Transformar terrenos baldios e secos em áreas irrigadas e produtivas, com rendimentos para famílias e postos de trabalho para os moradores. Resultados conseguidos nos primeiros anos após a abertura de dois furos de água, equipados com painéis solares e recurso a rega gota a gota, em Ribeira dos Bodes, interior do concelho do Porto Novo, Santo Antão.
Os projectos de captação de água subterrânea foram executados em 2015, nas comunidades de Recantinho e João Bento, numa iniciativa do governo, para fazer face à seca agravada pelas alterações climáticas. A solução encontrada teve um impacto inicial sem precedentes. Palavras dos próprios agricultores.
Daniel da Luz, 60 anos, reconhece que antes dos furos a agricultura de regadio era impensável. Depois do sucesso inicial, em menos de uma década, a produção caiu para cerca de metade.
“Antes do furo, nesta parte do vale não havia agricultura de regadio, porque não havia água. Depois, começámos a cultivar. Mas com a falta de chuva, a água diminuiu. Neste momento, não podemos investir em certas culturas, porque só é possível fazer a rega gota a gota de oito em oito dias, o que não adianta. Esperamos que chova”, deseja.
O furo de Recantinho beneficia 36 agricultores. O preço é de 15 escudos por metro cúbico, valor conseguido pelo recurso à energia solar.
Paulo Jorge da Luz é responsável por garantir a bombagem para um reservatório de 150 toneladas. Este reconhece o impacto económico e social do investimento, mas nota a descida da disponibilidade de água.
“Na altura [em 2015], conseguíamos retirar 25 metros cúbicos por hora. Mas o nível de água tem baixado gradualmente. Em 2017, o furo esteve em falência hídrica e tivemos oito meses sem água. Em 2020, choveu e houve uma recarga que nos tem aguentado. Mas neste momento está quase em falência hídrica outra vez. Mais de 50% dos terrenos estão secos”, contabiliza.
Os furos significaram emprego para os jovens, a falta de água resulta em êxodo. Elsilvio Pinto tem 32 anos e não descarta a hipótese de procurar trabalho noutras paragens.
“Quando o caudal de água começou a diminuir, o sonho começou a desmoronar-se. Sem água, não podemos fazer nada, não podemos plantar. E os jovens começam a abandonar a zona, porque temos de procurar meios de sobrevivência”, lamenta.
Ilídio Santos, 44 anos, já é obrigado a tirar dias de trabalho em Porto Novo. Os terrenos que explora em Ribeira dos Bodes não garantem o rendimento necessário.
“Os jovens estão a sair, porque temos terrenos, mas não temos água. A pequena quantidade que conseguimos tirar não dá para produzir. Pedimos a quem de direito que olhe para esta situação”, explica.
Leonardo Fonseca mora junto ao furo de João Bento. Nasceu e cresceu na localidade. Os tempos já foram melhores.
“A quantidade de água não é suficiente. Nesta altura do ano, o nível de água desce e a produção diminui. Quando temos água cultivamos tudo: cenoura, repolho, tomates, pimentão, batata-doce, batata inglesa, entre outros.
Joana Teresa também tem uma parcela de terreno em João Bento.
“Quanto temos chuva, a água aumenta, mas agora os terrenos estão secos. Olha como as minhas parcelas estão secas”, diz, apontando para a terra árida.
Para além de mais furos em Recantinho e João Bento, os agricultores apontam como possível solução o aprofundamento dos furos actuais.
Até 2023, o engenheiro agrónomo, Denis Cruz, trabalhou com o Programa de Promoção de Oportunidades Socioeconómicas e Rurais em Santo Antão. Está agora na Hungria, a fazer um mestrado em Gestão de Água na Agricultura. Não tem dúvidas de que há investimentos importantes para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
“É necessário apostar na rega gota a gota. Foram projectos que deram bastante resultados nessas localidades, desde a diminuição do preço por tonelada de água, aumento da produção e entrada de mulheres e jovens na agricultura, porque passaram a ver a actividade como uma actividade produtiva”, sintetiza.
O técnico não acredita que o investimento em mais furos seja uma solução a longo prazo.
“Os agricultores têm de aproveitar o programa de subvenção do Ministério da Agricultura para continuar os investimentos na agricultura por gotejamento, para maximizar a água utilizada e melhorar a eficiência dos sistemas. Também é preciso apostar em culturas que conseguem aguentar melhor o stress hídrico, em técnicas que conservam a humidade do solo, aplicar a quantidade de água que a planta realmente necessita, evitar desperdício e evitar fazer irrigação em períodos em que há menos evapotranspiração, por exemplo”, avança.
O Governo prometeu recentemente medidas para aumentar a área irrigada, a produção agrícola e a segurança alimentar em Santo Antão. Numa visita recente à ilha, Carlos Santos, ministro do Turismo e Transportes, destacou o programa de mobilização de água de rega, financiado pela Hungria em 30 milhões de dólares.
“Apoio a todos os agricultores que queiram trazer novas práticas no que diz respeito à cobertura das suas culturas. Ou seja, aquilo a que chamamos de estufas, para se proteger das intempéries. Mas também temos um programa maior, que é financiado pelo governo da Hungria, que é de cerca de 30 milhões de euros, para aumentar a área agrícola. Vai ser implementado em Santiago e em Santo Antão, com o objectivo de aumentar a nossa produção e trazer a segurança alimentar”, comenta.
Cabo Verde fica localizado numa vasta região de clima árido e semiárido do continente africano, uma das áreas do globo mais impactadas pelas alterações climáticas. Uma das consequências é a redução do fluxo de água para a agricultura.
Esta reportagem foi originalmente produzida para a Rádio Morabeza, no âmbito do projecto Terra África, implementado pela CFI - Agência Francesa de Desenvolvimento dos Media.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1178 de 26 de Junho de 2024.