José Maria Neves sabe do que fala, quando se refere à Dívida Pública. De facto, foi o primeiro-ministro que mais endividou o país desde a Independência, durante os 15 anos em que governou, de 2001 a 2015.
O gráfico seguinte, baseado em dados oficiais publicados pelo FMI (World Economic Outlook, outubro 2021), mostra a evolução da Dívida Pública cabo-verdiana desde 1997 até 2015. As colunas a vermelho reportam-se aos anos de governo do actual Presidente.
Fonte: FMI, World Economic Outlook, outubro 2021
A proeza é fácil de identificar. Quando José Maria Neves começou a governar, a Dívida Pública era de 58 milhões de contos (83% do PIB), e quando saiu, 15 anos depois, a Dívida Pública era de 201 milhões de contos, ou 127% do PIB (fonte: FMI, World Economic Outlook, outubro 2021). A conclusão evidente é que o ex-Primeiro Ministro e actual Presidente da República agravou a Dívida Pública de forma desmedida e irresponsável não só em valores absolutos como, sobretudo, em percentagem do PIB (o indicador mais utilizado para avaliar o grau de endividamento público).
Realce-se que o agravamento mais acentuado da dívida ocorreu nos últimos 7 anos do Governo de José Maria Neves. Verificou-se, então, um autêntico frenesim de endividamento do país, enquanto a economia estagnava, registando o pior desempenho de sempre desde a Independência de Cabo Verde. Ao maior endividamento público de que há memória no país, corresponde exatamente o pior desempenho económico de que também há memória em Cabo Verde. A pergunta que fica é a seguinte: para que serviu esse enorme agravamento da Dívida Pública, se a economia continuou estagnada durante esses 7 anos?
De facto, entre 2008 e 2015, a Dívida Pública quase triplicou (2,6 vezes), passando de 77,6 milhões de contos em 2008 para 201 milhões de contos em 2015 (ver o gráfico). O que significa que nesses 7 últimos anos do seu mandato como primeiro-ministro, José Maria Neves aumentou o endividamento do Estado num total de 123,4 milhões de contos, ou seja, em média 17,6 milhões de contos por ano.
O pior, para além do facto de esse endividamento excessivo não ter produzido qualquer efeito visível no desempenho da economia, é que a maior parte do agravamento da Dívida Pública é dívida externa. Este excesso de endividamento foi utilizado para financiar investimentos que, no essencial, não proporcionam receitas em divisas. Mas a dívida externa que José Maria Neves fez explodir nos seus últimos 7 anos como chefe do Governo, tem de ser paga em divisas. E os contribuintes cabo-verdianos já começaram a sentir o peso desse endividamento insensato, bastando para o efeito dar uma vista de olhos ao serviço da Dívida Pública no orçamento do Estado.
A Dívida Pública Externa é a principal parcela da Dívida Pública Total, e determina a sua tendência. A análise da Divida Pública Externa que se apresenta no gráfico a seguir, baseado em publicação do Banco de Cabo Verde (compilação de Boletins de Estatísticas 1980-2015), mostra a evolução da Divida Pública Externa de Cabo Verde desde 1980, em percentagem do PIB.
Fonte: BCV, compilação Boletins de Estatísticas 1980 a 2015
O paralelismo com o gráfico anterior é evidente. Em 2015, a dívida externa representava 95% do PIB, contra 39 % em 2008, ou seja, um aumento de 56 pontos percentuais que corresponde a um agravamento de 146%, em 7 anos.
Em valores absolutos, a divida externa triplicou no mesmo período, passando de 52 milhões de contos em 2008 para 151 milhões de contos em 2015, mais 99 milhões de contos em 7 anos, como se pode ver no gráfico seguinte, baseado na mesma fonte.
Fonte: BCV, compilação Boletins de Estatísticas 1980 a 2015
No mesmo período, a economia real (PIB em valores constantes) cresceu globalmente apenas 7,8%. (Fonte: FMI, World Economic Outlook, outubro 2021), passando de 130 milhões de contos em 2008 para 140 milhões em 2015, em valores constantes, mais 10 milhões de contos do que em 2008.
Fontes: FMI, World Economic Outlook, outubro 2021; BCV, compilação Boletins de Estatísticas 1980 a 2015
A Dívida Pública aumentou 159%entre 2008 e 2015, os últimos 7 anos de José Maria Neves como primeiro-ministro, a Dívida Pública Externa aumentou 190% e, no mesmo período, a economia real cresceu 7,8%. É só fazer as contas!
José Maria Neves é o principal responsável pela crise da Dívida Pública, por ter deixado o país, no fim do seu mandatado, com uma Dívida Pública de 127% do PIB, uma das maiores do mundo.
Com esse histórico, com esse currículo de recordista do endividamento do país, como se pode acreditar na seriedade da preocupação de José Maria Neves com a actual crise da dívida pública?
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1049 de 5 de Janeiro de 2021.