Nem o Ministério da Educação nem os sindicatos divulgaram números da adesão à paralisação de dois dias.
Neusa Sanches, docente e representante dos professores no Liceu Domingos Ramos, no Plateau, centro histórico da cidade, juntou-se a 12 colegas, alguns trajados de preto, e iniciaram o dia em frente ao edifício para “mostrar insatisfação".
Sem números, reconheceu, em declarações à Lusa, que a adesão não é unânime e a escola está aberta, com aulas a decorrer.
Na Escola Regina Silva, na zona de Achadinha, uma aluna do 10.º ano de escolaridade contou que muitos alunos não apareceram: "Na minha sala havia apenas 10 colegas, muitos disseram ontem que, por causa da greve, não vinham", apontou.
Uma outra aluna do 11.º ano confirmou o cenário: "Na nossa turma tivemos aulas normalmente e muitos alunos não vieram", mais de metade, disse.
Lorena Gomes, professora há 22 anos na Escola Secundária Pedro Gomes, no bairro da Achada Santo António e em representação dos colegas daquele estabelecimento de ensino, descreveu a adesão como "muito fraca", dizendo que muitos docentes temem represálias.
"Muita coisa aconteceu na primeira greve”, em Novembro de 2023, justificou, numa alusão a pressões e “desmotivação”, por causa da “insistência radical do Governo" no novo plano de carreiras.
Jorge Cardoso, presidente do Sindicato Nacional dos Professores (Sindep), falou também de um ambiente de "pressão enorme, de intimidação", numa altura em que “muitos professores estão a receber horários”, por ser a semana de arranque do ano letivo.
“Participando na greve, podem ser prejudicados na distribuição desses horários", acrescentou, reiterando queixas de falta de diálogo: o Governo "está a mostrar ser mais radical que todos os que Cabo Verde já teve desde a abertura política".
O dirigente sindical disse também não ter dados sobre a adesão, referindo que “muitos professores optaram pela ausência, não comparecerem nas escolas, mas outros estão a leccionar de forma normal".
A Lusa contactou o Ministério da Educação, que remeteu declarações para mais tarde.
Abraão Borges, presidente do Sindicato de Professores da Ilha de Santiago (Siprofis), juntou-se ao Sindicato Democrático de Professores (Sindprof) e Sindep, reunindo cerca de 35 professores em frente à Escola Secundária Abílio Duarte, no bairro do Palmarejo.
Admitiu que a greve de dois dias até pode ser cancelada, caso o Governo apresente um despacho a definir “o subsídio por não-redução de carga horária, conforme prometeu”.
Mas essa é apenas uma das reivindicações: "Nós queremos que [o Governo] se sente à mesa, que se discuta um estatuto", apontou o sindicalista, avançando que está a ser preparada uma manifestação nacional para o Dia Mundial do Professor, a 05 de Outubro.
Em causa está a equiparação da classe, em vários aspectos, à administração pública, com um Plano de Carreiras, Funções e Remunerações (PCFR), ao passo que os sindicatos reclamam a manutenção de um estatuto da classe docente, tal como acontece com outras profissões, como os médicos.
Na cerimónia de arranque do ano lectivo, na segunda-feira, o primeiro-ministro de Cabo Verde recordou as inúmeras rondas negociais realizadas e pediu aos sindicatos que tenham uma "noção dos limites" da despesa pública.
Em Agosto, o Presidente da República, José Maria Neves, vetou a proposta de PCFR, mas o Governo já anunciou que a vai submeter novamente à Assembleia Nacional, onde a bancada MpD tem maioria.
O Sindprof admite tentar recorrer ao Tribunal Constitucional, caso a proposta de lei passe sem apoio do resto do parlamento.
Geve bem pensada
Em declarações à Inforpress, o sindicalista Jorge Cardoso disse que foi uma greve “muito importante”, tendo-se atingido “de facto” o objectivo face à sua realização.
“Foi uma greve bem pensada, os professores responderam à altura, tendo alguns optado pela ausência, mas o período de manhã foi bem, aguardamos agora o segundo período”, disse, sem, contudo, falar em percentagens.
Em causa, segundo os sindicatos, o incumprimento dos compromissos assumidos sobre a resolução das pendências, publicação e pagamentos dos subsídios pela não redução da carga horária, a não disponibilidade de negociação para a revisão do estatuto da carreira do pessoal docente, depois do veto presidencial da proposta do decreto-lei que aprova o Plano de Carreiras, Funções e Remunerações (PCFR) para a classe docente.
“A nível nacional, consideramos que houve uma boa adesão da greve. Temos escolas que aderiram a 100%, professores que se posicionaram, enquanto outros optaram pela ausência”, esclareceu o sindicalista, analisando que não fosse o “medo de retaliação e intimidação” a adesão poderia ser maior, dando-se, entretanto, por satisfeito com a movimentação grevista deste primeiro dia.
“Nós temos um ministério [da Educação] cheio de comissários políticos. Alguns professores sentem-se, de uma certa forma, intimidados com a atitude do ministério. Se o Governo continuar desta forma, a insultar e a não respeitar os professores, iremos preparar para fazer o congelamento geral de notas. Será o último recurso a ser utilizado pela classe docente. E a responsabilidade é do Governo”, avisou.
Perante a questão dos descontos nos salários que, em certa medida, penalizam as pessoas em situação de greve, Jorge Cardoso disse que a greve é um sacrifício, o último recurso utilizado pelos trabalhadores para se atingir os objectivos.
“Em toda parte. Porque, para se atingir os objectivos tem que haver sacrifício. Caso contrário, não teríamos um país hoje independente, não teríamos hoje um país com democracia instalada. A luta é assim”, ilustrou o sindicalista.
Avançou, para terminar, que no Dia Internacional dos Professores, 05 de Outubro, os sindicatos vão promover uma manifestação geral a nível do país, pelo que encoraja os professores a não se sentirem intimidados.
“Porque a razão está do nosso lado. Continuaremos a dar cartão vermelho a esse Governo radical, prepotente, que está a marimbar na classe docente. Os sindicatos e os professores terão, também, de ser radicais”, completou.