De Jovem para Jovem: não à discriminação

PorChissana Magalhães,5 mai 2019 6:17

Na Cidade da Praia um grupo de jovens está a trabalhar a educação de pares com foco em temas como a identidade, os relacionamentos e a discriminação. A Câmara Municipal da Praia, através do seu Pelouro de Acção Social, é uma das nove parceiras do projecto internacional Recognize & Change, que quer a participação dos jovens na luta contra todas as formas de discriminação, particularmente as relacionadas às diferenças culturais, migratórias e de género.

Num dia de aulas, chegam à escola secundária Cónego Jacinto um pequeno grupo de jovens. Dirigem-se a uma turma e durante o tempo da aula falam aos alunos, pouco mais novos do que eles, sobre diversidade cultural, sobre aceitação da diferença ou o que caracteriza um relacionamento saudável. Em outro dia, um outro grupo realiza no bairro de Alto da Glória uma campanha de limpeza. Jovens locais participam e durante a actividade passam mensagens sobre protecção do meio ambiente, mas também acerca da gestão de conflitos ou a não discriminação, são partilhadas.

Assim tem sido desde que o grupo de 12 jovens seleccionados pelo projecto Recognize and Change (Reconhecer e Mudar Praia) receberam formação para multiplicadores e iniciaram actividades no terreno.

O projecto é financiado pela Comissão Europeia (DG EuropeAid) e está presente em oito outros países – Brasil, Bulgária, Portugal, Espanha, França, Grécia, Itália e Roménia – através de 15 parceiros, e propõe um modelo de formação inovador que alia o aprendizado bi-direccionado e a comunicação, o saber ao ser e a criatividade ao pensar.

“Trata-se de um projecto internacional com o objectivo exclusivo de incrementar a consciencialização e a participação dos jovens contra todas as formas de discriminação, particularmente as relacionadas às diferenças culturais, migratórias e de género. Igualmente, procura incentivar a participação activa dos jovens, através da formação e de campanhas de sensibilização, na divulgação de uma cultura inclusiva. Além da promoção do intercâmbio dos jovens educadores nos países parceiros e a participação no seminário internacional, que acontece anualmente”.

A expectativa é de que ao final do projecto pelo menos 150 educadores de pares tenham sido formados nos nove países e 1,5 milhão de pessoas tenham sido impactadas pela campanha de conscientização contra a discriminação e a violência, através de plataformas multimídia interactivas, do Facebook e outras redes sociais, de performances e divulgação nos canais de comunicação institucional e eventos organizados pelos parceiros em cada país.

Jairsa Nascimento do Rosário, técnica do pelouro de Acção Social da Câmara Municipal da Praia e coordenadora do Projecto iniciado em 2017, explica que na Praia o programa está a ser financiado em quatro mil contos e contemplou, na fase inicial, 12 jovens que cumpriram com os requisitos de terem reconhecido interesse no voluntariado, terem entre 19 e 26 anos, e não estarem no momento empregados.

O passo inicial foi proporcionar a estes jovens uma intensa formação para que se tornassem multiplicadores de conhecimento e iniciar campanhas de sensibilização.

Ao longo deste primeiro ano o projecto centrou as suas acções em sete liceus da capital: Achada Grande, Miraflores, Abílio Duarte, Cesaltina Ramos, Pedro Gomes, Infância Feliz e Cónego Jacinto.

“No início, houve alguma dificuldade em penetrar já que o projecto era desconhecido. Hoje a aceitação é total, os professores gostam muito do projecto, os alunos, as turmas estão a aderir e a aceitação e participação é grande”, frisa Jairsa do Rosário.

Os estudantes, os jovens, são o público-alvo privilegiado pelo projecto, na matriz, mas também a escola de modo geral, os pais, as associações e ainda investigadores e decisores políticos. O foco é na participação activa, no entendimento seguido de acção. A crença numa cultura inclusiva e de não discriminação transparece nas acções promovidas, bem como na diversidade de identidades e no reconhecimento do outro. O propósito é fazer crescer a consciência e o entendimento crítico das múltiplas formas de violência e discriminação.

Tendo em conta os objectivos do projecto, a coordenadora do mesmo diz que têm conseguido influenciar os jovens que, a partir daí, se “têm transformado também em multiplicadores das mensagens do projecto”. E exemplifica com a iniciativa de uma das turmas beneficiadas de realizar uma palestra sobre discriminação para outra turma da mesma escola. Um outro grupo efectuou uma campanha de limpeza e sensibilização ambiental num dos bairros da cidade.

Rafael Cardoso é um dos jovens multiplicadores integrantes do Reconhecer e Mudar Praia, tendo chegado ao projecto levado por um colega. O voluntariado é algo a que já se dedicava, sobretudo emprestando as suas habilidades na fotografia a projectos comunitários que delas precisassem.

“Sempre pensamos que já estamos bem preparados, que já sabemos muito, mas afinal há sempre mais para saber. Durante a formação falamos com um psicólogo, com um fotógrafo, com um empreendedor… E dei-me conta do muito que podia ainda aprender” conta-nos.

Discriminação: 90%

Para o jovem educador a experiência tem sido marcante, mostrando-se impressionado com a boa recepção e o interesse que tem recebido dos estudantes das escolas secundárias visitadas. Numa visita a um liceu a conversa aberta estava programada para acontecer em três turmas mas o interesse de outras turmas foi tão grande que tiveram que ampliar o leque de actividades. Em outros casos, estudantes de outras turmas vinham espreitar pela janela a conversa que ocorria numa classe.

Rafael Cardoso analisa essa abertura dos jovens ao facto de as palestras serem entre pares. “Alguns não se sentem à vontade com os professores, com adultos, a nós, nos fizeram muitas perguntas e falaram das suas experiências”.

As mensagens durante estes encontros são sobre a diversidade, sobre discriminação, aceitação das diferenças e relacionamento saudável e gestão de conflitos.

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“A campanha de discrimi­nação permitiu apurar que 90% dos jovens já foram alvo ou já praticaram discriminação”, informa Jairsa do Rosário. A coordenadora afirma que o projecto tem permitido “uma auto-reflexão para a mudança de comportamentos. Deixamos sempre propostas de valores que valem a pena cultivar”.

Uma outra componente desta iniciativa é o intercâmbio internacional. Os jovens multiplicadores têm ido a Portugal, Brasil e Espanha, sendo que dos dois primeiros países já vieram também cinco jovens.

Em Espanha decorreu, em Outubro do ano passado, a conferência anual dos países que acolhem o projecto. Ali, a representar Cabo Verde, esteve o pesquisador Paulino do Canto que apresentou os resultados de um levantamento por ele efectuado sobre políticas, projectos e outras iniciativas na área das políticas para Igualdade e Equidade de Género.

As capacitações a nível nacional de líderes comunitários em Igualdade de Género e VBG; a criação de uma proposta de Lei da Paridade; a criação da Rede Sol, centro de acolhimento de vítimas de VBG; a divulgação na televisão pública de um programa sobre Igualdade e Equidade de Género pelo ICIEG; a criação do Centro de Investigação em Género e Família pela Universidade Pública e o programa social Anjos da Noite, da Câmara Municipal da Praia estão entre as várias iniciativas elencadas pelo pesquisador.

A nível interno, anual­mente o projecto efectua um balanço das actividades desenvolvidas e um balanço financeiro. Para o futuro está programado um concurso de vídeos sobre discriminação, identidade e relacionamentos com prémios individuais e para turmas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 909 de 01 de Maio de 2019.

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Autoria:Chissana Magalhães,5 mai 2019 6:17

Editado porSara Almeida  em  1 fev 2020 23:21

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