Este ano lectivo arranca manco, deixando para trás a Praia (o principal foco da doença) e também, pelo menos até melhorias consolidadas da situação epidemiológica, os intervalos e momentos de contacto social que marcam a vida lectiva. Os sorrisos estarão essencialmente escondidos por máscaras e os trabalhos de grupo (que obriguem a um contacto presencial), durante anos promovidos e incentivados, agora evitados.
O ano começa então, mas de forma semi-presencial, em aulas encurtadas no espaço escola e complementadas fora dela, seja através de fichas fornecidas pelos professores, seja através de aulas transmitidas na televisão e internet.
Mas há algumas diferenças atendendo à realidade de cada município ou escola.
Três dias ou duas horas?
O Ministério da Educação já tinha anunciado para o segundo ciclo e posteriores a seguinte organização das turmas e aulas: turmas divididas em dois grupos com aulas em dias alterados. O primeiro grupo terá aulas às segundas, quartas e sextas-feiras e o segundo às terças, quintas e sábados.
As aulas, explicitou a ministra da Educação em entrevista à TCV este domingo, decorrem das 8h às 11h10 da manhã e entre cada disciplina [cuja aula terá duração de 25 minutos] há cinco minutos de intervalo, apenas para mudança dos docentes. A ideia é tentar ao máximo que se mantenha o distanciamento entre os alunos, algo que todos advinham um desafio difícil.
As aulas alternadas por dias estavam, então, inicialmente previstas apenas para a pluridocência. No 1º ciclo havia sido noticiado que as turmas seriam igualmente divididas em dois grupos, sendo porém que cada um teria duas horas de aulas presenciais todos os dias.
Contudo, pelo que foi possível observar, várias escolas ponderam a adopção dos dias alternados desde o 1º ano de escolaridade. Isto porque, segundo alguns gestores, embora haja orientação superior da delegação escolar, há igualmente liberdade no 1º ciclo para organizar as aulas ao nível da própria escola, tendo em conta a realidade específica de cada uma.
Assim, ainda antes do anúncio de adiamento do início das aulas presenciais na Praia, na Escola da Capelinha de Tira-Chapéu, que conta com cerca de 700 crianças, a modalidade prevista era essa, conforme nos contou a gestora Isa Cabral. “Dois grupos, em dias alternados, desde o 1º ano”. Também na EBI de Achada Grande Frente, de acordo com um vídeo publicado nas redes sociais pelo gestor João Lobo, o modelo adoptado era o mesmo.
Mesmo dentro de um mesmo agrupamento pode haver regras diferentes. Na Escola de Ribeira de Craquinha, em São Vicente, há menos de 30 alunos (uma das turmas compostas, não chega aos 10, e outra nem 20 tem).
Aí, como explica o gestor Arlindo Morais, não será feita divisão de turmas. A proposta da escola é mesmo que as aulas decorram em período completo, todos os dias.
Já em outras escolas do agrupamento, as turmas terão de ser divididas, e a proposta é que as aulas ocorram diariamente, duas horas por dia. Incluindo o segundo ciclo.
“Pelas contas que fizemos, se os alunos tiverem aulas 2ª, 4ª e 6ª e outros 3ª, 5ª e sábado, teriam menos tempo de aulas do que todos os dias. Assim é possível ter mais tempo de aulas, mas também garantir que as salas sejam higienizadas”, explica.
O cenário de poucos alunos que se vive nesta escola não é raro. Também em Santo Antão, no agrupamento ao qual pertence o Polo Educativo n.º 10 de Ribeira da Cruz (Porto Novo), e que inclui 5 escolas, há uma que só tem 2 alunos. Uma turma de dois alunos. A maior escola tem 60. O agrupamento todo 115. Assim, como nos conta João Medina, do 1.º ao 4.º ano, as aulas deverão decorrer diariamente, sem grande redução de horário. Já no 5º e 6º anos, onde se juntam alunos oriundos de mais localidades, a divisão será feita na lógica dos dias alternados.
De Santo Antão para a Brava, a única ilha até agora livre de casos de COVID-19. Vergílio Lopes Pires é o actual director da Escola Básica de Nossa Senhora do Monte, escola de um agrupamento com escolas satélites na localidade de Palhal, Cachaço e Mato. No total o agrupamento tem cerca de 400 alunos, metade dos quais na escola sede em Nossa Senhora do Monte.
Sem casos e poucos alunos, “estamos a pensar funcionar em modos digamos “normais”, como de costume”. Com alguma tranquilidade, mas sem esquecer todas as regras: máximo 22 alunos por sala, cada aluno na sua carteira, etc, “tudo o que possa ajudar na prevenção do vírus”.
Cuidados e algum optimismo: “creio que nós pela nossa pequena dimensão não vamos ter grandes dificuldades em termos de ajuntamentos e outros constrangimentos”, considera Vergílio Lopes Pires.
Mas também algum receio. “A situação é de alguma preocupação e compreende-se. Embora não tenhamos casos, toda a gente está à espera que, num momento ou noutro, as autoridades anunciem algum”.
E da Brava para o Fogo, ali ao lado. A ilha do Fogo resistiu alguns meses sem casos mas estes acabaram por surgir a 17 de Agosto. Em Mosteiros. O director do Agrupamento n.º 2 do concelho, Eliseu Monteiro, garante que estão a ser tomadas todas as medidas estipuladas. Aulas, tal como já várias escolas haviam dito, serão em dias alternados no 2.ºciclo e “no 1.º ciclo vai depender de cada escola, porque cada escola tem a sua realidade”. Incluindo nos concelhos que vivem já com o vírus.
Itinerários – Da Saída de Casa à sala de aula
“Esta doença veio impor algumas regras a todos nós e a escola como um todo deverá também ser incluída nesta questão”, frisa Eliseu Monteiro, que descreve em linhas gerais como será o itinerário dos alunos e as regras e medidas que vão haver.
Uma descrição que é semelhante em todas os agrupamentos/escolas entrevistados. Assim, os alunos saem de casa e devem, se usarem os transportes públicos, usar as suas máscaras. À chegada à escola, será organizada uma fila para entrada dos alunos. Todas as escolas pedem aos pais que não entrem dentro do recinto escolar. Depois de entrar, os alunos devem lavar as mãos, seja em lavatórios entretanto já instalados, seja nos que se preveem vir a instalar, seja nas casas de banho.
Nos Mosteiros por exemplo, todas as escolas do agrupamento 2 têm água corrente, 24h. Na Ribeira da Craquinha e muitas outras, não. Aí, é a FICASE que garante o abastecimento. Outras terão de comprar e garantir reserva constante.
Depois das mãos lavadas os alunos seguem para a sala de aula, onde se sentam numa carteira sozinhos. Na sala deverá haver álcool-gel e, em algumas, uma bacia com água e sabão.
Quanto à medição de temperatura, nenhuma das escolas que foi possível contactar dispõe de aparelho para tal.
Intervalos já se sabe que não há, mas os alunos farão pausas seja para troca de professores, na pluridocência, seja para comerem. No fim das aulas, os alunos sairão acompanhados dos docentes, uma turma de cada vez.
As medidas constam dos planos de contingência que estão a ser elaborados em cada escola. As indicações que constam na citada resolução do conselho de ministros extraordinário, não deverão diferir muito do que já está estipulado. Mas a resolução vem clarificar alguns aspectos.
Uso de máscaras - Obrigatório só a partir segundo ciclo
O uso de máscaras em geral já foi alvo de dois decretos-lei, e muito se falou sobre a obrigatoriedade e regras desse uso. Mas nunca se tinha falado da idade a partir da qual seria obrigatório para, por exemplo “espaços interiores fechados com múltiplas pessoas”, como podem ser consideradas as salas de aula.
Assim, pelo que se pode constatar nos contactos com as escolas, havia até agora alguma discrepância na interpretação sobre a obrigatoriedade do uso, e a partir de que idade.
Uns e outros, porém, garantiram já estar a desenvolver um trabalho de sensibilização para que todos usassem máscara.
“Mesmo tendo poucos alunos muitas vezes é difícil poder controlar e evitar ajuntamentos e mesmo durante os percursos para a escola, alguns alunos de zonas mais distantes têm de usar o transporte público. Assim, o uso de mascara é fundamental”, defende Vergílio Lopes Pires, de Nossa Senhora do Monte. Mais do que uma obrigação, uma necessidade.
Finalmente, este domingo, durante a entrevista da ministra Maritza Rosabal à TCV, ficou explicito este assunto:
“As máscaras são para as pessoas que trabalham nas escolas e crianças a partir 2.º ciclo, ou seja, do 5.º ano de escolaridade. As crianças do 1 ciclo, podem usar máscara, mas não é obrigatório”, frisou a ministra. Estipula-se assim a idade mínima, tendo em conta as faixas etárias por ciclo, mais ou menos em 10 anos.
Protocolo de casos suspeitos
Em articulação com a área da Saúde, estão a ser criados os referidos planos de contingência que incluem protocolos de procedimento para quando for detectado um caso suspeito de COVID-19 dentro da escola.
Conforme os gestores, a partir do momento em que é identificado um caso suspeito, o aluno é encaminhado para uma sala própria, e os serviços de saúde, contactados de imediato (bem como os encarregados de educação).
“A ideia, tendo em conta a reunião que fizemos [com as autoridades de saúde] é colocar o aluno numa sala, para depois recebermos as pessoas de saúde, para cuidar do caso”, explica Arlindo Morais da Escola da Ribeira de Craquinha.
Também em Mosteiros, após a reunião “com o delegado do Ministério da Saúde e algumas entidades do concelho” ficou estabelecida a disponibilização de uma sala só para casos suspeitos. Um profissional de saúde virá de imediato dar cobertura e “ajudar a atender as crianças”, diz o director Eliseu Monteiro.
E quanto à turma? A ministra da Educação, Maritza Rosabal, resumiu na entrevista à Televisão pública que qualquer sala de aula que tenha dois casos positivos de infecção pelo coronavírus, “tem de ser imediatamente colocada em quarentena durante 10 dias”.
Cinco semanas de revisão
A par com todo o planeamento, feito em conjunto com o Ministério da Saúde, para garantir a biosegurança nas escolas, e que passa por uma inspecção às escolas para obtenção de certificado de cumprimento das normas sanitárias, há todo o planeamento do ano lectivo (o primeiro isento de propinas até ao 12.º ano), em termos educativos.
“Todo este primeiro mês é um teste”, considera a ministra da Educação. Em primeiro lugar é preciso fazer a ressocialização da criança no ambiente escolar. E este vai ser, ademais, diferente do que viveram até agora.
“Isto é um desafio enorme, desde 24 de Setembro tem decorrido uma série de formações para os professores, precisamente para discutir estas questões. Esse processo de ressocialização é praticamente reaprender a estarmos juntos, mas também ver como vamos organizar para ver como vamos suprir o que aconteceu anteriormente”.
No ano lectivo 2019/2020, recorde-se, as aulas encerraram antes do 3.º trimestre, que decorreu apenas à distância. Foram cerca de seis meses fora do sistema, e é necessário “fazer diagnósticos”. Assim, já anteriormente o Ministério tinha anunciado que de 1 de Outubro a 7 de Novembro as aulas seriam essencialmente de revisão e consolidação da matéria do ano transacto. Só depois é que se começará a dar as novas matérias.
Seja como for, em meio da pandemia, constrangimentos e falta de condições, o ano lectivo começa amanhã. Cheio de incertezas, num ano em que a simbiose entre saúde e educação é mais forte do que nunca, e onde, claro, as famílias têm um papel de destaque. Agora como sempre.
“Todos nós somos responsáveis por parar esta cadeia de transmissão [do coronavírus]. Todas as pessoas têm de ter mais cuidado, até porque a escola não faz nada, mesmo tomando todas as medidas de higiene e segurança para termos protegidas as crianças dentro da sala de aula, se depois nos espaços públicos e em casa não se tiver esses cuidados”, avisa a ministra.
Praia, caso à parte
A evolução da pandemia tem obrigado a que as decisões sejam tomadas (e mudadas) no curto espaço. A poucos dias do arranque do ano lectivo, este sábado (26), o governo, reunido em Conselho de Ministros extraordinário, aprovou a resolução que define as medidas excepcionais e temporárias para a organização e o funcionamento do ano lectivo 2020/21, por forma a garantir a bio-segurança das operações e cumprimento das regras. Até ao fecho desta edição, esta terça-feira (29), a resolução ainda não tinha sido publicada no Boletim Oficial, mas vários elementos já são conhecidos.
Na Praia, como referido, ficou estipulado que o regresso presencial às salas de aula só ocorrerá “após o dia 31 de Outubro”, por se considerar que não há condições para iniciar aulas presenciais devido à cadeia de contágio. Estima-se pois, que tal aconteça por volta de 2 de Novembro, uma segunda-feira. Até lá, só aulas à distância...
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 983 de 30 de Setembro de 2020.