“Pelas informações que temos o Instituto Nacional de Saúde Pública já enviou algumas amostras e está a aguardar resultados”, disse Jorge Barreto esta segunda-feira em conferência de imprensa.
“A informação que eu tenho é que já existe o sequenciador, mas é preciso que os técnicos tenham formação na realização dessas análises. E, das informações que eu tenho, o INSP já está a trabalhar nesse sentido. Enquanto isso o INSP tem os seus parceiros e poderá utilizar esta via para termos alguma informação”, acrescentou.
Em Cabo Verde, enquanto a sequenciação do vírus não for feita, não é possível saber qual o vírus que circula. “Crê-se que seja o inicial que surgiu na China”, explica António Ludgero, biólogo e professor universitário de Virologia, ao Expresso das Ilhas.
António Ludgero destaca que desde que regressou a Cabo Verde em 2017 que tem “reforçado a importância de termos um sequenciador. Antes da COVID-19. Porque é necessário conhecer os agentes patogénicos e o sequenciamento tira essas informações a nível molecular”.
“É óptimo que tenhamos agora um sequenciador porque vai permitir saber se temos novas estirpes aqui. Com o sequenciamento vamos poder saber se somos ou não, como falávamos, mais resistentes ao vírus”, defende.
Fazendo-se a sequenciação, reforça António Ludgero, “saberemos se há mutações que levam a uma nova estirpe, se essa estirpe foge ao sistema imunológico e de que forma o faz”.
Além do conhecimento do vírus, seja ele o SARS-CoV-2 ou outro, a existência de um sequenciador vai também permitir estudar a eficiência “da vacina. Se impacta no diagnóstico”.
Uma das questões que se coloca é se perante o cenário actual estaremos numa fase de controlo da doença. “Como se trata de um retrovírus acontecem muitas mutações”, por isso, defende António Ludgero, falar em “controlo da doença é muito difícil”.
“Acontecem muitas mutações e nestes casos as mutações são muito mais rápidas, então com essas mutações começam a modificar-se algumas proteínas que ajudam a entrar nas células. Por isso, falar em controlo é complicado”, aponta.
Com a vacina e uma inoculação rápida “aí sim, podemos falar em controlo”.
Cabo Verde, ao contrário do que se tem verificado na Europa e noutros pontos do mundo tem tido relativamente poucos casos e poucos óbitos. Versão mais fraca do vírus ou maior resistência imunológica dos cabo-verdianos? “A segunda é a mais provável”, responde António Ludgero. “Quem está mais susceptível e tem mais contactos é a população mais jovem e a população mais jovem tem um sistema imunológico mais competente e dá uma resposta mais rápida diminuindo a carga viral. Diminuindo essa carga viral diminuem-se os sintomas”.
Para António Ludgero podem ser feitos outros exames para estudar a situação da COVID-19 em Cabo Verde. “Estudar, por exemplo o sistema que é para ver a resposta imunológica em si. Se é mais forte ou se é mais competente em relação a outros países. Não sei se tem muita significância, mas é um estudo que se pode fazer”.
“Nós sabemos que os vírus têm uma grande capacidade de sofrer mutações. Especialmente os vírus que causam quadros respiratórios e com este coronavírus não é diferente”, aponta, por seu lado, o Director Nacional de Saúde.
“Nós contamos que haverá outras variantes, porque o vírus vai sofrendo mutações conforme tem contacto com o ambiente e conforme vai infectando mais pessoas. As medidas que têm sido adoptadas continuam válidas para as variantes, porque, como são variantes novas, nós teremos de ter algum tempo para analisar o impacto que elas possam provocar. Mas, em princípio o uso adequado de máscaras, a higienização das mãos e o distanciamento físico e social continuam a ser medidas que são válidas para as variantes que já foram identificadas e outras que possam surgir”, acrescenta.
Jorge Barreto não coloca de parte a possibilidade de alguma das variantes ter entrado no país. “Pode ser que alguma dessas variantes tenha entrado em Cabo Verde, isso não temos como garantir porque não temos evidências. Mas não podemos descartar essa hipótese, as nossas fronteiras ainda estão abertas, nós recebemos voos de Portugal, do Senegal, as pessoas circulam”. Por isso, admite, “é bem provável que alguma dessas variantes já tenha entrado em Cabo Verde, mas só teremos essa certeza quando tivermos resultados de genotipagem que nos digam que realmente já está cá”.
A pandemia que o mundo enfrenta actualmente encontra paralelismo no início do séc. XX quando o mundo enfrentou uma pandemia que ficou conhecida como Gripe Espanhola. As estimativas apontam para que mais de 50 milhões de pessoas tenham morrido em todo o mundo até que a doença acabou por desaparecer.
“A história, de forma geral, mostra-nos vários casos de doenças que surgiram do nada e que desapareceram. Ou desapareceram ou o sistema imunológico acabou por as reconhecer e se tornar mais eficiente”, explica António Ludgero.
Com o SARS-COV-2, defende este biólogo, “ainda é muito cedo para podermos dizer isso”.
“Acredito que com o tempo o sistema imunitário das pessoas se vai tornar mais competente para reconhecer e neutralizar o vírus”, no entanto, o surgimento de novas estirpes obriga a que se faça, de novo, “um estudo para que se conheça a taxa de mutação”.
Variante mais contagiosa para jovens
As informações que vêm sendo divulgadas, a nível internacional, indicam que as novas variantes do SARS-CoV-2 são muito mais contagiosas do que o vírus natural. Algo que, pelo menos para já, não aconteceu em Cabo Verde.
“Não temos a impressão que a situação esteja a descontrolar-se da mesma forma que está em outros países da Europa. Vamos continuar a fazer o seguimento da informação epidemiológica”, explica o Director Nacional de Saúde.
No entanto, essas mesmas informações divulgadas pela comunidade científica internacional apontam para uma maior capacidade de contágio entre crianças e jovens em idade escolar.
Comprovando-se a presença dessas estirpes em Cabo Verde “pode levar a alterações na política educativa”, admite Jorge Barreto que, assegura, “vamos fazendo o seguimento das informações epidemiológicas e essas análises, com os dados que temos disponíveis, ainda não nos dão informação suficiente para nos fazer dizer que já há algo diferente” presente no país.
O aumento de casos em Dezembro e em Janeiro são uma realidade “mas se formos ver os dados numa curva parece que a curva começa outra vez a abrandar. O que nos dá uma ideia que talvez tenha sido algo pontual, relacionado com o Natal e passagem de ano, e nós entendemos que se houvesse a introdução de uma variante infecciosa provavelmente isso repercutia-se em muitos mais casos e nós não estaríamos a ver, por exemplo, em São Vicente uma tendência para estabilização”.
“Tudo isto é muito variável, mas se fosse algo novo e se fosse realmente mais infeccioso ainda estaríamos a ver as curvas a subir e não é isso que estamos a ver no final de Janeiro. Teremos de esperar pelas próximas semanas para ver como é que a situação evolui. Mas, tendo em conta os dados que temos, não nos parece que haja algo mais contagioso a circular em Cabo Verde. Isto não quer dizer que esteja excluída a possibilidade de estar alguma variante nova a circular no país”.
Vacinas
Com um processo mais complexo de administração do que uma vacina normal, é necessário formar os técnicos de saúde que as vão ministrar. Um processo que ainda não começou. “É preciso ter as vacinas, com todo o material técnico e a informação técnica das vacinas para podermos fazer as formações para depois podermos aplicar as vacinas”, explica Jorge Barreto.
“Isto é um processo com etapas. No final de Janeiro terminámos aquilo que pensamos que vai ser o Plano Nacional de Vacinação. É um plano que vai ser dinâmico e que vai sofrer alterações frequentes por causa da informação a que vamos tendo acesso. Mas, fechámos mais um draft desse documento e a partir daí vamos passar às outras fases e a formação vai fazer parte dessas fases. Provavelmente em Fevereiro vamos receber o material com as informações técnicas e temos estado a receber formações, organizadas pela OMS e pela GAVI”.
Atraso na distribuição
O atraso na produção e distribuição das vacinas tem provocado atrasos na sua entrega em vários países do mundo. Jorge Barreto diz que não há indicações de que os prazos anunciados - início da vacinação, em Cabo Verde, até ao final do terceiro trimestre - não venham a ser cumpridos.
“Nós não temos essa informação tanto da COVAX como da GAVI. Ainda não recebemos informação de que haverá algum atraso. Das conversas e troca de mensagens tudo parece indicar que neste primeiro trimestre possamos ter as primeiras vacinas” que servirão para vacinar os profissionais de saúde. “Mas é claro que isto tudo é algo que está planificado mas que poderá sofrer alguma alteração com o evoluir da situação a nível mundial”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1001 de 3 de Fevereiro de 2021.