O Turismo nas Vésperas da Pandemia do COVID-19

PorJosé Gonçalves,19 ago 2020 7:37

Este é primeiro de uma série de artigos que o autor propõe escrever sobre o impacto da COVID-19 no sector do turismo no mundo em geral e em Cabo Verde em particular. Comecemos, pois, com a visão global do problema para depois focar nas especificidades do sector. Parte I – The Day Before

A pandemia de COVID-19 que ora assola o mundo tem tido um impacto devastador no mundo inteiro em termos sanitário, económico, social e cultural, como nenhuma outra pandemia desde a chamada “Influenza Espanhola” de há um século atrás (1918-1920). Em nenhum outro sector da economia as suas nefastas repercussões têm sido mais sentidas do que no sector do Turismo, afectando toda a cadeia de valor, desde transportes, infraestruturas, alojamento, estabelecimentos, serviços direto e indireto, entretenimento e afins, com sérias consequências na perda de receitas e redução drástica de emprego e eventual liquidação de muitas empresas, sobretudo das PMEs.

Não é fácil mensurar a abrangência e a incidência do turismo na economia mundial. Porém, segundo um recente artigo da McKinsey Global Institute, calcula-se que de maneira geral, no seu apogeu em 2019, o turismo representava cerca de 10% do PIB global o que equivalia a quase US $9,0 trilhões. Da mesma forma, a WTTC, entidade associativa da classe dos principais players no sector do turismo no mundo, também calculou que em 2019 esta contribuição em termos direto, indireto e induzido, somou cerca de US$8,9 trilhões para o PIB mundial, ou seja 10,3% do PIB global.

Para se ter uma noção do que significa esse valor gigantesco do turismo na economia mundial, ela equivale a soma do PIB nominal do Japão e da Alemanhã - juntos, sendo respectivamente a terceira e a quarta maiores economias do mundo. Mesmo os dados mais conservadores da Organização Mundial do Turismo (OMT), mensurando o impacto sobre actividades mais diretamente ligadas ao turismo, aponta para valores na ordem de US $1,7 trilhões o que mesmo aproxima do PIB nominal de Canadá, a décima maior economia mundial.

Em termos de emprego, mais de 330 milhões de pessoas, ou seja 1 em cada 10 trabalhadores no mundo ganharam suas vidas em actividades económicas ligadas ao turismo.Em termos comparativos, este número é superior à população dos Estados Unidos, o terceiro país mais populoso do planeta.

Era este o cenário global do turismo em finais de 2019, o qual, impulsionado por uma economia global relativamente forte, uma classe média em crescimento nas economias emergentes, avanços tecnológicos, novos modelos de negócios, custos de viagens acessíveis e facilitação de vistos, etc. contribuíram para estimular as chegadas de turistas internacionais, atingindo a cifra de 1,7 mil milhões de turistas. A tendência vinha sendo crescente, atingindo uma taxa de crescimento de 5% em 2019 sobre 2018. Mesmo os valores mais conservadores da OMT já tinham apontado que em 2018 o número de turistas internacionais de 1,4 mil milhões foi alcançado dois anos antes das previsões da própria organização.

Ao mesmo tempo, as receitas de exportação geradas pelo turismo atingiram os US $ 1,7 trilhão. Isso torna o setor uma verdadeira força global para o crescimento económico e desenvolvimento, impulsionando a criação de mais e melhores empregos e servindo como catalisador para a inovação e o empreendedorismo. Resumindo, o turismo estava em franco crescimento, ajudando a construir vidas melhores para milhões de pessoas, reduzindo a pobreza e transformando comunidades inteiras em todo o mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento, rendimento médio e emergentes.

Neste sentido, o turismo também liderava igualmente a economia de Cabo Verde até finais de 2019, contribuindo para mais de 25% do seu PIB. Com uma assistência técnica da OMT, Cabo Verde estava no processo de fazer uma profunda revisão da metodologia das suas contas satélites do turismo, que os especialistas dessa organização das Nações Unidas acreditam estar bastante subestimando considerando o real peso do turismo na economia cabo-verdiana que segundo alguns entendidos na matéria não está longe dos 50%. Acredita-se pois, que o número de turistas estrangeiros no país já teria ultrapassado o limiar de 1,0 milhão se todos aqueles que ficassem hospedados fora dos alojamentos turísticos fossem contabilizados como os que ficaram em apartamentos e moradias, os quais são considerados alojamentos complementares e não turísticos como os hotéis, pausadas, pensões e similares. (Apenas para ilustrar o peso da oferta de alojamento complementar anunciado nas plataformas sociais como Airbnb, Expedia, Bookings, etc., os técnicos do MTT constataram mais de 1.000 ofertas de apartamentos e moradias para aluguer no segundo semestre de 2019, cujos hóspedes não foram contabilizados nas estatísticas oficiais). Recorda-se que nesse ano os dados oficiais do INE registaram mais de 819 mil hóspedes, correspondendo a um acréscimo de 7,0% face ao ano de 2018. As ilhas da Boa Vista e do Sal tiveram as maiores taxas de ocupação com 78% e 62%, respectivamente. Em termos de emprego, estima-se que mais de 20% da população activa laborava no sector do turismo em 2019. Assim, Cabo Verde era o destino com maior taxa de crescimento do turismo em África e prestigiadas publicações em França, Portugal, Israel e Boston bem como a própria CNN Internacional vaticinava em 2018 que Cabo Verde era um dos 18 destinos obrigatórios para visitar. Os próprios pares de Cabo Verde, tanto no Conselho Executivo na OMT de que o país é membro há mais de três anos assim como na própria Assembleia Geral em S. Peterburgo, Rússia, esta organização de cúpula turística reconheceu o mérito conquistado por Cabo Verde e assim o elegeu pela segunda vez consecutiva para assumir o papel de vice-presidência da mesa. Tudo isto culminou com o melhor ano de resultados positivos no sector do turismo em 2019; e para não se esquecer de manifestações em muitas cidades do mundo contra o fenómeno de “sobreturismo”.

O ano de 2019 foi também um ano charneira que culminou com grandes realizações no país lideradas pelo MTT. O ano começou com a publicação do plano estratégico, GOPEDS-Turismo, no boletim oficial, documento esse que projectou o desenvolvimento sustentável do turismo no horizonte 2030, visando vários cenários, desde o razoavelmente pessimista ao mais optimista. Seguidamente foram elaborados Master Plans de Turismo para cada ilha, feito que contou com o consenso e apoio unânimes de todas as câmaras municipais, pois os Master Plans também servem de orientação para elaboração dos planos do turismo de cada município. O caso de Santo Antão, que serve de modelo de planeamento para o resto das ilhas, esta iniciativa está muito avançada, tendo a ilha o seu plano de marketing do turismo, centros interpretativos em cada município e a organização de uma entidade para liderar a implementação do seu plano integrado do turismo. O Instituto do Turismo também foi criado em 2019 para colmatar lacunas e reforçar a estrutura institucional do turismo no país. Programas inovadoras foram lançados como “Uma Família, Um Turista” que visa desenvolver o turismo rural em todo o país, com claros ganhos na melhoria da qualidade de vida em cada localidade e evidente impacto na redução da pobreza no mundo rural. O turismo residencial do tipo promovido pelas plataformas sociais estava no processo de reestruturação com a revisão da legislação global do turismo em curso, cujo diagnóstico foi feito em 2019. Para culminar, uma nova modalidade do turismo ligada aos transportes aéreos estava no processo de se implantar com o denominado programa “stopover”, transportando milhares de passageiros do Brasil, da América do Norte e da África, para desfrutarem da oferta turística do país durante uma curta estadia que podia prolongar até 5 dias. Já só em Dezembro de 2019, o número de passageiros transportados pela Cabo Verde Airlines ultrapassava os 200 mil, com novos destinos como Washington DC, Abuja, Porto Alegre, etc.

Assim, tanto em Cabo Verde como no mundo inteiro, 2019 fechou como o melhor ano de sempre no sector do turismo. Mas tudo isso foi antes da devastidão causada no sector pela pandemia do COVID-19, a partir de Janeiro de 2020, ainda no meio da plena época alta do turismo em Cabo Verde. (Na II e restantes partes, abordaremos o impacto nefasto do COVID-19 durante o primeiro semestre de 2020 bem como as medidas sanitárias que estão sendo tomadas em todo o mundo para dinamizar a retoma do turismo e permitir os turistas viverem em segurança no tempo do COVID-19).

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 976 de 12 de Agosto de 2020.  

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Autoria:José Gonçalves,19 ago 2020 7:37

Editado porSara Almeida  em  1 jun 2021 23:21

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