5 Julho: PR fala de uma sociedade civil “espremida entre as tenazes das forças partidárias”

PorExpresso das Ilhas, Lusa,5 jul 2023 13:56

"Não tenhais medo!, Cabo Verde é e precisa de todos os seus filhos, nas ilhas e na diáspora!"
"Não tenhais medo!, Cabo Verde é e precisa de todos os seus filhos, nas ilhas e na diáspora!"

O Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves, apontou um “mar de razões” para o país estar a assinalar 48 anos da independência, como um “crescimento material visível”, mas entendeu que precisa de um “forte crescimento espiritual”.

“As conquistas são inegáveis e o crescimento material é visível. Porém, para que também seja mais inclusivo e durável, terá que ter, como simetria, um forte crescimento espiritual”, afirmou o chefe de Estado, ao discursar na sessão solene da Assembleia Nacional comemorativa do 48.º aniversário da independência de Cabo Verde.

O mais alto magistrado da Nação cabo-verdiana manifestou a sua preocupação pelo aumento da taxa de pobreza extrema, insegurança alimentar, desigualdade social e que 29,2% de jovens entre 15 e 35 anos estejam sem emprego, fora do sistema de ensino ou formação.

“Isso constitui motivo de elevada preocupação, devendo merecer toda a atenção possível de todos os órgãos de soberania, a começar por esta câmara dos representantes do povo, das autoridades competentes e da sociedade civil, sob pena de consequências futuras eventualmente nefastas”, alertou.

Para José Maria Neves, os 48 anos de independência e os 32 anos de democracia exigem “um outro patamar de desenvolvimento espiritual” em Cabo Verde, onde espera “outros hábitos mentais, outros costumes”.

O Presidente mostrou-se ainda preocupado com as incivilidades, sobretudo com a destruição do património público, dizendo que isso “envergonha a todos”.

“O desrespeito pelo que é comum a todos, verifica-se tanto a nível material como espiritual. As pessoas mais velhas, os professores, os vizinhos, os colegas de escola e de trabalho, os outros, afinal, nem sempre têm sido alvo do devido respeito”, constatou, mostrando-se igualmente preocupado com os níveis de violência e insegurança, sobretudo nos maiores centros urbanos.

“Há muita coisa a ser revista para se resgatar aquela sociedade de sã convivência que já tivemos no passado. As práticas que corroem os alicerces da boa convivência e da sanidade da nossa sociedade devem ser eliminadas”, entendeu.

Relativamente à Administração Pública, disse que carece de criação de uma “cultura de radical transformação”, imparcialidade e de universalidade, para que o país possa ser “realmente desenvolvido”.

“Uma cultura de imparcialidade e de universalidade na prestação de serviço público, extirpando as práticas de nepotismo, amiguismo e troca de favores. Pela importância da Administração Pública, as mudanças tornam-se imperativas e urgentes, se quisermos ser um país realmente desenvolvido”, disse o Chefe de Estado.

José Maria Neves chamou a atenção para a necessidade de autonomização e independência de algumas “áreas sensíveis” da Administração Pública, como as inspecções, entendendo que devem ser para melhorar o desempenho do órgão inspeccionado.

“Espera-se que este instrumento não seja usado como arma de arremesso político e que, aparentemente, não haja dois pesos e duas medidas”, pediu, sem ser específico, mas poucos dias após polémica sobre os relatórios dos fundos do Ambiente e do Turismo.

“Assim se defende a credibilidade e a legitimidade de relatórios produzidos, e a sua aceitação por todos, principalmente, se a sua publicação for tempestiva e não deferida no tempo. Com coerência, não se pode embasar práticas que, em circunstâncias anteriores, foram combatidas ou criticadas”, advogou.

Recados depois directos para os políticos, com o mais alto magistrado da nação a sublinhar que as instituições da República apresentam fragilidades, “demandando por cuidados, que a nossa democracia está ainda longe de ser perfeita”.

“Temos um longo caminho a percorrer. Principalmente quando vilipendiamos os nossos adversários e instalamos um clima de beligerância permanente, sem darmos conta que estamos a corroer as próprias instituições”, avisou o Presidente da República.

Para José Maria Neves, a cultura democrática implica a necessidade de respeito pela diferença. “Entretanto, temos assistido à disputa de protagonismos, sem procura de entendimentos. Queremos ganhos políticos imediatos, e não o consenso, o diálogo e o entendimento entre os órgãos de soberania, entre Poder Central e Poder Local, entre maioria e oposição. Enfim, precisamos de democratizar um pouco mais a democracia”, reforçou.

O Chefe de Estado lembrou que o desgaste da democracia é global, mas que apesar das frustrações e de algum desencanto democrático, “o caminho é revitalizá-la, renová-la, aperfeiçoá-la e defendê-la com veemência, evitando que ela se afunde. Temos que ter em conta que ao longo do tempo, muitas formas de governo já foram sucessivamente experimentadas e não se revelaram como sendo boas alternativas à democracia”.

Como referiu o Presidente da República, a sociedade cabo-verdiana precisa de mais consensos e de entendimentos, e de mais respeito pela diferença e pela opinião contrária. “A política não pode ser um permanente campo de batalha. Infelizmente, nesta arena, tem havido, por vezes, falta de maturidade, falta de lealdade constitucional e falta de respeito no relacionamento político”.

“Constata-se, com alguma preocupação, que a sociedade civil continua espremida entre as tenazes das forças partidárias. A cidadania vive castrada e receosa, expressando-se de forma acanhada. O lugar de fala tem sido um reduto quase de exclusividade do poder político, que predomina de forma avassaladora nas áreas de actividade social, pública e económica”, disse José Maria Neves, para quem a sociedade civil é sempre portadora de uma grande energia criadora, que deve ser libertada e usufruída.

“Todas as capacidades, opiniões e qualificações devem ser aproveitadas. Assim, registamos com agrado, que a nossa sociedade civil procura sacudir essa canga, dando voz a algumas preocupações e angústias da sociedade, como aconteceu nestas últimas semanas. Reitero a necessidade de um certo sobressalto cívico, e a capacidade de indignar com o que não está bem, como forma de colocar na agenda e debater assuntos que interessam à nação”, disse o Presidente da República.

O chefe de Estado mostrou-se ainda preocupado pelo facto de, nos últimos anos, o país ter vindo a perder muitos jovens, muitos deles altamente qualificados, que têm optado pela emigração.

“Insto às universidades e aos investigadores a estudarem esse fenómeno e a deslindarem as causas e os impactos na academia, no tecido empresarial, no mercado de trabalho, na produtividade e na competitividade do país e na formação das políticas públicas”, pediu, confiando, ainda assim, que nos próximos 50 anos será possível Cabo Verde “ganhar o futuro”.

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Autoria:Expresso das Ilhas, Lusa,5 jul 2023 13:56

Editado porJorge Montezinho  em  31 mar 2024 23:28

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