O papel dos partidos na crise de confiança na democracia

PorA Direcção,17 jan 2025 8:50

Por altura da celebração do 34º aniversário do 13 de Janeiro convém relembrar o que o cientista político Jorge Carlos Espada quis dizer ao afirmar que “a democracia é obra comum de partidos rivais, sob a autoridade comum de regras gerais e iguais para todos”. E também ter em atenção ao alerta de outro cientista político, Robert Dahl, de que “as perspectivas de uma democracia estável num país melhoram se os seus cidadãos e líderes apoiarem fortemente as ideias, os valores e as práticas democráticas”.

Assim é porque as comemorações do Dia da Liberdade e da Democracia serviram fundamentalmente para lamúrias dos partidos e órgãos de soberania sobre o actual estado da democracia sem que fossem acompanhadas de qualquer assunção de responsabilidades.

Os apelos proferidos para inverter a perda de confiança nas instituições perdem-se no ar porque são dirigidos fundamentalmente a quem os faz. E a realidade é que são os próprios actores políticos que, ao não cumprirem rigorosamente as regras e ao não se mostrarem defensores a todo o tempo das ideias, valores e práticas democráticas, fragilizam a democracia, alimentam a abstenção e minam a confiança dos cidadãos.

Mesmo a porem-se na posição de lamentar o estado da democracia, percebe-se que não há qualquer intenção de mudar a actuação política seguida até ao momento. Pelo contrário, usa-se a insatisfação das pessoas revelada em sondagens para evidenciar insuficiências da democracia e pôr em causa a capacidade do regime democrático em satisfazer as aspirações das pessoas em ter uma vida feliz e próspera.

Na verdade, se se nota perda de confiança nas instituições não é porque há descrença na democracia, mas provavelmente porque os actores políticos fogem às regras de funcionamento democrático, umas vezes omitindo-se no exercício das suas competências e outras vezes ultrapassando-as. Criam tensões desnecessárias no sistema nas duas circunstâncias e passa-se a impressão com essa postura que a democracia não é obra comum e que qualquer fragilidade pode ser sempre imputada ao adversário político.

Pelas mesmas razões sentem-se livres para perfilhar princípios e valores em conflito directo com os existentes na Constituição sem preocupação com a tribalização da política. O sectarismo tribal que daí resulta impede que as questões e os desafios presentes e futuros do país sejam discutidos construtivamente e, parafraseando Alexis de Tocqueville, cria-se um ambiente político caracterizado pela perpétua oscilação entre o Antigo Regime e a Democracia. De seguida, hipocritamente, lamenta-se que as pessoas estão desesperançadas e procuram emigrar.

De facto, a democracia enquanto possibilidade de expressão livre e plural da voz soberana do povo está de boa saúde no seu essencial como se viu no passado dia 1 de Dezembro nas eleições autárquicas. Não obstante alguns ruídos, tudo funcionou. Verificou-se alternância política em vários municípios e a posterior transferência de poder correu sem sobressaltos. A abstenção registada deve-se em grande medida à incapacidade dos partidos de mobilizar os cidadãos ou de lhes oferecer políticas alternativas à altura dos desafios dos seus municípios ou do país.

Realmente quem parece estar em falta nesta democracia são os partidos que evitam cumprir as regras do jogo democrático, não assumem a sua responsabilidade pela qualidade da democracia, virados como estão para a manutenção ou conquista do poder, e mostram-se incapazes de apresentar propostas credíveis na actual conjuntura particularmente desafiante do país e do mundo. Neste 13 de Janeiro os olhos de todos devem estar voltados para a situação real existente nos partidos.

O MpD, o partido no governo, levou quase um mês e meio depois da derrota nas autárquicas para tomar uma posição quanto à orientação a seguir nos cerca de 14 meses que restam da legislatura. Da reunião da Direcção Nacional veio a mensagem de possíveis ajustes no partido e no governo, de se ter optado pela não mobilização dos militantes e simpatizantes no âmbito de uma convenção extraordinária, e de total apoio, por ovação e aclamação, da recandidatura do actual líder.

Parece pouco importante para o partido no seu todo discutir como desvanecer a imagem de derrotado antecipado que, entrementes, por inacção, tem deixado cimentar. Não parece querer compreender as razões por que é penalizado nas eleições com a economia a crescer à volta dos 5% do PIB e projecção de crescimento no mesmo nível para os próximos anos. Não quer se esforçar por saber porque, em certos casos algum segmento do eleitorado prefere candidatos provadamente incompetentes e ignora os resultados positivos da governação.

Quanto ao PAICV, o partido que saiu vencedor nas eleições autárquicas, a impressão é que tudo se acelerou. Em menos de um mês o líder auto excluiu-se de futuras candidaturas. Em seu lugar projecta-se para a pole position na corrida para presidente do partido um newcomer, lançado pela vitória nas eleições para a Câmara da Praia (CMP), cuja notoriedade veio anteriormente de disputas com a sua própria maioria na CMP e com os outros órgãos municipais e também do discurso marcadamente populista e anti-elitista. Pelas suas características, parece configurar uma tentativa de captura do partido por outsiders, a exemplo do que se passou noutras paragens.

Também numa veia populista já se procura desqualificar a democracia e a actual dinâmica económica com base em percepções captadas por sondagens, que evidenciam falta de confiança e vontade de emigrar, particularmente entre os jovens. Põe-se foco nas desigualdades quando a questão é como aumentar a produtividade e a competitividade da economia para produzir riqueza e depois poder distribuir. Não se dá a devida atenção à criação de uma ordem económica, que use de forma eficiente os recursos existentes, em particular, os do capital humano, obrigando os jovens a ir procurá-la na Europa e na América. Nem se tem a preocupação de apresentar propostas novas de políticas para enfrentar os desafios à governação do país de forma a não se correr o risco de chegar ao fim do mandato com a economia a crescer como das outras vezes: a 0,7% em 1990 e 0,9% em 2015.

É evidente que são os partidos a falhar no papel que deles se espera no sistema democrático ao se centrarem na conquista e manutenção do poder em detrimento do dever de servir a colectividade nacional no debate de ideias e na implementação de políticas com competência, seguindo o interesse geral. A descredibilização da democracia vem daí, assim como o novo ânimo de forças sempre presentes que procuram explorar todas as oportunidades para exprimir o seu ressentimento anti-democrático contra a liberdade e o Estado de direito democrático, que fez dos cabo-verdianos cidadãos livres e iguais.

Para ultrapassar a actual situação é fundamental exigir aos partidos políticos que cumpram as regras do jogo democrático e que valorizem os princípios e valores da democracia. Também é fundamental que saibam criar sinergias com a sociedade de forma a aumentar a participação política dos cidadãos e a sintonizarem-se com os reais problemas do país evitando assim que se transformem numa clique dependente das benesses do poder. A celebração anual do 13 de Janeiro é uma oportunidade perfeita para se renovar sobre todos os actores políticos a pressão pelo cumprimento dos ideais da Liberdade e da Democracia, que tão profundamente ressoaram no coração do povo nesse dia mágico. 

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1207 de 15 de Janeiro de 2025.

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Autoria:A Direcção,17 jan 2025 8:50

Editado porAndre Amaral  em  17 jan 2025 17:20

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