​Sindicatos alertam para incertezas ante o início do novo ano lectivo

PorEdisângela Tavares,14 set 2024 9:00

O veto do Presidente da República, José Maria Neves, ao Plano de Carreiras, Funções e Remunerações (PCFR) do pessoal docente, aprovado pelo Governo, foi recebido com satisfação pelos principais sindicatos de professores em Cabo Verde. Considerando a decisão um passo importante para a defesa dos direitos da classe, os sindicatos manifestaram preocupação com o rumo das negociações e alertaram para a possibilidade de uma greve iminente, caso o Governo não apresente uma proposta que atenda às suas reivindicações

“Governo falhou ao ignorar a especificidade da carreira docente” – SINDEP

Em conferência de imprensa realizada na sexta-feira, dia 6 de Setembro, o presidente do Sindicato Nacional dos Professores (SINDEP), Jorge Cardoso, criticou duramente o Governo pela tentativa de “impor” o PCFR aos professores, sem respeitar as leis específicas da carreira docente. Segundo Cardoso, o executivo falhou ao não envolver as organizações sindicais nas negociações para a criação de um estatuto próprio para os professores, optando, em vez disso, por aplicar uma lei geral da administração pública.

“O Governo está a tentar forçar os professores a aceitarem um plano que não se adequa à nossa realidade. Há leis específicas para os docentes, e é isso que queremos que seja respeitado. A Lei de Base do Sistema Educativo, as recomendações da UNESCO e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que Cabo Verde ratificou em 1997, são claras: os professores devem ter um estatuto próprio”, declarou.

O líder sindical sublinhou que o PCFR, como está concebido, ignora a especificidade da profissão docente e desvaloriza a classe ao equipará-la a outras carreiras da administração pública sem as mesmas particularidades. “Outras profissões, como médicos e enfermeiros, têm estatutos próprios que reconhecem as suas particularidades. Pergunto ao Governo: por que é que os professores são tratados de forma diferente?” questionou.

Durante a conferência, Jorge Cardoso destacou ainda que o veto do Presidente da República não deve ser visto como um ataque ao Governo, mas sim como um sinal de que é necessário rever o processo de elaboração do PCFR. “O verdadeiro golpe não é do Presidente da República, mas sim do Governo contra os professores e todas as classes profissionais com estatutos especiais. Nós, professores, queremos ser parte da solução, não do problema. Mas, para isso, o Governo tem que estar disposto a nos ouvir e a reconhecer a especificidade da nossa carreira.”

Ameaça de greve

O líder sindical não descartou a possibilidade de uma greve caso o Governo não se disponha a negociar de boa-fé. O presidente do Sindep destacou que os professores estão cansados de esperar por um reconhecimento que não vem e que a classe está preparada para iniciar uma greve já na semana que antecede o arranque do ano lectivo, o que poderá ter impactos significativos no início das aulas, previsto para 16 de Setembro.

“Estamos preparados para iniciar uma greve já na próxima semana se o Governo continuar com esta atitude intransigente. Esta greve pode ser de longa duração e terá impactos significativos no início do ano lectivo. Os professores estão cansados de esperar por um reconhecimento que não vem,” advertiu.

“Professores merecem respeito e condições dignas” – SINDPROF

O Sindicato Democrático dos Professores (SINDPROF), representado pela sua presidente Lígia Herbert, partilhou uma visão semelhante, criticando o Governo pela falta de diálogo e pela tentativa de enquadrar os professores no PCFR. Para Herbert, o veto do Presidente é uma vitória para os professores, que há muito lutam por condições de trabalho dignas e pelo reconhecimento da especificidade da sua carreira.

“O Governo precisa entender que a educação é um pilar fundamental da sociedade. Não se pode tratar os professores com desdém e esperar que a qualidade da educação melhore. É preciso respeitar as especificidades da profissão docente e criar um estatuto que reconheça isso,” afirmou.

Em reacção ao veto do Presidente da República ao PCFR, Lígia Herbert declarou que o parecer do Sindprof já solicitava o veto para que houvesse um retorno às negociações, uma vez que o PCFR não trouxe melhorias significativas para a classe.

“Era o esperado, o esperável. O parecer do Sindprof já solicitava isso, que houvesse veto, para que se voltasse novamente à mesa para as negociações. Porque o PCFR não trouxe nada de novo à classe, nós não estamos a falar somente da remuneração, mas também de outros requisitos para o desenvolvimento da carreira que não foram respeitados.”

Lígia Herbert apontou que o PCFR fazia referência a leis obsoletas e não acomodava de forma adequada as preocupações dos sindicatos e que há inconsistências nas propostas salariais do Governo.

“As expectativas sempre foram de um aumento de 36%, equivalente a 107.671 escudos, mas as medidas anunciadas ficaram aquém do esperado. Na verdade, os sindicatos e os professores sempre tiveram em mente os 107.671 escudos, que eram os 36%, o tão badalado 36%, mas, entretanto, o Governo falou durante muito tempo em 36%, e quando chegou à altura de atribuir uma remuneração melhor ao PCFR, o PCFR não falou em 36%.”

Além das questões salariais, Herbert ressaltou problemas estruturais na progressão da carreira dos professores, que permanecem estagnados.

“Determinados aspectos do PCFR não atendem plenamente às expectativas da classe docente” – SIPROFIS

Em declarações ao Expresso das Ilhas, o presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Secundário e Superior (SIPROFIS), Abraão Borges, sublinhou que analisou cuidadosamente o veto presidencial, reconhecendo que “o veto geralmente ocorre quando um projecto é considerado inconstitucional ou contrário ao interesse público.”

“No que diz respeito ao PCFR, embora reconheça pontos positivos, como a melhoria salarial e a manutenção da idade de reforma, a organização acredita que determinados aspectos não atendem plenamente às expectativas da classe docente, especialmente no que se refere ao enquadramento de professores com mestrado e doutoramento. Durante os diversos encontros com o Ministério da Educação, o Siprofis sempre defendeu a implementação de normativos que garantam o reenquadramento dos professores após a conclusão de formações, como licenciatura, mestrado e doutorado. Nesse sentido, o sindicato considera que o documento enviado ao Presidente da República precisa de melhorias, principalmente nesses pontos”.

Outro especto apontado por Abraão Borges é a necessidade de ajuste, pois no seu entender o PCFR oferece “poucas oportunidades de promoção, limitando-se ao desenvolvimento horizontal por meio do Grupo de Enquadramento Funcional 5 (GEF5), o que bloqueia a progressão vertical na carreira. Além disso, o aumento salarial proposto para mudanças dentro de GEF5, é de apenas 2.000$00, considerado insuficiente, pois depende de um processo demorado de acumulação de créditos. Portanto, o SIPROFIS defende que o PCFR deve ser revisto para proporcionar melhores condições de progressão e valorização da carreira docente, o que contribuirá para uma maior motivação da classe”.

Início do ano lectivo

Com o início do ano lectivo marcado para 16 de Setembro, uma greve dos professores poderá afectar seriamente o retorno às aulas e o normal funcionamento das escolas. Os sindicatos têm reforçado que a luta é por condições dignas e um reconhecimento justo, mas a situação actual coloca o sector educativo numa encruzilhada.

“O futuro das negociações dependerá da capacidade do Executivo de abrir um canal de diálogo verdadeiro, reconhecendo a importância e a especificidade dos profissionais da educação, garantindo um ambiente de trabalho que reflicta o valor que os professores têm para o desenvolvimento do país,” afirmou Jorge Cardoso.

Em relação às expectativas para o novo ano lectivo, a líder do SINPROF, Lígia Herbert, destacou que a resolução das pendências pode levar a uma abertura serena do ano escolar, mas alertou para possíveis sobressaltos caso as demandas não sejam atendidas.

“Devemos dizer que tudo está de um lado ou doutro, não é? A resolução das pendências pode levar a uma abertura do ano lectivo calma, serena, mas também uma decisão contrária, arbitrária, como temos estado a assistir, pode levar a uma abertura com sobressaltos.”

A presidente do Sindprof mencionou que, caso o PCFR seja reenviado sem alterações, poderá haver manifestações por parte dos professores. “Este PCFR, se voltar a ser enviado do jeito como está, do jeito como os professores não querem, haverá problemas com os professores. Já perderam o medo de dizer basta.”

Por seu turno, o Siprofis aponta que para o próximo ano lectivo esperam a continuidade de um diálogo construtivo com o Ministério da Educação, visando resolver rapidamente as pendências que afectam os professores, de modo a melhorar a motivação e o seu desempenho.

“A segurança nas escolas também é uma prioridade, e o Siprofis apoia a manutenção e expansão do programa “Escola Segura”, garantindo a protecção de alunos, professores e de toda a comunidade educativa. Além disso, o sindicato defende a inclusão total no sistema educativo, com a disponibilização de materiais didáticos, como manuais escolares do 1º ao 12º ano, a preços acessíveis, para que todos os alunos tenham condições adequadas de estudo”.

O Siprofis busca a melhoria das infraestruturas escolares, formação contínua de professores e espera que as escolas estejam prontas, sem falta de professores, com o governo resolvendo lacunas de forma eficaz.

O Siprofis destaca a ansiedade dos professores em Cabo Verde enquanto aguardam a melhoria salarial, o avanço na carreira e a regularização no quadro efectivo. O sindicato defende um estatuto próprio para a classe, semelhante ao dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para dignificar a profissão e eliminar a precariedade laboral.

Governo

O ministro da Educação, Amadeu Cruz, que falava à imprensa, na segunda-feira, 9 de Setembro, à margem da abertura da II Conferência Internacional sobre a Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), afirmou que o Governo aguarda a reapreciação do PCFR pelo Presidente da República, e que, assim, tomará novas decisões com base nessa avaliação. Amadeu Cruz enfatizou o compromisso do Governo em implementar o PCFR a partir de Janeiro de 2025, destacando o impacto financeiro dessa medida no Orçamento de Estado de 2025.

O ministro pediu “moderação e equilíbrio” na questão e manifestou preocupação com a possível greve dos sindicatos no início do próximo ano lectivo. O governante também pediu que a educação não seja usada para agendas não relacionadas à educação. O Presidente da República, José Maria Neves, havia vetado o decreto-lei, solicitando uma nova análise, mencionando “questões fracturantes” que têm gerado descontentamento e greves entre os sindicatos dos professores.   

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1189 de 11 de Setembro de 2024.

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Autoria:Edisângela Tavares,14 set 2024 9:00

Editado porAndre Amaral  em  20 set 2024 22:20

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