Pequenos operadores turísticos do Sal pedem mais voos low-cost para impulsionar turismo local

PorSheilla Ribeiro,8 jul 2023 8:21

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Os pequenos operadores turísticos na ilha do Sal defendem a implementação de políticas para atrair novas companhias aéreas que oferecem voos de baixo custo, argumentando que essa iniciativa não beneficiaria apenas os grandes resorts, mas também toda a indústria do turismo local.

De acordo com esses operadores, os preços elevados dos bilhetes de avião afastam muitos turistas que não optam pelo pacote all-inclusive, resultando no esvaziamento dos estabelecimentos durante o Verão.

Segundo dados do INE, em 2022, os hotéis cabo-verdianos receberam um recorde de 835.945 turistas e mais de quatro milhões de dormidas, ultrapassando o recorde de 2019. A ilha do Sal continua sendo a mais procurada e com mais dormidas.

No entanto, a falta de voos de baixo custo é um obstáculo para aqueles que buscam uma opção mais acessível.

Os pequenos operadores turísticos argumentam que, ao permitir a entrada de mais companhias aéreas que oferecem voos low-cost, mais visitantes poderiam desfrutar das belezas naturais da ilha.

Isso, por sua vez, aumentaria a demanda por acomodações em pequenos estabelecimentos locais, beneficiando directamente os pequenos operadores turísticos que muitas vezes “são negligenciados” em favor dos grandes resorts.

É o caso de Renato Evarchi, empresário, dono de uma pousada em Santa Maria e que já construiu mais de 200 apartamentos que foram comprados, sobretudo por ingleses que investiram pensando em alugar a outros turistas que passam pelo Sal.

Entretanto, conforme conta ao Expresso das Ilhas, não conseguem alugar porque para alugar uma propriedade o cliente teria de comprar um bilhete de avião que custa no mínimo 700 euros durante o Verão e depois arcar com outros custos.

“Ao invés de gastar esse montante apenas com o bilhete de avião acabam por optar por gastar mil euros e ir directamente aos resorts”, conta.

Reféns dos preços

Segundo Evarchi, o mundo do turismo deve ser dividido em resorts tudo incluído e pequenos hotéis, alojamentos, pousadas e aluguer de apartamentos. Estes últimos, conforme entende, são os que sofrem porque não recebem um grande número de turistas na época baixa.

“Não tenho nada contra os resorts porque geram fluxo, geram movimento, geram notoriedade a Cabo Verde, geram economia. O que lamento é o facto de todas as outras estruturas hoteleiras que estão fora do mundo dos resorts não trabalharem durante o Verão”, lastima.

Renato Evarchi diz que para um europeu, gastar apenas com o bilhete de avião 700 ou 800 euros para vir a Cabo Verde durante o Verão, não faz sentido. Razão pela qual já perdeu muitos hóspedes que são claros quanto ao motivo de cancelarem as reservas. O empresário acredita que os pequenos operadores turísticos são “reféns” dos preços dos voos, uma vez que há apenas duas companhias com conexão regular entre a Europa e Cabo Verde. A TACV e a TAP, que sendo uma empresa privada, pode pedir até mil euros para Cabo Verde.

“Tem culpa disto quem não tem uma visão ampla de como se pode gerir um país como Cabo Verde. Porque enquanto não se criarem condições para incentivar outras companhias a vir, num preço acessível, nós continuaremos a ser reféns. Cabo Verde é uma grande cadeia no meio do oceano atlântico, onde todos os pequenos empresários ficam presos no mínimo seis meses por ano”, alega.

Isto porque, explica, durante o Verão os pequenos estabelecimentos ficam vazios, a menos que tenham parcerias com os grandes resorts e lhes paguem uma comissão de cerca de 20%.

Evarchi entende que é necessário incentivar novas companhias low-cost a explorar o mercado de Cabo Verde. E, para incentivar, sugere que, à semelhança do que acontece noutras paragens, se pague 1.000 escudos por cada turista que entra no país, já que depois estes vão gastar no mínimo 500 euros.

Além dos preços dos bilhetes, Renato Evarchi aponta como desafios do turismo na ilha os cortes “constantes” de água, energia eléctrica e o Pronto Socorro de Santa Maria que não funciona aos fins de semana.

“Temos uma estrada que liga Santa Maria aos Espargos, completamente esburacada. Esse é o cartão-postal da ilha do Sal. Quando alguém aterra no aeroporto do Sal e deve vir à Santa Maria tem de percorrer 17 quilómetros de estrada esburacada. Esses são outros desafios a superar para melhorar o fluxo de turistas na ilha”, considera.

Políticas inclusivas

Ao Expresso das Ilhas, o presidente da Associação Empresarial de Cabo Verde (AECV), Andrea Benolli, afirma que os operadores que estão a trabalhar junto com os grandes resorts sofrem muito menos esta diferença entre o turismo all-inclusive e o turismo residencial e alojamento complementar.

O representante da associação cita que 90% dos voos que chegam ao Sal ou Boa Vista são dominados por operadores turísticos internacionais e questiona se os preços dos pacotes all-inclusive oferecidos pelos grandes resorts influenciam o bloqueio de políticas favoráveis a voos de baixo custo, deixando pouco espaço para o desenvolvimento dos hotéis locais e das pequenas empresas.

Nessa linha, Benolli critica a falta de políticas inclusivas e de apoio aos pequenos operadores que enfrentam desafios significativos que afectam a sua capacidade de atrair turistas independentes.

Conforme argumenta, essa falta de iniciativas para atrair companhias aéreas de tarifas mais baixas não só prejudica os pequenos operadores, como também limita a representação autêntica e inclusiva de Cabo Verde como destino turístico.

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“Não estamos, actualmente, a defender o interesse de um turismo inclusivo e verdadeiramente representativo de Cabo Verde. Porque sabemos que tudo aquilo que acontece nos grandes resorts é uma representação de Cabo Verde, mas não é Cabo Verde. Cabo Verde está lá fora. As políticas não permitem uma promoção daquilo que é uma cultura do turismo”, acredita.

O presidente da AECV revela ainda que em 2020 a associação apresentou ao Governo um estudo que revelou que a ilha possui mais de 3.500 unidades de alojamento complementar, superando o número de quartos oferecidos por um único grande resort. No entanto, apesar dessas informações, Benolli observa que pouco progresso foi feito para valorizar e regular essa situação, destacando a falta de prioridade dada aos pequenos operadores turísticos.

“A prioridade fica ainda nos grandes operadores. Mas deveria ser os pequenos, porque são esses que atraem turistas que precisam gastar dinheiro na comunidade, com renda, água, luz, compras, restaurantes, lojas, rent-a-car, etc. Este também traduz uma parte importante para o tesouro, mas não apenas em termos de IVA e da taxa turística”, justifica.

Assim como Renato Evarchi, Benolli menciona outros desafios enfrentados pelos pequenos operadores, como a falta de serviços básicos, como água e energia eléctrica confiáveis. Enquanto os grandes resorts raramente sofrem cortes, as áreas onde os pequenos operadores estão localizados frequentemente sofrem interrupções, causando transtornos em restaurantes e estabelecimentos comerciais.

“E estamos a falar da capital do turismo do país, Santa Maria. Água e luz nunca faltam nos grandes resorts, faltam na cidade de Santa Maria, onde há pequenos operadores e a comunidade. Mas, ninguém se queixa porque estamos acostumados. Sabemos que as nossas queixas não servem para nada porque nada vai mudar. Infelizmente, já entramos nessa lógica, pelo que se queixar não serve, serve apenas para se criar inimigos”, acusa.

Para melhorar a situação, o presidente da AECV enfatiza a importância do Governo e das câmaras municipais agirem em prol dos interesses dos operadores e da comunidade, destacando a necessidade de desbloquear o sistema de voos e atrair companhias aéreas de tarifas mais baixas, promovendo assim o desenvolvimento local e uma maior diversidade de turistas.

“Para aumentar a qualidade do turismo é preciso tratar a questão da ligação com a Europa”- AECV

Segundo o representante dos pequenos operadores, estes estão “de mãos atadas” com a falta de representatividade desses empreendedores no sector. Diz Benolli que enquanto um pequeno operador tem direito a apenas dois votos na Câmara do Turismo, um grande resort possui o poder de 30 votos, tornando o sistema desigual e prejudicial para os pequenos negócios.

“Os pequenos empresários estão sem poder fazer nada. O pequeno operador não tem voz e precisa se aproximar de um grande operador que possui 30 votos na Câmara do Turismo”, afirmou Benolli, ressaltando a importância de uma abordagem democrática, em que cada operador contribua de acordo com as suas capacidades.

Além disso, Benolli destacou a difícil situação enfrentada pelos pequenos operadores no momento, com falta de reservas para o Verão e restaurantes vazios.

Segundo mencionou, em Santa Maria, a área pedonal é a única que regista movimento constante, mas mesmo assim há dias em que a rua fica totalmente vazia. Essa situação preocupante também ocorreu em Janeiro, durante a alta temporada turística.

Benolli alega que o Ministério do Turismo e Transportes e a Câmara do Turismo têm a responsabilidade de encher a ilha de turistas durante todo o ano, além de buscar melhorias na qualidade do turismo.

Neste sentido, ressalta a necessidade de resolver questões relacionadas à conectividade com a Europa, permitindo oportunidades para companhias aéreas de tarifas baixas actuarem.

Conforme defende, o desenvolvimento de uma cidade, mercado local e comunidade é impulsionado por essas companhias, mas em Cabo Verde essa oportunidade ainda não foi alcançada.

“Temos de desbloquear o sistema, dar oportunidade às companhias low-cost. Há algumas esporádicas e louváveis iniciativas da Cabo Verde Airlines num preço low-cost, mas é muito isolado. Não há, actualmente, uma companhia capaz de actuar em regime low-cost em Cabo Verde”, declara.

Benolli também menciona a importância do embelezamento das cidades, como Santa Maria e Sal Rei, e investimentos em infraestruturas por parte das câmaras municipais. No entanto, observa que essas entidades possuem recursos limitados para promover iniciativas culturais e oferecer uma experiência atraente que possa competir com as ofertas dos resorts.

Por isso, sugere que as autarquias desempenhem um papel mais activo na promoção do turismo local, envolvendo associações culturais, operadores económicos e sociais, e toda a comunidade para criar uma cultura turística inclusiva, verdadeiramente representativa de Cabo Verde. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1127 de 5 de Julho de 2023.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,8 jul 2023 8:21

Editado pormaria Fortes  em  3 abr 2024 23:29

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