“Um Homem, um Voto” - este foi o conceito introduzido pelos gregos de Atenas, que deu origem à Democracia. Apesar disso, a Democracia Grega não eliminou muitas das discriminações existentes na época, como a escravidão e a desigualdade de género. A evolução rumo à igualdade demorou mais de 15 séculos, até a Magna Carta ser assinada em 1215 como um primeiro passo na igualdade entre os homens e na criação de uma constituição moderna.
A Magna Carta estabeleceu princípios fundamentais, como a igualdade perante a lei e a proteção contra impostos excessivos. Também deu às viúvas o direito de possuir terras sem a necessidade de se casarem novamente, contribuindo assim para a igualdade de género nas leis. A Europa do século XIII ainda era dominada por monarquias absolutistas, mas em 1787 nasceu a mais antiga constituição em uso atualmente, que serviu de inspiração para todo o mundo ocidental.
Antes da Revolução Francesa, os americanos redigiram um documento que mudou o mundo, estabelecendo conquistas e liberdades que perduram até hoje. A Constituição dos Estados Unidos influenciou a criação de outras constituições ao redor do mundo, garantindo direitos como liberdade de expressão, liberdade religiosa e proteção da vida, liberdade e propriedade.
Com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão durante a Revolução Francesa em 1789, o mundo deu um passo definitivo em direção à igualdade perante a lei. Apesar do caminho não estar concluído, a Constituição é vista como garantia de que a igualdade será alcançada. Ao longo da história, as constituições têm sido fundamentais na luta pela igualdade e pelos direitos humanos, representando um marco na evolução política das sociedades.
O 32º aniversário da Constituição de 1992 e as suas conquistas
Cabo Verde tem, na sua história, conquistas de liberdade e de valores que refletem o melhor das suas gentes. Séculos de evolução de um povo que não terminou com a sua independência, mas apenas na Liberdade e Democracia. Este caminho só foi alcançado a 25 de setembro de 1992 quando – após mais de quinze anos de ditadura do partido único, PAICV – se institucionalizou a II República, garantindo aos cabo-verdianos passar a viver em Liberdade e Democracia na sua própria terra independente.
Os princípios, conquistas e valores em que a nossa matriz constitucional se funda fazem hoje consenso em Cabo Verde. Permitam-me destacar algumas das conquistas mais importantes da nossa Constituição:
O fim de toda a sociedade organizada é o desenvolvimento equilibrado da personalidade de cada ser humano, titular – pela sua dignidade humana – de direitos, de direitos absolutos, invioláveis e inalienáveis que devem sobrepor-se e impor-se aos poderes públicos, os quais se encontram limitados por tais direitos, e cujo pleno exercício esses poderes devem promover e garantir; Não pode haver sociedade livre sem que cada um dos seus integrantes o não seja, devendo os poderes públicos garantir as condições para que todos e cada um dos indivíduos exercitem a sua liberdade, no respeito pela liberdade dos outros; A todos os indivíduos que compõem a sociedade deve ser garantida a igualdade de direitos e deveres fundamentais e a igualdade de oportunidades no acesso a bens materiais e espirituais necessários ao desenvolvimento da sua personalidade; A todos os indivíduos deve ser garantido o direito de acesso à justiça para obter em prazo razoável a tutela dos seus direitos e interesses legítimos, garantindo-se a independência dos tribunais e um processo equitativo; Os poderes públicos – que emanam da soberania popular e devem ser democraticamente legitimados – são limitados ou mesmo vergados pelo Direito e, em primeira linha, por uma Constituição que contenha o catálogo dos direitos individuais fundamentais e mecanismos para a garantia do seu exercício, que defina as tarefas das instituições públicas e que organize o exercício do poder na base da separação e interdependência de poderes; Deve ser assegurado o pluralismo de pensamento, de expressão e de organização política, propiciando um ambiente de tolerância, de abertura, de sã concorrência e de respeito pelo direito à diferença; Matérias há, de interesse geral e comum, assinaladas nas leis com exigência de maiorias qualificadas, para as quais deve ser procurado o máximo consenso possível entre as diversas e legitimas posições sociais e políticas; Deve ser assegurada a autonomia de organização, de iniciativa e de expressão da sociedade civil; No contexto arquipelágico o poder deve ser ampla e profundamente descentralizado e participado, sem prejuízo da unidade do Estado e da eficácia da Administração; Devem ser criadas condições materiais e outras para que todo o indivíduo viva com dignidade, adotando-se medidas de luta pelo emprego, pela habitação condigna, pela educação e pela promoção e defesa da saúde, contra a degradação do ambiente e pela qualidade de vida; O objectivo deve ser uma sociedade em que o indivíduo não seja votado ao abandono, entregue a si mesmo, mas não dependa também exclusivamente da assistência pública, devendo para isso o Estado promover e animar o estabelecimento e o funcionamento eficiente de um sistema participado e solidário de segurança social; O desenvolvimento não se concretiza pelo mero crescimento económico, embora este seja seu elemento indispensável, mas sim através da melhoria generalizada da qualidade de vida, medida através de padrões pré-definidos de justiça, de saúde, de educação, de cultura física e intelectual, de trabalho e de lazer; Todas as gerações devem beneficiar dos resultados económicos do seu próprio esforço e ser, ao mesmo tempo, solidárias com as gerações seguintes, legando-lhes o património herdado das gerações anteriores, acrescido; A actividade económica pública direta justifica-se no que seja social e estrategicamente indispensável, devendo o Estado assumir fundamentalmente um papel regulador e facilitador da actividade económica privada, quer através de mecanismos de mercado, quer pelo planeamento estratégico descentralizado e participado; O ambiente deve ser preservado e protegido pelos cidadãos e pelos poderes públicos pois ao desenvolvimento é indispensável um ecossistema equilibrado; Os poderes públicos devem estar em permanente diálogo e concertação com as comunidades, os operadores económicos, e as forças representativas da sociedade, numa postura política, fomento e incitação da participação dos cidadãos.Pode parecer uma lista extensa, mas resume-se facilmente em três palavras que não podem ser negociadas em nenhum momento da nossa futura História enquanto Nação: Liberdade, Igualdade e Democracia.
O que falta à Constituição para dar corpo a uma Visão de Futuro
Desde a sua aprovação tais princípios e valores, os direitos, liberdades e garantias que confere e sistema de poderes e a organização e funcionamento dos órgãos de soberania (o chamado sistema de governo de parlamentarismo mitigado) estabelecidos na Constituição, permitiram ao país viver em ambiente de estabilidade, vivenciar a alternância democrática no poder (como se pede a qualquer sistema de governo democrático) em conformidade com as escolhas que o povo cabo-verdiano foi fazendo regularmente através de eleições democráticas locais, legislativas e presidenciais, evoluir clara e positivamente nos planos económico e social e ganhar reconhecimento e notoriedade internacional.
A Constituição original sofreu uma revisão extraordinária em 1995 e duas revisões ordinárias em 1999 e 2010.
Significa isso que está tudo bem com a nossa Constituição? Que ela é perfeita e não precisa de nova revisão? Que ela tem sido cumprida integralmente por todos os que tem o dever de a cumprir e fazer cumprir? Que ela é percebida e apropriada pelo conjunto da nação cabo-verdiana?
Estas são questões sobre as quais me pronunciarei num próximo artigo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1192 de 2 de Outubro de 2024.
Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. ou partilhe este artigo.