“O ano de 2022 foi um ano um tanto ambíguo para a economia de Cabo Verde”

PorPaulino Dias,31 dez 2022 8:58

Paulino Dias - Economista
Paulino Dias - Economista

Para o cidadão comum em Cabo Verde, se por um lado a retoma do turismo e de outros setores económicos significou a retoma de empregos e rendimentos, por outro lado os aumentos de preços (inflação) significaram o encarecimento do custo de vida, perda de rendimentos reais, redução do poder de compra, deterioração das condições de vida.

Que balanço faz do ano de 2022, particularmente a nível dos impactos que a guerra na Ucrânia e o aumento da inflação tiveram na vida das pessoas?

O ano de 2022 foi um ano um tanto ambíguo para a economia de Cabo Verde. Por um lado, em sentido positivo, registou-se uma forte recuperação do setor do turismo, com impactos evidentes a nível de atividade económica ao longo da sua cadeia de valor, de (re)criação de empregos, de aumento das receitas para o Estado (impostos e taxa de turismo), de melhoria da balança comercial (aumento das exportações de serviços), e de crescimento do PIB. O regresso a uma certa normalidade, depois das restrições impostas no quadro do combate à pandemia da COVID-19 contribuiu igualmente para a retoma das atividades económicas em outros setores, contribuindo também para a aceleração do crescimento económico já estimado para este ano.

Em sentido negativo, porém, a sobreposição de três novos choques económicos de origem externa – nomeadamente o choque de aumento de preços, o choque decorrente da guerra Rússia-Ucrânia e, na segunda metade do ano, o choque do aumento dos juros – terá introduzido perturbações acentuadas na dinâmica económica em geral e, em particular, no rendimento das famílias. À inflação importada que já se fazia sentir desde o último trimestre de 2021 (decorrente de perturbações nas cadeias logísticas internacionais), acrescentou-se, a partir do 2º trimestre de 2022, a inflação de preços de produtos derivados do petróleo e de cereais, como resultado da guerra entre a Rússia e a Ucrânia – dois importantes fornecedores mundiais desses produtos. Para conter esta dupla onda de inflação, os Bancos Centrais um pouco por todo o mundo encetaram movimentos em direção a políticas monetárias mais restritivas, com aumentos generalizados das taxas de juros, que limitam o investimento, aumentam os serviços de dívidas contraídas com taxas variáveis e reduzem o crescimento económico.

Para o cidadão comum em Cabo Verde, se por um lado a retoma do turismo e de outros setores económicos significou a retoma de empregos e rendimentos, por outro lado os aumentos de preços (inflação) significaram o encarecimento do custo de vida, perda de rendimentos reais, redução do poder de compra, deterioração das condições de vida. Já quanto ao movimento global de aumentos de taxas de juros, os seus efeitos ainda não se fizeram sentir, de forma expressiva, quer para o Estado (dívida pública), quer para as empresas e clientes individuais. Primeiro, porque parte substancial da dívida pública é na modalidade concecional e com taxas de juros fixas. Segundo, a prática dominante na concessão de créditos pela banca comercial nacional é também a de juros fixos, o que, de certa forma, protegeu as empresas e as famílias com créditos junto à banca, dos efeitos negativos dos aumentos das taxas de juros a nível global. No entanto, num futuro próximo, os efeitos serão mais acentuados, sobretudo na contratação de novos créditos quer por parte do Estado (dívida pública), quer por parte das empresas e famílias, o que poderá desestimular o investimento e o consumo e, por esta via, fazer abrandar o ritmo do crescimento da economia.

O que destacaria neste balanço na área da sua especialidade?

Pela positiva, como referido acima, destacaria a forte recuperação do turismo. Sendo um setor que, antes da pandemia da COVID-19, já contribuía para cerca de um quarto da economia nacional, a recuperação da sua dinâmica, ainda que não tenha alcançado o nível pré-pandemia, acabou por ter um impacto positivo bastante relevante em indicadores importantes como o emprego, o rendimento das famílias, as receitas públicas, a balança comercial, entre outros.

Pela negativa, destacaria a deterioração da situação dos transportes inter-ilhas, quer aéreo quer marítimo. Sendo Cabo Verde um país arquipelágico, os transportes desempenham um papel crítico no desempenho de toda a economia, pelo que o funcionamento deficiente do setor impacta negativamente não apenas os fluxos de pessoas e bens entre as ilhas, mas também a perceção, o nível de confiança e as decisões de agentes económicos (por exemplo, de investimentos).

Que perspectivas para 2023?

As sucessivas “ondas de crises” que atingiram nos últimos anos a economia mundial e nacional e, em última instância, o rendimento e poder de compra das famílias cabo-verdianas – COVID-19, inflação, efeitos da guerra Rússia-Ucrânia, aumento de taxas de juros –, conjugadas com as perspetivas de acentuada imprevisibilidade na evolução do contexto global em 2023, tendem a levar a alguma apreensão quando ao futuro imediato (2023). Esta apreensão já está a refletir-se em indicadores de confiança com tendência negativa, tanto a nível das empresas quanto a nível das famílias, que podem conduzir a cancelamentos (ou adiamentos) de investimentos e maiores cautelas no consumo (redução), o que por seu lado poderão contribuir para o abrandamento da economia.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1100 de 28 de Dezembro de 2022. 

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Autoria:Paulino Dias,31 dez 2022 8:58

Editado porAndre Amaral  em  22 set 2023 23:28

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