Melhorar a qualidade do ensino, a prioridade das prioridades

PorA Direcção,19 set 2025 8:27

Nesta segunda semana do mês de Setembro arrancou o ano lectivo de 2025/2026 com pronunciamentos muito focados na qualidade do ensino. O ministro da educação anunciou para o ano de 2026 o exercício PISA para avaliar como os alunos cabo-verdianos se comparam com os dos países desenvolvidos nas áreas de leitura, matemática e ciências.

Com a mesma preocupação com a qualidade acrescentou que se vai avançar com o barómetro nacional das escolas para avaliar o desempenho das escolas nos diferentes concelhos e relembrou que a educação “constitui igualmente um compromisso colectivo”. Por sua vez, o presidente da república veio chamar à atenção para os desafios dos tempos modernos que impõem uma” arrojada aposta na sofisticação, na excelência e na eficiência”, de todo o sistema educativo.

Para um país com as características de Cabo Verde em termos territoriais, de população e de localização, a aposta forte na qualificação do seu capital humano a partir do momento em que se tornou independente devia ter sido a prioridade das prioridades. O facto de só neste ano se estar a criar condições para se avaliar a qualidade do ensino em termos comparados, internacionalmente e nos diferentes pontos do país, diz o quanto foi posta em segundo plano em relação aos outros objectivos, designadamente de massificação do ensino. Depois do que aconteceu com o ensino básico e secundário em que se descurou a qualidade, a mais recente demonstração dessa opção é o que se assistiu no ensino universitário. Em menos de dez anos já contava com cerca de uma dezena de universidades. É evidente que com tal proliferação de estabelecimentos num país de 550 mil habitantes não se vai ter a “sofisticação e a excelência” que desde de há muito os tempos modernos estavam a pedir.

O ministro da educação ao apelar para um compromisso colectivo com uma educação de qualidade está a mostrar a importância do envolvimento de todos ( sociedade, famílias, professores e alunos), para além da responsabilidade do Estado na disponibilização de meios como escolas, manuais e professores, em torná-la uma realidade. De facto, sem uma sociedade comprometida com o conhecimento e com a busca da verdade e empenhada no desenvolvimento da ciência e tecnologia não há investimento em meios físicos e humanos que resulte em qualidade do ensino.

Professores e alunos não vão interessar-se suficientemente se o ambiente é adverso à procura de excelência nos domínios do conhecimento e não é meritocrático porque as carreiras submetem-se a outros critérios que não os de excelência. A própria escola não consegue propiciar um ensino eficaz se a profissão de professor não goza de suficiente reconhecimento social e não transmite a autoridade que permite captar a atenção e o interesse do aluno e manter ordeira uma sala de aula. No fim do dia, as famílias acabam por se resignar com os diplomas que os filhos trazem na expectativa que o acesso ao emprego siga outras lógicas.

Por outro lado, o país no seu todo pode até vir destacar-se em número de alfabetizados, de pessoas com ensino básico e secundário completo e de licenciados e doutorados, mas terá insuficiências em termos de pensamento crítico não estando firmemente comprometido com o conhecimento e com a verdade. Pior ainda, se o livre pensamento for tolhido por narrativas ideológicas, tendencialmente exclusivas e conflituantes com os princípios constitucionais, impostas por órgãos estatais. E a verdade é que com deficiente capacidade de análise objectiva e de questionamento e fundamentação das ideias fica difícil promover na sociedade a criatividade e a inovação e uma cidadania crítica e participativa.

É interessante notar nas biografias de muitos professores no novo livro da doutora Adriana Carvalho sobre 31 personalidades da educação do século XX a extraordinária dedicação ao ensino, o respeito e a amizade dos alunos e o reconhecimento de que gozavam junto das pessoas. Mesmo pobre, analfabeta ou pouco escolarizada, a sociedade mostrava valorizar o conhecimento e os seus agentes. Em tal ambiente vários professores desdobraram-se em intervenções diversas de carácter cultural, literária, jornalística e a favor de causas cívicas, em particular nos anos anteriores à independência. Mesmo no quadro político autocrático do Estado Novo de Salazar pareciam agir como livres pensadores, criando revistas, escrevendo poesia, contos e romances, publicando artigos e participando em saraus e outros eventos culturais.

Quebrou-se esse comprometimento com o conhecimento quando com a independência e a ditadura do partido único se associou a ideologia à educação. Ao condicionar a iniciativa privada e ao fechar o país ao investimento directo estrangeiro e ao turismo, o regime mostrou que a massificação do ensino não tinha como principal objectivo o desenvolvimento do capital humano, na perspectiva do aproveitamento das oportunidades que o mundo oferecia. A prioridade era a construção do “homem novo” como suporte do regime num quadro do pensamento único e da unicidade do poder. A expansão para o ensino secundário só viria a verificar-se nos anos noventa, a acompanhar a abertura económica e a dinamização da indústria e dos serviços e com impacto directo na produtividade e competitividade do país.

Infelizmente, não obstante os avanços verificados na educação nos anos posteriores, a qualidade do ensino continuou a não ser a prioridade principal. Aparentemente a sociedade democrática do pós-13 de Janeiro não recuperou o comprometimento com o conhecimento de outrora nem adoptou completamente os critérios meritocráticos de valorização da excelência. Em consequência, não se resgatou a figura do professor, continuaram as tentativas de os instrumentalizar politicamente e das escolas, dos liceus e posteriormente das universidades não se se sentiu o impacto cultural, intelectual, cívico e político que seria de esperar numa democracia jovem e vibrante. Muito menos se assistiu à corrida para o top dos rankings na qualidade do ensino verificada em países como a Estónia, um pequeno país que só no início dos anos noventa se libertou dos comunistas.

Nos últimos anos vem-se assistindo a mais uma incursão ideológica nas escolas através da introdução do crioulo como língua do sistema de ensino. Mais uma vez, ao invés de se focar a atenção da sociedade no objectivo prioritário da melhoria da qualidade de ensino optou-se pela introdução de guerras culturais e identitárias. Para além das divisões provocadas, retomando os epítetos de lusotropicalistas ou macaronésios para os críticos do ALUPEC, criou-se um ambiente de hostilidade contra a língua portuguesa que só podia ser prejudicial para os alunos em geral, considerando que é a língua oficial do sistema de ensino. Para os promotores e activistas parecia não interessar os estragos que podiam causar.

Quando o governo cedeu às investidas e abriu experimentalmente um curso da língua cabo-verdiana com um manual dedicado, não se resistiu à tentação de apresentar um facto consumado de uma língua cabo-verdiana padronizada que talvez com pequenos ajustes poderia ser adoptada para todo o sistema de ensino. Revelou-se um passo longe demais que tornou anteriores correligionários em inimigos declarados da chamada língua pandialectal, agora considerada um subterfúgio contra a variedade linguística de Santiago. A pedido, o Ministério Público emitiu um parecer, que provavelmente terá relembrado que é do parlamento a competência para estabelecer a ortografia de línguas oficiais, e na sequência, ontem, dia 16 de Setembro, o ministério de educação suspendeu o manual e a disciplina de língua cabo-verdiana.

Infelizmente, não vai ser desta que toda a atenção vai se focar na melhoria da qualidade do ensino sem as distrações ideológicas de costume. O presidente da república na sua comunicação no início do ano lectivo já veio dizer que a língua cabo-verdiana é a “ferramenta que já mostrou ser tão necessária para o sucesso das outras disciplinas” e que o seu ensino é de “supra relevância para o sistema educativo e para o futuro do país”. Caso para concluir uma vez mais que, para certas causas, a luta continua, sem olhar os estragos feitos à vista de todos. 

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1242 de 17 de Setembro de 2025.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:A Direcção,19 set 2025 8:27

Editado porAndre Amaral  em  20 set 2025 8:19

pub.
pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.