Foi (e ainda está a ser) um descalabro

PorSara Almeida,7 mar 2021 9:13

A pandemia arrasou o Turismo, sector que representa cerca de 25% do PIB de Cabo Verde, e com isso a economia do país. Há milhares e milhares de pessoas afectadas por esta quebra, na maioria mulheres, que constituem o grosso dos trabalhadores da área. O impacto é “devastador” e a recuperação, que certamente será gradual, terá de dar especial atenção às questões de género.

O turismo representa, como se sabe, quase ¼ do PIB do país e, de forma indirecta, mais ainda. Ora, sendo este sector (juntamente com a aviação) o mais afectado pela pandemia, é reconhecido o impacto que terá no país, no seu todo, e na questão do emprego e rendimento, em particular.

E se o impacto é transversal, é também de salientar que a maioria dos trabalhadores do sector são mulheres. Em 2017, segundo os dados oficiais, elas constituíam 57,9 % da mão-de-obra no turismo.

“A maioria dos trabalhadores são mulheres: cozinheiras, empregadas de limpeza e arrumação dos quartos, de mesa, dos restaurantes dos bares…” corrobora Carlos Lopes, secretário do Sindicato de Transportes, Telecomunicações, Hotelaria e Turismo (SITTHUR).

“E entre essas trabalhadoras, há uma grande percentagem que são jovens trabalhadoras. Muitas são mães solteiras e, grande parte também são mulheres chefes de família”, acrescenta.

Elas, tal como eles, estão parados. “Uma parte dos trabalhadores encontra-se em regime de lay-off, mas uma grande maioria não viu os contratos renovados, foram despedidos”.

O sindicalista relembra, que mesmo quem está em lay-off viu o seu salário reduzido “em 30%, e recebem esses valores de forma muito irregular. Não há uma pontualidade no pagamento desses valores. A previdência ainda cumpre, mas os empregadores não, também têm os seus problemas.”

São milhares de trabalhadores, “neste momento, numa situação extremamente complicada a aguardar a retoma das actividades”. Milhares de mulheres cabo-verdianas.

Muitas viram-se obrigadas a regressar às suas localidades. O sindicalista conta que recentemente foi à Boa Vista para seguimento de uns casos de despedimento que estavam em tribunal. “Havia uma situação complicada. O tribunal manda chamar as pessoas e não sabiam aonde as pessoas estavam.”

Em termos de tipo de trabalho, mais uma vez as trabalhadoras mais “pobres” foram as mais afectadas.

É que apesar de todas as categorias de trabalho no turismo e hotelaria terem sido afectadas, as categorias de rendimento mais baixo foram-no mais.

“Essas é que tinham os contractos precários, os contractos a prazo. Foram as primeiras a ser mandadas para casa. E é evidente que aquele que tem um maior nível de rendimentos terá alguma poupança e melhor conseguirá gerir esta situação de crise. Agora aquelas que ganham o salário mínimo.. a situação é muito complicada mesmo”, aponta.

Por tudo isto, Carlos Lopes refere que “o impacto foi devastador”.

“O impacto no seio da mulher trabalhadora foi de facto, muito grande e dificilmente será reparado nos próximos tempos. Vai ser uma recuperação gradual, oxalá haja políticas publicas de apoio para que gradualmente consiga recuperar desta situação”.

Há, entretanto, mais dois aspectos que Carlos Lopes salienta. Por um lado, uma aposta na formação e capacitação durante este período, até porque a “nova fase será mais exigente:”

Por outro, um maior apoio às médias pequenas e micro-empresas. “Temos estado em contacto com o governo a insistir que devia conceber um plano para ajudar essas empresas na sua recuperação. Aí é que está a grande maioria da força de trabalho do nosso país. Sei que o governo tem usado algumas medidas, mas é preciso uma medida muito mais forte, mais consistente, para as ajudar se não vamos aumentar de forma muito significativa o desemprego no nosso país, com todas as consequências sociais que isso acarreta”, vaticina.

Da parte do ICIEG o sector do turismo também é uma área que tem merecido maior atenção. Mas os olhos (e trabalho), então essencialmente colocados na retoma.

“Já alertamos as autoridades para inclusão das mulheres, mas de uma forma articulada, uma discriminação positiva da mulher”, avança a presidente Rosana Almeida.

Na linha dos alertas das Nações Unidas, que aponta quem “qualquer plano de recuperação, se não levar em conta as questões de género, vai falhar”.

Entretanto, existe já “um ambicioso” Plano para a Transversalização da Abordagem Género no Turismo [lançado em 2017] que está a ser discutido com a Direcção Geral do Turismo, para sua efectivação.

“Qual é o plano que nós vamos traçar, de imediato, para acompanhar as mulheres que estão no sector turístico, em que condições é que vão trabalhar e, depois, que condições a nível de cuidados vão ter para que essa retoma possa ser feita sem sobressaltos a nível da saúde, para que o emprego seja digno e para que as cadeias hoteleiras onde vão trabalhar tenham condições, tenham sistema de cuidados, com cuidadoras para terem onde deixar os filhos”, são temas na mesa.

Aí, no futuro pós-retoma, as empresas turísticas que cumprirem determinados requisitos, serão distinguidas como “promotoras da igualdade de género”.

“Já temos a lei da paridade, já temos um sistema de cuidados a funcionar para que as mulheres possam se libertar, e a nível do turismo já temos um plano de transversalização. Por fim, já estamos a articular com o governo, no sentido de, na recuperação económica, se dar um enfoque às questões da igualdade de género”, conclui.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1005 de 3 de Março de 2021. 

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Autoria:Sara Almeida,7 mar 2021 9:13

Editado porDulcina Mendes  em  5 dez 2021 23:20

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