Brava: Diagnóstico aponta problemas, autarca quer ver lado positivo

PorAndré Amaral,7 set 2024 7:59

Cidade Nova Sintra - Ilha Brava
Cidade Nova Sintra - Ilha Brava

Relatório elaborado por uma técnica da Câmara Municipal de Oeiras (Portugal), a pedido da Câmara Municipal da Brava, destaca problemas como o abandono escolar ou a redução de população na ilha. Francisco Tavares, autarca da Brava defende que mais do que olhar para os aspectos negativos é necessário ver os aspectos positivos que o documento destaca.

O diagnóstico social encomendado pela Câmara Municipal da Brava faz o levantamento da situação da Ilha Brava quanto aos indicadores e percepções acerca do ciclo de vida ”dos seus habitantes“ e de acordo com as áreas de bem-estar (educação, saúde, acção social, agregados familiares, desporto, cultura e transportes), refere o documento.

Os dados recolhidos “indicam que a Ilha tem vindo a beneficiar de evoluções significativas na qualidade de vida, nomeadamente, no acesso à educação, ao apoio social, ao saneamento e a acessibilidades”, mas também destaca que essas melhorias “parecem não ter sido suficientes para levar a dinâmicas de crescimento populacional que se verificam no arquipélago, já que a Ilha Brava tem vindo a perder população consistentemente, com a pirâmide a estreitar nas faixas etárias jovens”.

Perda de população

“A Ilha parece estar a perder população a um ritmo próximo das 50 pessoas por ano e em muitos casos, trata-se de crianças e jovens que, supostamente, são chamadas para reagrupamento familiar”, destaca o documento.

Detalhando a análise, o relatório aponta que na área educativa, “os índices de reprovação e abandono são muito elevados e afectam 1 em cada 5 crianças no ensino básico e 3 em cada 10 jovens no ensino secundário” com “quase metade dos jovens entre os 15 e os 19 anos” fora do ensino regular. O “acesso ao ensino superior é muito dificultado pelas condições financeiras necessárias e pela pobreza que atravessa a Ilha – apesar de o município apoiar 54 jovens em frequência de licenciaturas”.

Desemprego jovem

Para além disso, adianta o documento, os jovens parecem ter poucas oportunidades de emprego e a percepção dos participantes no estudo “é de que o número de comportamentos delinquentes tem aumentado, devido à escassez de oportunidades e actividades destinadas aos jovens”.

“Emerge, ainda, a problemática da protecção da criança, já que os participantes apontam riscos sérios e não acompanhados de abusos, em função de posições de poder dos adultos para com as crianças. Esta situação pode estar a ser agravada pela carência de actividades para crianças, particularmente no período de férias lectivas, dado o menor acompanhamento das crianças por terceiros”, acrescenta o relatório.

Outro elemento que coloca as crianças e jovens em risco, “parece ser a emigração, já que os bravenses que decidem procurar uma vida nova, no estrangeiro, Estados Unidos da América, por exemplo, deixam os filhos ao cuidado de terceiro (o que os coloca em risco)”, lê-se no documento que adianta que isso acaba por ter reflexos no aproveitamento escolar uma vez que “quando as crianças e jovens sentem possibilidades de se reunir com os seus pais, actuam perante essa expectativa por abandono (físico ou psicológico) da frequência escolar, uma vez que julgam que, em breve, cessarão os estudos na Ilha – o que, na realidade, pode demorar vários anos”.

(In)segurança

O documento aponta também que os bravenses “gostam da segurança da Ilha e da paz que se vive”. No entanto, “consideram que as situações de abuso de crianças e jovens, de delinquência, de machismo e de consumo de álcool e de outras substâncias aditivas são normalizadas ou estão a aumentar, não existindo por parte das autoridades responsáveis uma actuação de vigilância, controlo e cuidado”.

Para os inquiridos neste inquérito há uma ligação entre estes riscos e a “ausência de investimento nas áreas que podem colocar as pessoas e gerações em interacção saudável. Assim, o acesso ao desporto é escasso e o número de actividades culturais é, igualmente, diminuto, ora por falta de apoio, ora por ausência de associativismo. Apesar destas carências, os participantes reconhecem que a Ilha tem potencialidades tradicionais, o que deveria ser um ponto de construção social”.

PIB da ilha diminui

Além de um olhar sobre os problemas sociais que afectam a Brava, o documento também se debruça sobre a diminuição dos rendimentos.

O “Produto Interno Bruto da Ilha tem vindo a decrescer”, lê-se no relatório que especifica: “Em 2007 alcançava os 1.162 milhões de escudos; em 2012, os 1.244 milhões de escudos; e em 2017, os 1.271 milhões de escudos. Estimando-se o impacto inflacional desde 2012 até 2017, verifica-se que o Produto Interno Bruto de 2007 corresponderia a 1.430 milhões de escudos em 2017, o que aponta para a diminuição da capacidade produtiva na Ilha. Quanto ao Produto Interno Bruto per capita da Ilha Brava, em 2017 ele era de 227.817 Escudos, o segundo mais reduzido do arquipélago e quase 100.000 escudos abaixo da média nacional”.

Talvez por isso, adianta o relatório, a mais recente actualização do Cadastro Social Único “coloca 81% da população da Ilha Brava em grupos que correspondem a algum nível de pobreza, salientando-se que metade da população está situada no grupo 1 (que corresponde a maiores carências)”.

Uma situação que deixa os habitantes da ilha “dependentes de apoios sociais ou de remessas de familiares, porque não reúnem condições para enfrentar os problemas do dia-a-dia”.

Ver o lado positivo

Francisco Tavares, presidente da Câmara Municipal da Brava, em declarações ao Expresso das Ilhas defende, por sua vez, que é preciso olhar para os pontos positivos do relatório.

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Francisco Tavares - Presidente da Câmara Municipal da Brava

“Quem ouve o que tem passado na comunicação social pensa numa Brava, numa ilha, numa sociedade, num total caos, numa catástrofe. Mas, não, o diagnóstico também traz dados muito positivos e outros até em que somos o primeiro classificado a nível nacional.”, começa por responder o autarca.

Olhando para os dados Francisco Tavares refere que estes são ainda preliminares e que a autarquia já identificou alguns “que precisam de correcção para maior exactidão e análise”.

O autarca exemplifica esta menor exactidão com o caso dos resultados no ensino. “Por exemplo, o Ministério da Educação acaba de me informar que a taxa de reprovação, que foi avançada, é a taxa de reprovação que aconteceu no ano lectivo 2022-2023, mas para apenas um ano escolar, para o quarto ano. Não é o todo da Brava com 30% ou 20% de reprovações e abandono”.

Ainda relativamente ao ensino, Francisco Tavares diz que a autarquia vai trabalhar para “motivar as pessoas enquanto esperam pela emigração” a manterem os seus filhos e educandos no sistema de ensino.

“Olhe, por exemplo, um dado muito curioso. Essa taxa de abandono escolar e de reprovações na Brava, é quase um paradoxo. Como é possível numa ilha onde o governo através da FICASE e a Câmara Municipal garante transporte escolar 100% gratuito. Qualquer aluno da Brava tem transporte escolar gratuito. Numa ilha com esta dimensão nós temos alugados sete viaturas para transporte escolar e a Câmara Municipal tem mais 3 autocarros para transporte escolar. E é gratuito desde 2013. A FICASE, a Câmara Municipal, as associações de emigrantes da Brava fornecem materiais escolares para qualquer família carenciada aqui na Brava que queira manter os filhos na escola”, reforça o autarca.

Falta mão-de-obra

Quanto ao emprego, Francisco Tavares defende que ele existe, o que falta é mão-de-obra. “Neste momento, a Brava tem obras em curso e não tem mão-de-obra. As pessoas procuram mão-de-obra para agricultura, para pesca e não há mão-de-obra, porque muita gente prefere não trabalhar. O estudo também demonstra isso”.

Electricidade

Outro problema que o estudo identifica, e que Francisco Tavares nega, é o do fornecimento de electricidade.

“Aqui os dados precisam ser corrigidos”, assegura o autarca que explica: “Acho que foram os primeiros dados a serem recolhidos, em finais de 2023, quando nós realmente vivenciávamos dois meses com problemas de cortes de energia, mas, no entanto, em Junho desse ano, o governo, através da ELECTRA, fez um forte investimento e a Brava, neste momento, tem uma capacidade instalada que é o triplo do seu máximo de consumo de electricidade. Ou seja, a Brava, neste momento, sem margens para dúvidas, está em linha com a melhor situação em termos de fornecimento e distribuição de energia”.

Habitação

Outro aspecto positivo que Francisco Tavares opta por destacar é o da habitação. “Não há famílias a viver em barracas aqui na Brava. Não há um ser humano a viver na rua. Não há crianças de ou na rua”, orgulha-se.

Cadastro Social

Único e remessas

Quanto ao facto de o relatório dar destaque ao facto que 81% da população da Brava está inscrita nos níveis 1 e 2 do Cadastro Social Único o autarca defende que “estes dados precisam de reconfirmação”.

“Provavelmente, até o Cadastro Social em si precisa de alguma revisão”, defende.

Para Francisco Tavares o que provavelmente está a acontecer é que os inquiridos pela autora do documento não passaram “todas as informações aos inquiridores para realmente se qualificar e classificar bem as famílias. Mas, uma possibilidade pode ser as pessoas que não avançam os dados concretos das remessas que recebem dos seus familiares que estão, por exemplo, nos Estados Unidos, e que se reflectem na sua qualidade de vida”.

O autarca exemplifica: “Se tem um chefe de família que preferiu não trabalhar porque com as remessas que recebe, é possível sustentar a família, e acaba estando inactivo em relação ao emprego, ao ser inquirido para se analisar bem e enquadrar em termos de Cadastro Social, acaba por aparecer num grupo 2 ou 1 e isso depois acaba por desvirtuar as coisas, não é? Dar uma impressão errada da ilha”. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1188 de 4 de Setembro de 2024.

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Autoria:André Amaral,7 set 2024 7:59

Editado porSara Almeida  em  16 set 2024 13:21

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