Indira Campos, Representante Residente do GBM: “Manter este progresso exigirá esforços ainda maiores”

PorAndré Amaral, Jorge Montezinho,6 jul 2025 10:15

Desde esta terça-feira, 1 de Julho, Cabo Verde passou a ser classificado como país de rendimento médio-alto, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Grupo Banco Mundial (GBM). Esta classificação tem fins essencialmente analíticos, baseia-se exclusivamente na evolução do rendimento per capita e não implica, por si só, mudanças na elegibilidade para acesso a recursos do GBM, como explica ao Expresso das Ilhas Indira Campos, Representante Residente do Grupo Banco Mundial Cabo Verde.

Cabo Verde foi elevado à categoria de país de rendimento médio-alto. Quais os factores por trás desta decisão?

O Banco Mundial utiliza o método Atlas para calcular o Rendimento Nacional Bruto (RNB) per capita de cada país e categoriza os países de acordo com o nível de rendimento (baixo, médio-baixo, médio-alto ou alto). A categorização no ano em questão é estabelecida com base nos dados do ano anterior. Entre os factores que influenciam a alteração do RNB de um país incluem-se o crescimento económico, o deflator do PIB, a taxa de câmbio, o crescimento populacional e as revisões das contas nacionais.

Cabo Verde foi reclassificado como país de rendimento médio-alto a partir de 1 de Julho de 2025. Como referido acima, a nova classificação resulta de uma combinação de factores que elevaram o RNB per capita em cerca de 16,8% entre 2023 e 2024. Em 2024, o país registou um crescimento económico de 7,3% (em termos reais), impulsionado sobretudo pelos sectores ligados ao turismo. Simultaneamente, o deflator do PIB reduziu-se de 4,1% em 2023 para 1,7% em 2024. Outro factor determinante foi a revisão em baixa (-12,8%) da população, conforme os dados do Departamento de População das Nações Unidas.

Quando passou para país de rendimento médio, apontava-se como desafio a diminuição do acesso a créditos concessionais. Quais os desafios que se colocam agora? Quais as condições de acesso a crédito a partir de agora?

Antes de mais, é importante sublinhar que a classificação por rendimento tem fins analíticos e não tem impacto directo na elegibilidade para acesso a recursos do Grupo Banco Mundial. A elegibilidade aos financiamentos, o volume e os termos associados aos mesmos dependem de um conjunto de critérios que vai para além do RNB e que inclui a sustentabilidade da dívida, a estabilidade macroeconómica e a capacidade institucional do país em questão. O contexto geográfico e as vulnerabilidades intrínsecas aos países ditos pequenos e/ou insulares, como é o caso de Cabo Verde, são também critérios importantes tidos em consideração nos termos e volumes de financiamentos de entidades multilaterais.

Esta nova classificação é um testemunho inquestionável do percurso notável de desenvolvimento de Cabo Verde nos últimos 50 anos e reflecte décadas de compromisso, de resiliência e de políticas públicas sólidas. Com este novo marco, Cabo Verde reafirma-se como um exemplo de boa governação, estabilidade e compromisso com o desenvolvimento sustentável, consolidando a sua posição como um destino seguro, fiável e cada vez mais atrativo para o investimento internacional.

Contudo, este feito traz consigo novos desafios e responsabilidades. Manter este progresso exigirá esforços ainda maiores para garantir um crescimento inclusivo, reforçar a competitividade e fortalecer a resiliência face a choques externos.

O Grupo Banco Mundial continuará a apoiar Cabo Verde a investir na resiliência económica e na melhoria da qualidade dos serviços públicos, como a saúde, a educação e as infra-estruturas, para garantir que os ganhos económicos se traduzam em melhorias concretas na vida das pessoas.

Quais são os mecanismos a que Cabo Verde pode agora aceder para conseguir crédito junto do Grupo Banco Mundial e dos outros parceiros?

O Governo de Cabo Verde e as entidades privadas sediadas ou a operar em Cabo Verde continuarão a ter acesso a todos os mecanismos de financiamento e/ou de assistência técnica das várias entidades do Grupo Banco Mundial, nomeadamente do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (IBRD, sigla em inglês), da Corporação Financeira Internacional (IFC, na sua sigla em inglês) e da Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (MIGA, na sua sigla em inglês), sempre que cumpram com os requisitos.

De uma forma geral, no que tange ao financiamento público, o Banco Mundial categoriza os países em três categorias – países de baixa renda, elegíveis à Associação Internacional de Desenvolvimento (IDA), que beneficiam de donativos e créditos com termos concessionais; países de renda média, elegíveis ao Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (IBRD), que financia através de instrumentos não concessionais, com condições mais próximas das do mercado, mas ainda assim mais vantajosas do que os financiamentos comerciais; e países “Blend”, que são elegíveis aos instrumentos da IDA e do IBRD. Para efeitos de financiamento do Banco Mundial, Cabo Verde é classificado como um país Blend desde 2008.

Com a transição para país de rendimento médio-alto, Cabo Verde continua a ter acesso a diferentes mecanismos de financiamento junto do Grupo Banco Mundial. Como mencionado previamente, a classificação por rendimento tem fins analíticos e não tem impacto direto na elegibilidade para acesso a recursos do Grupo Banco Mundial.

Além disso, com este marco, Cabo Verde reafirma-se como um exemplo de boa governação, estabilidade e compromisso com o desenvolvimento sustentável, consolidando a sua posição como um destino seguro, fiável e cada vez mais atrativo para o investimento internacional, apoiando desta forma as entidades privadas do país a terem acesso a garantias parciais de risco e instrumentos de financiamento mistos (blended finance), que combinam recursos concessionais da IDA com financiamento privado ou de mercado do IFC e MIGA, reduzindo o risco para investidores.

O Primeiro-ministro disse que os desafios persistem e que Cabo Verde irá trabalhar com o Grupo Banco Mundial na definição de um plano de transição para um país de rendimento alto, no âmbito da nova Estratégia de Parceria com o país. No que vai consistir esse plano de transição e o que vai mudar na parceria entre o Grupo do Banco Mundial e o país?

O engajamento do Grupo Banco Mundial com os seus países-membros é orientado através de um Quadro de Parceria com o País (CPF, na sua sigla em inglês). O CPF identifica os principais objectivos e resultados de desenvolvimento que o país em questão almeja alcançar e que o Grupo Banco Mundial se propõe a apoiar.

Actualmente, está em preparação um novo CPF para orientar o engajamento com Cabo Verde ao longo dos próximos 10 anos. A ambição nacional é que Cabo Verde transite para a categoria de país de rendimento alto, assegurando que os ganhos económicos se traduzam em melhorias concretas na vida das pessoas. Essa visão inclui um país mais resiliente, com uma economia de serviços mais diversificada e que tenha concluído a sua transição energética para fontes mais limpas.

De forma geral, o novo CPF pretende apoiar a concretização desta visão estratégica, com foco em soluções abrangentes, parcerias mais sólidas e análises baseadas em dados para enfrentar uma ampla gama de desafios.

O que será novo também neste CPF é a adopção plena de uma abordagem integrada de “One World Bank Group”, que reunirá sinergias entre o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), a Associação Internacional de Desenvolvimento (IDA), a Corporação Financeira Internacional (IFC) e a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (MIGA). Essa abordagem visa oferecer soluções mais coordenadas e eficazes, alinhadas com as prioridades nacionais.

Além disso, o CPF reforçará o papel do sector privado como motor do crescimento sustentável, promovendo o investimento privado em áreas estratégicas como turismo sustentável, economia azul, transportes e energias renováveis.

Esta nova geração de parceria reflectirá um compromisso renovado com o desenvolvimento inclusivo e resiliente de Cabo Verde, alavancando o potencial do país para alcançar prosperidade partilhada e sustentável.

Como se explica a resiliência da economia cabo-verdiana aos choques externos?

A economia cabo-verdiana sofreu um forte choque com a pandemia da COVID-19 em 2020, devido ao impacto das restrições de viagens sobre o sector do turismo, uma das principais actividades económicas do país. No entanto, desde então, vários factores têm contribuído para a recuperação da economia e para o reforço da sua resiliência.

Em primeiro lugar, a resposta sanitária à pandemia foi exemplar, gerando confiança entre os turistas e permitindo uma forte retoma da actividade no sector. Em segundo lugar, tem havido um investimento significativo na expansão e diversificação das infraestruturas turísticas – não apenas no aumento da capacidade hoteleira, mas também na oferta de diferentes tipos de experiências turísticas. Um exemplo concreto é o investimento nos aeroportos do país, que facilitou a entrada de novos operadores aéreos no mercado e aumentou a frequência de voos internacionais. Isso tem impulsionado o crescimento do turismo não tradicional, como demonstrado pelo aumento da percentagem de turistas que optaram por apart-hotéis – de 1% em 2023 para 13% em 2024 – um sinal positivo para a economia local e um contributo importante para a resiliência do sector.

Por fim, o compromisso contínuo com a estabilidade macroeconómica, incluindo o controlo da inflação e a redução da dívida pública, tem sido fundamental para sustentar a resiliência da economia cabo-verdiana.

Diversificar a economia cabo-verdiana é um objectivo perseguido. Como pode ser feita essa diversificação e que apoios pode dar o Banco Mundial?

O turismo continuará a ser o principal motor da economia cabo-verdiana, tanto em termos de crescimento como na geração de empregos. No entanto, é fundamental garantir uma maior diversificação do sector turístico — abrangendo diferentes tipos de oferta, mercados-alvo e localização geográfica. Para isso, será importante, entre outras acções, melhorar a conectividade entre as ilhas e fomentar uma maior participação do sector privado.

O Banco Mundial tem apoiado o Governo nesse sentido, através do projecto Turismo Resiliente e Economia Azul, que tem como objectivo fortalecer o sector turístico do país, ao mesmo tempo que promove o uso sustentável dos recursos marinhos e costeiros. O projecto foca-se especialmente em: (i) diversificar as economias locais, maximizando as ligações intersectoriais e a utilização sustentável dos recursos costeiros e marinhos; e (ii) apoiar uma maior inclusão das pequenas e médias empresas (PME) nas cadeias de valor ligadas ao turismo.

A diversificação – e, consequentemente, o aumento da resiliência – também deve incluir investimentos noutros sectores que possam funcionar como motores complementares de crescimento, como a economia azul, ou como facilitadores, como o sector energético. O Grupo Banco Mundial actua em vários desses sectores para apoiar esse objectivo. Por exemplo, por meio de assistência técnica e financiamento, está a apoiar os esforços do Governo na reestruturação do sector energético e na transição para fontes renováveis, o que contribuirá para aumentar a segurança energética, reduzir a vulnerabilidade associada à dependência externa e diminuir os custos da energia. Estes resultados são essenciais para aumentar a competitividade do país e facilitar investimentos noutros sectores-chave, promovendo, assim, uma maior diversificação da economia.

Além disso, em 2024, lançámos o Diagnóstico sobre o Sector Privado em Cabo Verde (CPSD, na sua sigla em inglês), onde apresentámos recomendações para fortalecer o sector privado. Através da IFC, estamos a concentrar esforços na mobilização de investimento privado em sectores-chave como os transportes, a energia, o digital e o turismo sustentável, no apoio às PME e na promoção de reformas que criem um ambiente mais favorável ao investimento e à competitividade.

Como pode a actual conjuntura geopolítica instável impactar em Cabo Verde e o que pode o país fazer para atenuar essa incerteza?

Cabo Verde possui uma economia pequena e aberta, o que torna o país vulnerável a choques externos. A nossa análise indica que o impacto directo de mudanças na política comercial global é reduzido; contudo, um abrandamento do crescimento global – especialmente nos mercados-chave para Cabo Verde, como a Europa – pode afectar negativamente a procura turística, o investimento estrangeiro e as remessas, todos elementos essenciais para a economia do país. Além disso, a dependência das importações para cerca de 80% dos bens consumíveis aumenta a exposição do país à volatilidade dos preços das commodities, o que pode agravar os saldos orçamental e externo, ao mesmo tempo que reduz o poder de compra das famílias.

No curto prazo, será fundamental reforçar os mecanismos de protecção social para mitigar possíveis impactos negativos nas famílias cabo-verdianas. Os esforços contínuos para aumentar a arrecadação de receitas internas também são essenciais, pois ajudam a reduzir a dependência de recursos externos. Observa-se que o país está numa trajectória positiva nesse aspecto – as receitas fiscais alcançaram cerca de 20% do PIB em 2024 –, embora haja ainda espaço para melhorias.

Essas incertezas e vulnerabilidades ressaltam a importância da implementação de reformas estruturais para mitigar os seus efeitos. Entre essas reformas, destacam-se a diversificação do turismo (tanto da oferta como dos mercados de procura) e da economia em geral (valorizando a economia azul e digital), bem como o aumento da produtividade.

A última actualização económica publicada pelo Banco Mundial sobre Cabo Verde identifica uma série de riscos. Como é que estes podem ser mitigados?

Infelizmente, vivemos tempos em que os riscos são numerosos, e muitos países encontram-se numa situação de maior vulnerabilidade neste período pós-pandémico. Como destacado no relatório, o país enfrenta riscos ligados a factores externos e internos.

A mitigação dos riscos externos, como a volatilidade dos preços das commodities e as incertezas geopolíticas, exige acções que reduzam a dependência dos mercados externos – alinhando-se com os pontos mencionados anteriormente, relacionados com uma maior diversificação da economia, o fortalecimento das ligações sectoriais e a criação de um sector privado mais dinâmico. As reformas já estão em andamento, e espera-se que tenham um impacto palpável no médio prazo. Entretanto, até lá, é fundamental reforçar o sistema de protecção social para proteger a população mais vulnerável.

As alterações climáticas representam outro factor externo que exige ações de mitigação e adaptação. Este é um tema ao qual as autoridades têm dado especial atenção, e o Diagnóstico Climático para Cabo Verde (CCDR, na sigla em inglês), lançado em parceria com o Governo no início deste ano, apresenta recomendações claras nesse sentido.

No âmbito interno, a mitigação dos riscos depende de uma política macroeconómica prudente, previsível e estável. Isso inclui atenção especial à sustentabilidade fiscal, ao nível e tipo do endividamento público, bem como a uma melhor gestão dos passivos contingentes – sobretudo aqueles originados pelas empresas públicas.

O mesmo relatório recomenda o desbloqueio do potencial económico das mulheres. Esta iniciativa pode, igualmente, desbloquear o potencial de crescimento económico do próprio país?

É importante sublinhar que estes dois temas – o potencial económico das mulheres e o potencial de crescimento do país – não são mutuamente exclusivos. Na verdade, a implementação de reformas que desbloqueiem o potencial económico das mulheres – ou seja, que permitam a sua participação ativa no mercado de trabalho, com empregos de qualidade e salários condizentes com os seus esforços – gera um efeito positivo em cascata na economia como um todo, contribuindo diretamente para o crescimento do país.

As análises realizadas pelo Grupo Banco Mundial indicam que a eliminação das disparidades de género em Cabo Verde teria impactos positivos e significativos no PIB a longo prazo, ampliando o potencial de crescimento económico. Por exemplo, o Índice de Diferença de Género no Emprego (GEGI, na sigla em inglês) aponta para um aumento de 10% no PIB per capita a longo prazo, decorrente da eliminação das desigualdades de género no emprego. Os impactos sectoriais potenciais incluem um aumento de 5 a 8% na produtividade do turismo e um crescimento de 10 a 12% nos lucros das empresas, impulsionado pelo fortalecimento do empreendedorismo feminino. Outra análise sugere que os ganhos poderiam ser ainda maiores, chegando a um aumento de 12,2% no PIB.

Portanto, intensificar os esforços para combater essas desigualdades é fundamental para promover um desenvolvimento económico sustentável e inclusivo.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1231 de 2 de Julho de 2025.

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Autoria:André Amaral, Jorge Montezinho,6 jul 2025 10:15

Editado porSheilla Ribeiro  em  9 jul 2025 23:22

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