Democracia, liberdade de expressão, ética e espaço público

PorClemente Garcia,10 fev 2025 8:11

Comemorou-se no passado 13 de janeiro de 2025, o Dia da Liberdade e da Democracia. Efeméride memorável para todos os cabo-verdianos, porquanto, ela marca uma rutura com o ancien régime, velho e caduco, iniciando um novo arquétipo de governação em que o povo cabo-verdiano passou a respirar livremente, e fez uma opção por um projeto de liberdade de expressão e de imprensa, liberdade de associação e manifestação, bem como liberdade sindical e o direito à greve, de democracia, de Estado de Direito e de respeito pelos direitos humanos.

Com este pano de fundo, importa dizer claramente que a liberdade de expressão constitui, inequivocamente, uma vitória importante do povo cabo-verdiano na batalha que travou contra as restrições antigas, contra o status quo instalado, trazendo para a esfera pública, um vasto catálogo de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, pois ela é primordial na arquitetura constitucional do Estado de Direito democrático. Todavia, ela não se deve confundir com a liberdade de insultar.

Assim, decorridos 34 anos da instauração do regime democrático no país, é chegado o momento de darmos um upgrade na nossa imprensa, particularmente, na rádio e televisão públicas, inspirando em muitas imprensas livres das diversas democracias consolidadas no mundo.

Neste termo, é incompreensível nos dias que correm, que se continue a convidar, de forma sistemática e reiterada, para o espaço público, uma pessoa a solo, a não ser que seja uma personalidade de reconhecida idoneidade moral e que dá garantias éticas, como acontece noutras paragens, para analisar/comentar, por exemplo, a entrevista do Presidente da República, do Presidente da Assembleia Nacional, do Primeiro-ministro ou qualquer outra figura de primeiro plano na senda política nacional.

Já agora, por que não pensar na elaboração de um código deontológico para os analistas/comentadores residentes do órgão público de informação?

Salvo opinião contrária, convidar uma única pessoa para analisar e comentar uma entrevista de natureza política, empobrece a democracia como forma de governo que cultiva a discordância, protege a diversidade e a heterogeneidade, pois que o espaço público exige sempre uma pluralidade de players, com leituras diversas, mormente numa sociedade pequena como a nossa, em que todos se conhecem, sabe-se do posicionamento de cada um, o que se escreve nas redes sociais e não só, o partido em que se simpatiza, etc., porque quem alardeia que é independente está a defender subtilmente algum lado. Nas palavras do Prof. Silveira de Brito (2006,19), “se o agir humano fosse neutro, não haveria problema moral”. Reflitamos sobre isso!

Por isso, é recomendável em nome da higiene democrática, da transparência, da ética republicana, convidar sempre duas ou três pessoas com sensibilidades diferentes para analisar os factos da vida quotidiana. Agindo assim, todos ganham! O debate fica enriquecido e os radiouvintes ou telespetadores ficam mais bem informados/esclarecidos e cada um formará a sua opinião de acordo com a sua convicção.

Este posicionamento não inibirá ninguém de fazer a sua crítica, aliás, a crítica é sal e pimenta em democracia e é aconselhável que seja assim, pois, um jornalista que se preze, tem de ter gravitas, tem de ser honesto e imparcial no desempenho das suas funções, porquanto o profissionalismo é um código ético. Isto é válido para todas as profissões!

Com estes considerandos, convém dizer que muito dificilmente teríamos bons níveis educativos se não houvesse bons mestres, bons professores e bons educadores. Do mesmo modo, uma sociedade bem informada necessita de bons políticos para ser bem governada, mas igualmente de bons cientistas sociais, de bons jornalistas, etc.

Não é por acaso que o jornalismo e os meios de comunicação são considerados, numa democracia, o «quarto poder»; é porque tais mecanismos existem para promover a reflexão crítica e a responsabilização dos governantes, informando os cidadãos, produzindo investigação e trabalhando a favor do interesse público.

A imprensa é uma peça fundamental, é a ponte que liga as pessoas – os eleitores aos seus representantes em períodos não eleitorais. Neste sentido, o modelo liberal do ocidente, se usado com sabedoria, pode ajudar à sobrevivência da democracia.

Aqui chegado, importa perguntar: qual o lugar das virtudes na vida profissional? Como dizia Aristóteles, não refletimos para averiguar teoricamente o que é a virtude, mas para nos tornar virtuosos e, recorrendo aos ensinamentos do Prof. Silveira de Brito, para ser boa pessoa ou bom cidadão, é preciso também ser um bom trabalhador e, quando o trabalho que se exerce está regulamentado, é preciso também ser bom profissional (competente) e um profissional bom (ético).

Portanto, a ética profissional vê a profissão na perspetiva de consciência e de benefícios: então, cabe perguntar: o que é ser um bom profissional? Em que consiste exercer bem uma profissão? A ética dos profissionais tem algo de ética estamental, na qual existe uma certa correlação entre a posição privilegiada do profissional e os deveres que lhe impõem seu estamento (noblesse oblige). Procedendo assim, estaríamos a dar um grande passo rumo à consolidação da nossa imprensa, para que ela seja cada vez mais livre.

Ademais, é bom que se saiba que em democracia nenhuma categoria profissional está acima da lei e da crítica e todos devem ser escrutinados escrupulosamente.

Mais do que isso: se se pretender fazer política e ser um político profissional no sentido weberiano do termo é mais avisado filiar-se num determinado partido político e fazer desta uma profissão.

No espaço público, temos regras a cumprir, sob pena de prestarmos um mau serviço aos cidadãos que pagam imposto. Neste quesito, importa reportar o artigo 60º da CRCV, sob epígrafe – Liberdade de Imprensa, no seu nº 4, estatui o seguinte: “Nos meios de comunicação social do setor público é assegurada a expressão e o confronto de ideias das diversas correntes de opinião”. Daí concordar com a máxima que diz: “A democracia é um governo por discussão porque é um governo por opinião” (Urbinati 2014, 31). Aqui reside a singularidade axiológica da liberdade de expressão, pois, trata-se de um bem público.

Revisitando o meu canhenho e seguindo os ensinamentos de Paul Ricoeur, a primeira conquista das democracias é a constituição de um espaço público de discussão, onde confrontam-se correntes de opiniões mais ou menos organizadas em partido. A grande questão que se levanta aqui é saber por que razão não se convidam representantes de partidos políticos com assento parlamentar para participar no referido espaço? Já gora, coincidência ou não, mas convidam-se sempre as mesmas pessoas para o programa! Por que razão? Não é chegado o momento de se estabelecer um contrato de prestação de serviço com pessoas abalizadas para estarem no espaço público?

Com este entendimento, estaríamos a dar um grande passo rumo à consolidação da nossa democracia e, consequentemente, teríamos uma imprensa cada vez mais livre, razão pela qual, a democracia requer cuidados, proteção e virtudes cívicas.

Em síntese, o melhor serviço que uma categoria profissional pode prestar à sociedade está no exercício da profissão com competência, diligência, responsabilidade social, um alto senso social, acima do corporativismo que defende primeiramente os interesses da categoria profissional.

Caro leitor ou leitora, reflitamos sobre este assunto.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1210 de 5 de Fevereiro de 2025. 

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Autoria:Clemente Garcia,10 fev 2025 8:11

Editado porAndre Amaral  em  10 fev 2025 22:20

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