“Não se está a fazer a reforma, porque ela foi feita em 2010/2011. Está-se, a par de várias outras alterações legislativas operadas recentemente, a dar corpo ao espírito a que presidiu o legislador constitucional, em reconhecer, em 2010, a necessidade de um novo paradigma para a justiça”, observa Joana Rosa sobre as propostas de alteração às leis Orgânicas.
Os dois diplomas em questão deveriam ter subido à plenária na Sessão que se realizou de 12 a 14 de Abril e na qual, recorde-se, foram eleitos os Titulares de Cargos Exteriores à Assembleia Nacional. Na altura, foram retirados, no meio de várias críticas e dissenso, principalmente quanto à proposta da nova orgânica do CSMJ.
Entretanto, a discussão sobre as propostas de lei foram reagendadas, conforme o projecto da ordem do dia da sessão plenária de 24 a 26 de Maio.
A ministra da Justiça mostra-se confiante de que o consenso com a oposição será possível. Houve já um “entendimento conseguido num encontro realizado na semana passada, os grupos parlamentares já criaram um grupo de trabalho que irá debruçar-se sobre as opções apresentadas, e consensualizar posições”, diz.
Um consenso alargado que é aliás necessário, uma vez que em matéria de Justiça, os materiais têm de ser aprovados por 2/3 dos votos dos deputados.
Assim, tal como aconteceu em outros momentos, como a Revisão Constitucional, em 2010, ou a aprovação do pacote sobre a Justiça, em 2011 “o Parlamento tomará as melhores decisões”, diz.
Dissenso
Mas o consenso talvez não esteja perto. No Balanço das Jornadas Parlamentares, realizado pelos partidos ontem, véspera do início da sessão, MpD e PAICV não prestaram declarações sobre os diplomas, mas avançaram que “tudo indica” que serão retirados da agenda.
Já a UCID diz estranhar este novo agendamento uma vez que tinha sido notada “a necessidade de se consensualizar estes diplomas com os diversos intervenientes, que fossem auscultadas as associações sindicais dos magistrados, facto que não aconteceu”.
CSMJ
Mas quais os principais pontos do dissenso? Num parecer emitido em Abril sobre a “Proposta de Lei que procede à primeira alteração à Lei Orgânica do Conselho Superior da Magistratura Judicial”, o CSMJ diz não compreender a necessidade de “se alterar a estrutura e funcionamento deste órgão” (estabelecido pela Lei Orgânica de 2011), quando a prática tem mostrado o seu bom funcionamento.
O CSMJ questiona também a própria constitucionalidade da alteração, pois, “sendo certo que esta estrutura tem matriz constitucional sendo duvidoso que se possa fazer esta alteração sem um processo de revisão constitucional”.
Outro ponto polémico é o Artigo 59º-A que estipula a cessação dos mandatos dos juízes vogais do CSMJ” em simultâneo com a entrada em vigor da presente Lei”.
O CSMJ opôs-se “com veemência a este artigo, que, consideraram, constitui “um apagão ilegítimo e inconstitucional” aos actos eleitorais realizados “de forma legítima”, acto esse que, lembraram na altura, tinha sido realizado “há menos de seis meses”.
A ministra da Justiça, por seu turno, estranha esta crítica em particular, pois logo após o diploma ter dado entrada no Parlamento, a governante deu “garantias ao Senhor Presidente do Conselho de que esse artigo seria, logo na apresentação do diploma, expurgado”, conta.
A manutenção desse artigo no texto tinha sido, reconhece, um lapso. A questão fora colocada quando o diploma estava a ser trabalhado, mas que “em virtude da composição recente dos novos membros do CSMJ” perdeu razão de ser.
Ademais, mesmo que se pretendesse manter o referido artigo, “a capacidade eleitoral passiva e activa nunca deixaria de ser dos magistrados judiciais, a quem, nos termos da Constituição e da lei, gozam de independência em relação a qualquer outro órgão. Nenhum magistrado judicial aceitaria ser “eleito” fora do quadro constitucional e legal”, argumenta.
Ministério Público
Além do CSMJ, também o Ministério Público deverá, pois, sofrer “mexidas”. A “Proposta de Leique procede à segunda alteração à Lei Orgânica do Ministério Público” (a primeira alteração foi em 2017) foi igualmente agendada para a plenária desta semana.
Os objectivos entre os diplomas são os mesmos e vêm no sentido de combater a morosidade e as pendências na justiça; colmatar lacunas e suprir insuficiências e, sobretudo, também em ambos, levar a cabo uma reformatação parcial da composição dos seus Conselhos e proceder ao alinhamento com a orgânica do Serviço de Inspecção Judicial.
No caso do MP, alargou-se também as competências do Departamento Central de Acção Penal e introduziram-se novos crimes previstos na revisão do Código Penal em 2021 e procedeu-se a outras alterações com impacto no funcionamento do MP.
Em ambos os diplomas foram também introduzidas normas relativas ao Presidente e ao Vice-Presidente dos respectivos Conselhos.
Representação
A referida reformatação parcial da composição dos Conselhos Superiores, a eleição de membros de acordo com o referido princípio de representação.
Ora, a participação das várias instâncias no CSMJ, com a qual a Associação dos Magistrados Judiciais discorda, tem sido também criticada. Porém, o governo mantém a posição, considerando que “só desta forma estaríamos a criar um equilíbrio nos Conselhos Superiores”.
Propõe-se, assim, ao Parlamento que se leve em conta “a proporcionalidade em termos de representatividade das várias instâncias judiciárias: primeira instância, representada por um juiz de 1ª, 2ª ou 3ª classe; Tribunal de Relação, representado por um Juiz Desembargador, e Supremo Tribunal de Justiça representado por um Juiz Conselheiro”, explica Joana Rosa. O mesmo se passará a nível de representatividade no CSMP.
Conforme justifica, há uma base alargada composta por Juízes ou Procuradores de 3ª classe e “se levarmos em conta o quadro legal, qualquer um dos Conselhos Superiores poderá ter na sua composição” uma maioria composta por estes que poderá ditar a instauração de processos disciplinares aos superiores e a escolha dos membros dos CS.
Porém, ressalva, “caberá aos sujeitos parlamentares avaliar e decidir”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1121 de 24 de Maio de 2023.