida para fazer “face às necessidades de financiamento decorrentes da execução do orçamento do Estado, para o ano económico de 2022”.

Desta forma, e ainda segundo o texto presente no Projecto de Lei, “o défice do Orçamento do Estado financiado com recursos internos, a preço de mercado, não pode ultrapassar os 6% do PIB; e o saldo corrente primário pode ser negativo, não podendo ultrapassar o limite de 6% do PIB”.

A medida é válida para o próximo ano, resulta de uma iniciativa conjunta de todos os partidos com assento parlamentar, e foi aprovada por todos os 68 deputados presentes na plenária e entra em vigor a 1 de Janeiro do próximo ano.

“A solução encontrada relativamente à flexibilização do limite do endividamento deve-se única e exclusivamente ao PAICV”, disse Julião Varela, secretário-geral deste partido, acrescentando que sempre a sua bancada parlamentar defendeu que a questão devia ser analisada no âmbito do Orçamento.

“O PAICV deu a palavra e cumpriu-a para o bem do povo de Cabo Verde”, indicou.

O documento foi aprovado depois de “intensas negociações”, envolvendo os deputados do MpD, do PAICV e da UCID, uma vez que requeria uma maioria de dois terços.

Por sua vez, o líder da bancada do MpD, João Gomes, também na sua declaração de voto, preferiu considerar que o momento é de “festa e de celebração”.

João Gomes deixou transparecer os esforços que os seus colegas de bancada encetaram desde o momento em que o PAICV entregou a proposta de lei para permitir o aumento da dívida, para que as partes chegassem a um entendimento.

“O Governo de Cabo Verde encarou a hipótese do aumento do IVA [Imposto sobre o Valor Acrescentado] como última hipótese”, declarou, ajuntando que os deputados do MpD “trabalharam arduamente” com os partidos da oposição para o entendimento.

“Quem ganhou foi Cabo Verde, da Brava a Santo Antão”, afiançou João Gomes, referindo-se ao consenso a que os diferentes sujeitos parlamentares chegaram em ordem a evitar que o IVA fosse aumentado no próximo ano.

“Para não aumentar o IVA havíamos que ir buscar financiamento em algum lado”, reconheceu o líder da bancada ventoinha, lembrando que sempre defenderam que a “melhor solução era aumentar o tecto do endividamento interno”.

“Tivemos que arranjar uma solução jurídica para podermos acomodar a solução do aumento [da dívida] ”, asseverou João Gomes, para quem o orçamento ora aprovado é “o melhor que este Parlamento podia arranjar para os desafios de Cabo Verde”, tendo em conta a pandemia de covid-19.

A UCID, na voz da sua deputada Zilda Oliveira, explicou que o voto favorável ficou a dever-se ao facto de se tratar de um “orçamento possível”, levando em conta os “imperativos conjunturais”.

Este orçamento, enfatizou a deputada dos democratas-cristãos, “dentro do quadro que vivemos desde 2020 devia trazer indicações claras e se assumir como farol para o crescimento da economia da nossa economia, mas, infelizmente, não o é”.

“Não consegue trazer uma mecânica orçamental devidamente pensada e idealizada de modo a ter recursos suficientes para se investir de forma robusta na agricultura e nas pescas, permitindo, assim, ao País sair da dependência do sector do turismo”, asseverou Zilda Oliveira

O aumento do tecto da dívida tinha sido proposto, por três vezes pelo governo na Assembleia Nacional e, por ser uma lei que para ser aprovada precisava de uma maioria de dois terços, foi sempre chumbado por falta de acordo entre os sujeitos parlamentares.

*com Nuno Andrade Ferreira e Jorge Montezinho

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1048 de 29 de Dezembro de 2021. 

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Autoria:André Amaral*,2 jan 2022 8:43

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  29 set 2022 23:28

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