ACER quer participar na promoção das energias renováveis em Cabo Verde

PorAndré Amaral,22 out 2023 6:15

A Associação Cabo-verdiana das Energias Renováveis (ACER) foi apresentada este fim-de-semana e quer ser um interlocutor no processo de transição energética em Cabo Verde. Jansénio Delgado explicou ao Expresso das Ilhas os objectivos da associação a que preside.

Em Cabo Verde, a tentativa de implementar sistemas de produção de electricidade recorrendo a energias renováveis, neste caso, eólica, remonta à década de 90 quando foi instalado o primeiro parque eólico do país que “funcionou durante algum tempo com boa performance”, recorda Jansénio Delgado em conversa com o Expresso das Ilhas.

De então para cá, um hiato de três décadas. “O mercado das novas empresas de instalação de sistemas solares fotovoltaicos só viria a crescer ou a instalar-se nos últimos anos”, prossegue.

Jansénio Delgado trabalha no sector das energias renováveis e a sua empresa, Electric Wind, foi escolhida para presidir à Associação Cabo-verdiana das Energias Renováveis (ACER). Um organismo que se quer que funcione como uma voz única dos seus associados ou do sector, principalmente empresarial, das energias renováveis, junto das instituições públicas, junto das instituições internacionais, no processo de promoção das energias renováveis.

Entre empresas do sector das energias renováveis e instituições como o CERMI, há mais de uma dezena de entidades que são o corpo fundador da ACER.

“Temos o objectivo, a missão, digamos, geral de participar no processo de transição energética e da promoção das energias renováveis em Cabo Verde”, aponta Jansénio Delgado.

“Temos depois a divulgação das tecnologias, em termos de utilização das energias renováveis e a promoção do desenvolvimento de um mercado cada vez mais competitivo para o sector das energias renováveis”, explica Jansénio Delgado que prossegue explicando que a ACER “é uma associação que resulta, digamos, de uma vontade expressa de várias empresas, mais de uma dezena de empresas, mas que estará naturalmente aberta a todas as empresas do sector que queiram aderir com este grande objectivo e missão da promoção das energias renováveis em Cabo Verde”.

Durante a apresentação da associação, no sábado, na feira das energias renováveis que decorreu na Praia, o director nacional da Indústria e Energia, Rito Évora, saudou a iniciativa, que, afirmou, foi acarinhada pelo executivo desde o início, salientando que ter este tipo de associação especializada, representativa da classe dos operadores, vai ser, com certeza, “uma grande mais-valia”.

“Portanto, há um grande desafio, e ter um interlocutor único que possa congregar as preocupações do sector é muito bom, já que numa fase mais complexa desse processo de transição energética a coordenação interinstitucional com os operadores vai ser uma tarefa importante”, acrescentou.

Rito Évora afirmou que a transição energética é uma tarefa de todos, sublinhando que o Governo quer que ela seja impulsionada por empresas credíveis devidamente certificadas para que também os interesses dos consumidores sejam salvaguardados e as empresas e os cidadãos se sintam seguros e não haja descredibilização do processo.

O trabalho da associação “ainda agora está a começar”, refere Jansénio Delgado que espera que num futuro próximo instituições como as várias universidades existentes no país se venham a juntar à ACER. Um passo que ainda não foi dado porque “a associação foi criada no dia 12. Portanto, ainda estamos num processo de estabelecer contacto com as diferentes instituições e empresas. Mas essa é uma das grandes missões dos órgãos sociais agora constituídos: promover a associação e angariar novos associados”.

Renovação da rede de distribuição

Como já foi referido, os primeiros passos de utilização de energias renováveis em Cabo Verde foram dados ainda na década de 90. No entanto, só agora é que a aposta ganha consistência com o surgimento de novas tecnologias que permitem maior rendimento.

Mas será que a infra-estrutura de transporte de electricidade existente é capaz de suportar esta produção suplementar?

Para Jansénio Delgado é natural que “em certas partes a rede irá requerer o reforço. Mas não penso que seja uma questão impeditiva da evolução do sector das energias renováveis”.

Delgado defende mesmo que em alguns casos a aposta nas energias renováveis “até pode contribuir para a redução das perdas, porque, normalmente, as energias renováveis são distribuídas em proximidade e se, por exemplo, colocarmos um parque eólico num extremo da ilha de Santiago, isso irá evitar trânsitos de energia na linha que alimenta aquele extremo. Portanto, não é linear que a instalação de energias renováveis implique o reforço das redes de distribuição de energia no país”.

Além disso, defende, “o esforço que já foi feito em termos de remodelação das redes, penso que permite avançar com níveis de penetração muito superiores, sem, digamos, um esforço extremamente grande em termos de reforço das redes de distribuição”.

Taxas de penetração

O governo tem usado a transição energética como uma das suas principais bandeiras.

O objectivo é conseguir taxas de penetração de energias renováveis cada vez maiores e, assim, reduzir a dependência do país no que respeita a combustíveis fósseis.

“Tendo em conta os objectivos de Cabo Verde em termos de energias renováveis e o desenvolvimento que a tecnologia vem registando a nível internacional, nós contamos que o sector empresarial das energias renováveis terá um papel preponderante no processo de transição energética em curso em Cabo Verde”, aponta Jansénio Delgado.

Será então possível atingir os objectivos que o governo traçou, até às datas que traçou no que respeita às taxas de penetração de energias renováveis? “Eu acredito que sim”, defende Jansénio Delgado. “Aliás, já algumas das metas que são traçadas, nomeadamente os 30% para 2025, em alguns momentos já foram atingidos em Cabo Verde, o que demonstra que é possível, mesmo sem grandes tecnologias em termos de armazenamento de energia, mas o que acontece é que também neste momento, para além do desenvolvimento das energias renováveis em si, há todo um programa de instalação de sistemas de armazenamento de energia com base em baterias, que é a condição necessária para avançarmos para além dos 30%”, acrescenta este empresário.

Quanto a um futuro mais distante e a uma taxa de penetração de 100% em 2050, como tem anunciado o governo, Jansénio Delgado é mais cauteloso.

“Aí, digamos, irá depender um bocado da evolução tecnológica, principalmente dos sistemas de armazenamento de energia. Eu acredito que há uma aposta muito forte nas baterias de diferentes tecnologias, um pouco impulsionado pela mobilidade eléctrica, pelo que eu acredito que nos próximos anos vamos assistir a uma revolução em termos de sistemas de armazenamento de energia e que poderão efectivamente conduzir a taxas de penetração em Cabo Verde superiores a 50%, eu diria próximos de 100%”.

No entanto, reforça, “100% é sempre um objectivo muito ambicioso, mas chegaremos lá, se calhar nos próximos anos”.

Microgeração

A questão da transição energética tem levado a uma aposta na microgeração de electricidade. Recentemente a Electra anunciou que o número de contratos de microgeração tem vindo a subir, o que significa que o número de painéis solares instalados em edifícios habitacionais, em empresas, e edifícios públicos tem vindo a crescer.

“Eu diria que esse é um dos caminhos a seguir. Não será naturalmente único. Teremos que ter uma aposta em sistemas concentrados, como parques eólicos, parques solares, sistemas de armazenamento em baterias com dimensões já superiores, mas a contribuição da microgeração será importante”, assegura Jansénio Delgado que vê nesta forma de produção de electricidade “uma forma de redução das facturas de electricidade uma vez que, como todos nós sabemos, as tarifas de electricidade em Cabo Verde permanecem muito altas e, se calhar, irão permanecer altas devido à conjuntura do país”.

No entanto, actualmente, a instalação de um sistema de microgeração também implica um investimento financeiro alto.

Jansénio Delgado rebate esta ideia. “O investimento nesta área vai, a cada ano, sendo menor. Com a redução do custo dos painéis solares, o desenvolvimento das tecnologias dos inversores, a experiência que temos é que o investimento inicial vai sendo cada vez menor. E acreditamos que, tendo em conta as tarifas de electricidade no país, o investimento no sistema de microgeração é um investimento viável e continuará a ser eventualmente nos próximos anos”.

Mobilidade Eléctrica

Quando se fala em transição energética, uma das primeiras ideias que surge é a da mobilidade eléctrica.

Mas a transição energética é muito mais do que isso.

“A mobilidade eléctrica é, digamos, uma das acções no processo de transição energética. Tem uma importância considerável e ajusta-se muito bem à realidade do país, tendo em conta que temos um país com pequenas distâncias. A autonomia, por exemplo, das baterias não é um problema grande, como em países de maior dimensão, onde as distâncias são grandes. Ajusta-se também pelo facto de estarmos a apostar nas energias renováveis”.

Fará, no entanto, sentido que, num país onde a pegada ecológica dos automóveis e a poluição causada pelos automóveis é relativamente reduzida, quando comparado com outros países, apostar na electrificação automóvel? “Naturalmente que se analisarmos em termos de pegada energética, poderá parecer que não seja justificável a mobilidade eléctrica. Mas, aqui temos que destacar a evolução também que se regista no sector da produção dos carros eléctricos. A viabilidade económica de um carro eléctrico é cada vez maior, se comparado aos custos actuais, por exemplo, dos combustíveis”, explica Jansénio Delgado.

“Isto quer dizer que o custo de percorrer um quilómetro, em termos de consumo de combustível, é superior, neste momento, ao custo do quilómetro percorrido a eléctrica, mesmo admitindo a tarifa alta da energia da rede. Portanto, eu penso que a mobilidade eléctrica vai ser não só um contributo para o ambiente, mas também uma questão económica para a utilização da viatura”.

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Quatro parques eólicos pouparam emissão de 47 mil toneladas de CO2

Segundo dados divulgados em Julho, a electricidade gerada pelos quatro parques eólicos da Cabeólica evitou a emissão de 47.261 toneladas de CO2 em 2022, segundo a empresa, que prevê este ano iniciar o alargamento da produção.

De acordo com o relatório e contas de 2022 da Cabeólica a empresa manteve no ano passado a potência instalada de 25,5 MegaWatts (MW), com 30 turbinas eólicas distribuídas pelos parques nas ilhas de Santiago (11), Sal (09), São Vicente (07) e Boa Vista (03).

Essas emissões evitadas são traduzidas em créditos de emissões denominados “Reduções Certificadas de Emissões” ou CER, comercializadas através do contrato do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), um programa da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1142 de 18 de Outubro de 2023. 

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Autoria:André Amaral,22 out 2023 6:15

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  3 mai 2024 23:28

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