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«Foi-me submetido, para efeitos de ratificação, depois de aprovado devidamente pela Assembleia Nacional, o acordo entre a República de Cabo Verde e os Estados Unidos da América, mais conhecido por Status Of Forces Agreement (SOFA), instrumento que estabelece o quadro legal de suporte à cooperação em matéria de defesa e segurança, duas preocupações essenciais do Estado de Cabo Verde, particularmente nos tempos relativamente conturbados que o mundo global vem atravessando.
Estou absolutamente convicto de que, de uma forma geral, a grande maioria da população cabo-verdiana sabe reconhecer a essencialidade de uma matéria como a defesa e a segurança de Cabo Verde, especialmente na sua condição de um país arquipelágico e com um vasto território marítimo, na encruzilhada de vários continentes. Se é certo que a posição geográfica de Cabo Verde, pela proximidade às várias regiões do mundo, lhe confere especiais vantagens, também não é menos verdade que essa proximidade impõe cuidados acrescidos pela exposição do país a alguns perigos que infelizmente têm assolado o nosso século, de entre eles a pirataria marítima, o terrorismo, o tráfico humano e o tráfico de estupefacientes, o contrabando. Razões que importam o estabelecimento de relações de cooperação e de parceria com países amigos.
No entanto, bem cedo no SOFA se pôde verificar que existia uma cláusula que, não sendo nova no nosso ordenamento jurídico e existindo em convenções estabelecidas entre países democráticos outros, provavelmente seria objeto de alguma polémica, por implicar o reconhecimento de uma posição de transferência de jurisdição criminal à contraparte por eventuais ilícitos cometidos pelos seus agentes em território cabo-verdiano. Não obstante todas as cautelas e garantias clausuladas, de sorte a que Cabo Verde possa assegurar que a violação das suas normas não ficará impune em caso de desconformidade da conduta em relação ao direito nacional, ainda assim era quase certo que a solução não seria pacífica.
Não o sendo, contudo, entendo que a dissonância em matérias de relevante interesse nacional é normal, pode até ser salutar e é a demonstração da vitalidade da nossa democracia e da crescente afirmação da sociedade civil no debate político. Por isso, a voz crítica da sociedade civil é claramente um sério fator de ponderação nas decisões públicas em qualquer regime verdadeiramente democrático.
O caminho mais fácil, mais cómodo, recomendava o envio do Acordo para o Tribunal Constitucional, agindo depois o Presidente da República em conformidade com a decisão que fosse adotada nos termos prescritos na Constituição. Mas o Chefe de Estado não pode – não deve! – escolher o caminho mais fácil, mas apenas aquele que resulta da autónoma e a mais completa possível ponderação que faz, serena e objetivamente, do conteúdo da matéria, do contexto e de todas as circunstâncias relevantes.
Em consciência, enquanto Presidente da República, não vislumbrei no Acordo qualquer matéria que me tenha suscitado fundadas dúvidas sobre a sua constitucionalidade. No modo como tenho encarado e exercido a função presidencial durante estes seis anos de mandato, tivesse eu qualquer dúvida séria e razoável sobre a constitucionalidade do Acordo ou de suas normas, impor-se-me-ia a obrigação de o remeter ao exame do Tribunal Constitucional, como tenho feito, não poucas vezes, ao longo dos meus mandatos presidenciais . Mas devo realçar que uma coisa é o reconhecimento, mais ou menos profundo, de que uma dada solução possa ser geradora de polémica e atrair múltiplas vozes dissonantes, coisa completamente diversa é a probabilidade de ela conflituar com normas constitucionais da República de Cabo Verde.
Também, enquanto Presidente da República, não posso deixar de valorizar a necessidade de Cabo Verde se fazer ouvir no plano externo a uma só voz, particularmente quando se trata de questões de elevado interesse nacional, a não ser em situações bem determinadas ou extraordinárias, em casos-limite que bem podem acontecer.
E, por isso, também, faz todo o sentido - não obstante a diversidade de papéis e até de perspetivas diferenciadas que muitas vezes são ditadas pela posição de cada ator político no sistema - a procura de uma cada vez mais e melhor articulação no quadro do nosso sistema político e de governo, não para a sobrevalorização ou subvalorização destas ou daquelas funções, ao cabo e ao resto todas elas igualmente importantes e, de forma clara, definidas pela Lei Fundamental, mas tão simplesmente para a potenciação da posição de Cabo Verde, como um todo empenhado em soluções que acrescentem ainda mais valores ao seu processo de desenvolvimento.A procura, quanto mais cedo melhor, de um alinhamento institucional para potenciar a expressão externa do país, é uma incontornável necessidade de Cabo Verde, aconselhável, sobretudo por motivos desenhados e ditados pelo nosso figurino constitucional.
Finalmente é importante ter em consideração que qualquer Acordo que vincule o Estado de Cabo Verde é, isso mesmo, um Acordo, uma decisão conjunta de Estados soberanos e, consequentemente, susceptível de ser sempre criteriosamente reavaliado na sua execução, medindo-se os seus impactos eventualmente menos positivos ou até mesmo negativos, e, se for caso, disso, aproveitar os seus próprios termos clausulares e propor os ajustamentos que se mostrarem necessários, de sorte a salvaguardar sempre, e em primeira linha, os interesses do país.
São essas razões que me levam a ratificar o acordo entre a República de Cabo Verde e os Estados Unidos da América, mais conhecido por Status Of Forces Agreement (SOFA).»