Proposta do Governo para articulação põe em causa autonomia do Banco Central

PorJorge Montezinho,16 mar 2024 8:09

Depois do Governo validar o primeiro leilão do INPS e avançar para um “quadro regulamentar claro” que permita continuar a prática, o Presidente da República, veio dizer que o Governo não pode articular posições com o Banco de Cabo Verde e com Instituto Nacional da Previdência Social porque põe em causa a autonomia do regulador do sistema financeiro.

É mais um capítulo na polémica. Segundo o Chefe de Estado, o Governo deve tomar medidas para ser consequente com as recomendações do Banco de Cabo Verde (BCV) em relação ao leilão do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) para garantir a “transparência na gestão da coisa pública”.

“O Presidente da República tem que aguardar que os diferentes actores políticos façam o debate e tomem as decisões que são necessárias nesses contextos”, disse José Maria Neves, citado pela Inforpress. O PR sublinhou que não conhece o relatório, mas que pelo comunicado do BCV, que é a entidade reguladora, “não houve transparência” no processo.

Já o Governo, segundo José Maria Neves, não pode realizar, como disse o ministro das Finanças, a reunião entre o Banco Central, INPS e o próprio Governo para articular posições porque isso, por um lado, contraria a autonomia e a independência do Banco Central e, por outro, “é fundamental” que o Governo preste atenção na governança corporativa do INPS, cuja gestão deve ser feita com “rigor e transparência, cumprindo as regras”.

A posição do Governo

Na semana passada, o Governo validou o primeiro leilão do INPS – que o Investiment International Bank (iib) ganhou. Em conferência de imprensa, o ministro das Finanças afirmou que “o primeiro leilão foi feito e está fechado. Não se pode alterar. Só o segundo leilão é que está suspenso e fica suspenso e vamos retomar, ajustando essa recomendação do Governo de Cabo Verde, olhando para o parecer do BCV”.

Dias antes da conferência, o ministro das Finanças tinha defendido uma articulação entre o conselho directivo do INPS, o Banco Central e o Governo para encontrar melhores soluções para os leilões e assim rentabilizar os recursos da Previdência Social.

Na conferência, Olavo Correia explicou que “o que está em causa aqui é a boa medida da parte da Comissão Executiva do INPS. Temos que entender que é uma medida nova. É nova para o INPS, é nova para o BCV, que vai agora ter de regulamentar todo esse quadro e criar instrumentos para poder regulamentar a forma como o INPS pode avançar para os leilões e é uma medida nova também para o Governo”, disse o ministro, citado pela Inforpress.

“O Governo recomenda que continuemos com os leilões. Uma vez emitido o parecer da parte do BCV temos aqui elementos que nos levam a ajustar todo o quadro procedimental para a selecção dos vencedores. E esses instrumentos estarão a ser ultimados nos próximos dias, nas próximas semanas, para podermos depois retomar o mais cedo possível com todo o processo dos leilões”, referiu Olavo Correia.

A posição do INPS

No mesmo dia da conferência de imprensa do ministro das finanças, o INPS, em comunicado, garantia que o processo dos leilões tinha sido objectivo, transparente e do conhecimento atempado de todos os bancos.

A Comissão Executiva do INPS, explicou que o procedimento se enquadrava na política de melhoria da rentabilidade da carteira de investimentos da Previdência Social porque, disse, “o sistema anterior não cumpria as metas estabelecidas”, “rentabilizava os valores colocados nos bancos a taxas muito abaixo do recomendado (…) e não decorria das melhores práticas internacionais”.

“Em 2023”, refere ainda o comunicado, “o INPS viu-se confrontado com a redução substancial de taxas oferecidas pelos bancos, na renovação dos depósitos a prazo (…). Logo, da parte do INPS, não subsistem dúvidas de que o modelo de leilão é o mais adequado para a capitalização dos recursos da segurança social, pois encontra-se amparado em critérios de segurança, rentabilidade, transparência e mitigação de riscos”.

O INPS disse ainda estar aberto ao diálogo e à concertação, mas reiterou que “está vinculado por lei à rentabilização dos seus fundos, como uma das formas de salvaguardar a protecção social da geração presente e futura (…) pelo que não pode colocar esta atribuição em segundo plano ao assumir responsabilidades de outras instituições”.

A posição do Banco Central

No início do mês, BCV tinha dado razão aos bancos, na sequência da reclamação apresentada pela maioria dos bancos participantes do leilão promovido, a 8 de Dezembro do ano passado, pelo INPS – os bancos acusaram o INPS de “falta de comunicação aos concorrentes do regulamento do concurso, do racional para a escolha dos rácios elegidos e da sua ponderação, bem como preocupações dos riscos para o sistema financeiro, devido à natureza do INPS enquanto depositante sistémico”.

“Da análise efetuada”, referia o Banco Central em comunicado, “o BCV considera legítima e procedente a reclamação efetuada pela maioria dos bancos participantes do primeiro leilão, porquanto, o INPS, instado para tal, recusou a disponibilização do regulamento dos leilões, assim como não partilhou, previamente, a fórmula de cálculo da avaliação das propostas, o que se afigura como sendo um procedimento que pode ser objetivamente qualificado como falta de transparência”.

“Se a atuação do BCV não tivesse sido tempestiva, corria-se o risco de, num curto espaço de tempo, ocorrer a desmobilização de depósitos no montante de 3,5 mil milhões de escudos cabo-verdianos de alguns bancos para um único banco que beneficiaria dos pressupostos/critérios considerados para o apuramento dos resultados dos leilões”, escreveu o supervisor bancário que considerava ainda que “este facto seria suscetível de acarretar impactos negativos nos principais indicadores prudenciais de alguns bancos”.

O BCV concluía que “o processo de leilões, designadamente tendo em conta a violação do princípio da transparência, seria passível de anulação pelas entidades competentes. Informa-se, também, que o BCV está a desenvolver um conjunto de medidas macroprudenciais que visam mitigar os riscos de elevada concentração a fontes comuns de financiamento”. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1163 de 13 de Março de 2024.

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Autoria:Jorge Montezinho,16 mar 2024 8:09

Editado porFretson Rocha  em  26 abr 2024 23:28

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