No ano judicial, deram entrada nos tribunais de comarca do país 14.282 processos, lê-se no do Relatório sobre a situação da Justiça no ano judicial 2021/2022, do Conselho Superior de Magistratura Judicial, revelado na semana passada.
Tal número representa um aumento de 5,2% no número de processos entrados (+745 processos) sendo que, dos novos processos, 42% (5.988) são de natureza cível e 58% (8.294) de natureza criminal.
De 1 de Agosto de 2022 a 31 de Julho de 2023, foram tramitados um total de 24.442 processos (+717), dos quais 12.454 cíveis e 11.988 processos-crime. Apesar de a maior entrada de processos se tenha registado na jurisdição criminal, a maioria dos processos tramitados são cíveis. Isso explica-se com o facto de não ter sido possível resolver muitos dos processos transitados de anos anteriores (dos 10.160 pendentes, 6.466 eram cíveis).
De referir ainda que mais de metade dos processos (12.914) tramitaram nos Tribunais da Praia e de São Vicente.
Crime aumenta, cível diminui
O aumento do número de processos entrados corrobora a tendência verificada anual e é bastante superior à média verificada entre 2016 e 2022, de 12.635 processos. Este aumento é devido essencialmente ao aumento de processos-crime (8.294, ou seja, mais 640 do que ano transacto e o maior número de sempre), mas também de cíveis (+105).
O relatório do CSMJ põe, assim, a tónica na vertente criminal, destacando o forte incremento de processos criminais entrados nos tribunais, e interpela “a todos no sentido de identificar as causas do aumento do número de processos-crime e poder assim, adoptar, a montante, medidas preventivas susceptíveis de esbater os novos inputs processuais e facilitar assim a redução da pendência”.
No ano judicial 2022/23, na verdade, o número de pendências aumentou, sendo que dos mais de 24 mil processos tramitados foram resolvidos 13.291: menos 274 do ano transacto e também menos do que os processos entrados. Para o ano 2023/24 ficam, pois, pendentes 11.151 processos, elevando em cerca de mil o número de processos transitados (tinham transitado 10.160 no ano anterior, como referido).
A nível dos processos cíveis, foram resolvidos 47% dos processos tramitados, e na área criminal 62,1%.
A taxa de resolução foi, contas feitas, de 54,4%, menos 2,8% do que em 2021/2022, descida que CSMJ justifica o aumento de processos entrados, mas também com “o julgamento de processos cada vez mais complexos que requerem mais tempo para análise, ponderação e decisão”. Além disso, refere, o quadro de recursos humanos é deficitário.
Tudo isto “num país em que os mecanismos alternativos de resolução de litígios não existem e tudo vai desembocar nos tribunais”, expõe.
Em entrevista, em Outubro passado ao Expresso das ilhas, também a ministra da Justiça reconhecia que “se não controlarmos o aumento de entradas de processos judiciais, vamos ver os processos pendentes a aumentar, ano após ano”. “Temos de reduzir as entradas”, referiu Joana Rosa, elencado como medidas para tal como o combate à criminalidade, a literacia jurídica, novas instalações e mecanismos alternativos de resolução de litígio, como a instalação de um centro nacional de arbitragem, entre outros.
Entretanto, de referir, pela positiva, e saindo da esfera da 1.ª instância que a taxa de resolução no Supremo Tribunal de Justiça passou de 23,2% no ano transacto para 48,1%, o que corresponde a quase o dobro de processos resolvidos. Resolveu 558 processos, naquele que é o seu melhor registo de sempre.
Saídas
Para lá das estatísticas, o relatório de 2022/2023 volta a uma reivindicação antiga, pedindo um alinhamento do Estatuto dos Magistrados Judiciais com o dos Magistrados do Ministério Público, exigindo que direitos e regalias especiais dos magistrados judiciais, que de momento “dependem da colocação dos mesmos nessas instâncias superiores”, sejam vistos como direitos de carreira.
De igual forma, o CMSJ reitera a necessidade de fixação do novo índice remuneratório dos Juízes, cuja actualização salarial não é feita desde 1997.
As condições salariais são aliás vistas como o principal motivo dos muitos pedidos de saída do sistema, em comissão de serviço ou licença. Neste momento, estão em comissão de serviço sete magistrados, aponta o relatório, o que condiciona que os objectivos definidos pelo CSMJ sejam atingidos. A par destas saídas, há também sucessivas aposentações. A solução tem sido os novos recrutamentos, mas “até que se conclua o processo de recrutamento, agravado com o aumento das demandas, as pendências vão-se acumulando”, lê-se no documento.
Uma outra disfuncionalidade apresentada é a diferença salarial entre as categorias de Juiz Conselheiro e de Juiz Desembargador, que é de apenas 700$00.
No ano judicial 2022/23, Cabo Verde contava com 66 juízes (dos quais 9 Juízes Conselheiros; 8 Juízes Desembargadores e 49 Juízes de Direito), o que corresponde a cerca de metade do número previsto de vagas no quadro de pessoal. Para o ano judicial que em breve se inicia, começarão a fase do estágio sete juízes Assistentes, entretanto recrutados.
Outra questão apontada é o ponto de situação anual do Sistema de Informatização da Justiça (SIJ), sistema que vem sendo implementado desde 2011, em que salienta “a contínua perda de quadros que já vinha ocorrendo”, restando neste momento poucos técnicos.
O CMSJ constata também a necessidade de ter uma infra-estrutura electrónica funcional, o reforço da segurança cibernética e, acima de tudo, uma “alfabetização” no uso do SIJ por parte dos actores judiciais.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1139 de 27 de Setembro de 2023.