Segundo o relatório do Índice de Capital Humano que foi divulgado esta terça-feira e a que o Expresso das Ilhas teve acesso, Cabo Verde tem uma classificação de 0,53 o que significa que “se pode esperar que uma criança nascida hoje, em Cabo Verde, seja apenas 53 por
cento produtiva quando crescer comparativamente com o que poderia ser (em potencial), se tivesse desfrutado de uma educação completa e de uma saúde plena”.
O documento acrescenta que “além da perda de potencial” há a previsão de consequências negativas para a economia do país uma vez que em termos de crescimento económico “o PIB per capita de Cabo Verde poderá ser quase duas vezes superior ou maior se o país atingir os valores de referência da educação e da saúde”. “Isto equivale a 1,3 pontos percentuais de crescimento económico anual adicional durante os próximos 50 anos”, lê-se no documento.
Ainda no que respeita à educação o relatório defende que os resultados “relativamente baixos” alcançados por Cabo Verde impedem o país de “atingir o mesmo nível de resultados de cuidados de saúde nos países da OCDE”.
O documento estabelece a comparação entre Cabo Verde e o Senegal e refere que “pese embora as crianças cabo-verdianas frequentarem mais anos de escola, a qualidade da educação e os resultados de aprendizagem mais baixos significam que estes investimentos não estão a ter os retornos esperados” e defende que a atenção “concentrada na melhoria dos resultados da aprendizagem e das competências fundamentais teria um impacto significativo no futuro desenvolvimento dos cuidados de saúde em Cabo Verde”.
Qualidade da Educação
Fazendo uma avaliação do sector da educação no país, o relatório mostra que Cabo Verde tem alguns dos indicadores de educação mais elevados da África subsaariana.
No entanto, o documento aponta que “quando se considera o que as crianças realmente aprendem em Cabo Verde, os anos de escolaridade ajustados à aprendizagem caem para apenas 6,9 anos” o que significa que, ao longo da sua escolaridade, “existem quase quatro anos durante os quais as crianças não conseguem adquirir a aprendizagem esperada traduzindo-se num retorno limitado dos investimentos”.
O Banco Mundial refere no relatório que as avaliações realizadas entre 2019 e 2022 resultaram numa base sólida de evidências para ajudar a determinar os níveis de aprendizagem e identificar os factores que contribuem para resultados abaixo do esperado.
Assim, destaca o Banco Mundial, uma avaliação nacional em larga escala da aprendizagem dos alunos do 2.º e 6.º anos, revelou resultados de aprendizagem abaixo do esperado, tanto em Português como em Matemática.
“Apenas 30,6 por cento dos alunos do 2.º ano atingiram plenamente o nível de desempenho esperado em leitura; o desempenho em Matemática foi ainda mais baixo, com apenas 3,3 por cento dos alunos a atingirem totalmente o nível de desempenho esperado para este domínio”, aponta o documento.
No entanto já há alguns sinais de mudança uma vez que a Avaliação de Leitura nos Primeiros Anos (EGRA), realizada em 2022 revelou que os resultados de uma amostra nacionalmente representativa de alunos do 2.º ano demonstrou que “a maioria dos alunos do 2.º ano estão a adquirir as competências básicas necessárias para a alfabetização. No entanto, ainda existe uma parcela significativa de alunos, 30 por cento, que não consegue ler com compreensão adequada do conteúdo”.
Desta forma o documento destaca que a construção do capital humano passa pela capacidade de as crianças serem capazes de ler com compreensão. “As crianças precisam aprender a ler para que possam ler para aprender; a leitura é uma porta de entrada para todos os outros níveis de aprendizagem. As evidências mostram que as crianças que não se tornam proficientes em leitura aos 10 anos são muitas vezes incapazes de recuperar o atraso mais tarde e, infelizmente, provavelmente terão dificuldades para o resto da vida”.
Melhores investimentos no pré-escolar
O documento do Banco Mundial aborda igualmente a questão do Desenvolvimento da Primeira Infância (DPI) e do ensino pré-escolar e defende que as crianças que frequentaram programas de DPI de qualidade “demonstram maior frequência e melhores resultados, e são menos propensas a repetir de ano, abandonar a escola ou necessitar de educação correctiva”. Além disso, oportunidades s de aprendizagem precoce de qualidade também conduzem a melhores resultados na saúde e no mercado de trabalho.
No entanto, o Banco Mundial também destaca que em Cabo Verde a educação pré-escolar “ainda não é obrigatória” e o “cuidado infantil é relativamente novo e ainda está em fase inicial”.
Dessa forma, defende o Banco Mundial, a “disponibilidade de estruturas de creches de elevada qualidade também pode gerar fortes repercussões positivas, incluindo uma maior participação das mães na força de trabalho e oportunidades para empresários e novas pequenas empresas. Os potenciais benefícios do acesso a creches de qualidade repercutem-se em vários sectores – educação, saúde e nutrição e género”.
Lembrando que Cabo Verde tem vindo, ao longo das duas últimas décadas, a implementar várias políticas e leis relacionadas com a protecção global dos direitos das crianças, protecção social, educação e cuidados, o Banco Mundial refere que “existem áreas potenciais de melhoria na legislação existente para serviços de cuidados infantis que poderiam ser consideradas em futuras revisões”. O Banco Mundial destaca a “lacuna” existente nas políticas destinadas às crianças dos 3 meses aos 4 anos de idade. “Esta é a diferença entre o fim da licença de maternidade e a idade em que as crianças frequentam o pré-escolar”.
Entre os melhores de África na saúde
É na Saúde que Cabo Verde consegue os melhores resultados com os indicadores a estrarem “entre os melhores da África Subsaariana”.
Apesar de destacar a diminuição da taxa de fertilidade (2,5 filhos/mulher) o Banco Mundial também destaca que as taxas de mortalidade neonatal, de bebés e crianças têm diminuído o que leva os autores do estudo a acreditar que Cabo Verde ponha fim às mortes infantis e neonatais evitáveis antes de 2030, atingindo as metas dos ODS para as taxas de mortalidade de bebés e crianças.
“A maioria das crianças em Cabo Verde tem acesso a cuidados neonatais e a vacinas. O sucesso de Cabo Verde nos resultados de saúde tem, em parte, a ver com a cobertura vacinal das crianças. A cobertura vacinal para crianças atinge mais de 95 por cento da população”, aponta o documento.
O grande desafio de Cabo Verde, defende no documento, está na insegurança alimentar com cerca de 34% da população nacional a ser afectada.
“De acordo com o inquérito aos agregados familiares de 2015, para as crianças dos 0 aos 5 anos que vivem em agregados familiares mais pobres, a pobreza alimentar atinge uns alarmantes 67 por cento. Dos 34 por cento que sofrem de insegurança alimentar, quase 7 por cento sofriam de insegurança alimentar grave e tinham 50 por cento de probabilidade de passar um dia inteiro sem comer. A prevalência da desnutrição aguda em crianças menores de 5 anos a nível nacional atingiu 5,9 por cento em 2019. A prevalência mais elevada de desnutrição é encontrada em crianças com menos de 6 meses de idade, com 22,4 por cento”, explica o relatório do Banco Mundial que acrescenta que as crianças subnutridas apresentam um declínio significativo no desenvolvimento cognitivo e uma maior susceptibilidade a infecções e doenças crónicas.
Cuidados de Saúde
Servindo-se de dados recolhidos em 2015 o Banco Mundial procurou analisar “as barreiras que as crianças enfrentam no seu percurso de acumulação de cuidados de saúde”.
A abordagem utilizada dividiu a população em diferentes grupos por idade e nível de rendimento, a fim de desenvolver um perfil de Cuidados de Saúde para cada um.
Segundo o documento, as principais conclusões foram que, “para a maioria das crianças dos agregados familiares mais pobres: o nível de escolaridade mais elevado do agregado familiar era muitas vezes “sem educação” ou “ensino primário”; uma grande parte destes agregados familiares (>25%) não conseguiu aceder aos serviços de saúde devido à falta de dinheiro; as condições de vida do agregado familiar eram inadequadas; e a pobreza alimentar para os grupos mais vulneráveis era surpreendentemente elevada, atingindo mais de 70 por cento para crianças entre os 6 e os 14 anos”.
O documento do Banco Mundial refere que em Cabo Verde, “os resultados dos cuidados de saúde são notavelmente mais baixos para as famílias nos grupos sociais mais pobres”.
“Embora muitas metas dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio tenham sido alcançadas, alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável exige um maior envolvimento com aqueles que ainda não conseguem beneficiar de vários serviços sociais e básicos, como o acesso à educação, formação profissional, serviços de saúde, habitação digna, incluindo acesso à água, saneamento e electricidade”.
O relatório aponta que o Governo “tem demonstrado um elevado compromisso para garantir que ninguém seja deixado para trás e o país está empenhado em eliminar a pobreza extrema até 2026”.
“A Estratégia Nacional para a Erradicação da Pobreza Extrema em Cabo Verde (2022-2026) inclui uma série de programas sociais destinados a superar barreiras de acesso e vencer desafios relacionados com o fortalecimento do capital humano em todos os níveis socioeconómicos. São necessários investimentos contínuos direccionados às famílias mais pobres para melhorar os resultados do capital humano”, conclui o Banco Mundial.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1171 de 8 de Maio de 2024.