Ao anunciar a ratificação do SOFA, Jorge Carlos Fonseca afirmou não ter encontrado qualquer indício de inconstitucionalidade no documento, apesar de reconhecer que algumas disposições são susceptíveis de gerar diferentes pontos de vista, numa alusão particular à norma que prevê que os militares americanos que cometam um crime em território nacional fiquem sob alçada da justiça militar do seu país.
“Em consciência, não vislumbrei no acordo qualquer matéria que me tenha suscitado duvidas fundadas sobre a sua constitucionalidade", comentou.
Jorge Carlos Fonseca, que nunca escondeu desconforto pelo facto de não ter sido envolvido no processo negocial que levou à assinatura do acordo militar, recuperou também a ideia de ter Cabo Verde a falar a uma só voz.
"Faz todo o sentido, não obstante a diversidade de papeis e de perspectivas diferenciadas, ditadas por cada actor político no sistema, a procura de uma cada vez maior e melhor articulação”, observou.
Abrindo a porta a uma possível renegociação futura do entendimento, o Presidente da República recordou que "qualquer acordo que vincule o estado de Cabo Verde é isso mesmo, um acordo, e por isso susceptível de ser reavaliado”.
A decisão do Presidente coloca um ponto final num impasse que dura há vários meses.
O SOFA foi assinado há um ano, em Setembro de 2017, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, mas só neste verão deu que falar.
O Expresso das Ilhas revelou em Julho que Cabo Verde aceitou todas as exigências americanas e que a versão final do documento é igual ao rascunho proposto pelos Estados Unidos, algo que o Governo considera que "não corresponde à verdade".
Levado ao Parlamento dias antes, o acordo havia sido aprovado pelos partidos políticos, com os votos favoráveis do MpD e a abstenção de PAICV e UCID.
Apesar da abstenção no Parlamento, o PAICV posicionou-se publicamente contra o acordo, sugerindo que este viola a Constituição. O maior partido da oposição desafiou Jorge Carlos Fonseca a pedir a fiscalização ao Tribunal Constitucional, algo que o Presidente negou fazer.
O Chefe de Estado nunca escondeu desconforto pela forma como o processo foi conduzido, lamentando não ter sido consultado. Numa entrevista recente ao Expresso das Ilhas, afirmou mesmo que conheceu "o SOFA depois de assinado", o que originou um desmentido pelo ministro da Defesa, Luís Filipe Tavares, levando a questionamentos sobre a relação entre o Presidente e o Governo. O Primeiro-Ministro, Ulisses Correia e Silva, foi mesmo obrigado a vir a público garantir a normalidade dessa relação.
Outro ponto polémico resulta do artigo 12º, através do qual Cabo Verde e Estados Unidos “renunciam a todas e quaisquer demandas entre si por danos, perda ou destruição de propriedade da outra parte, ou por lesão ou morte de pessoal das forças armadas ou pessoal civil de qualquer das partes, decorrentes do desempenho das suas funções oficiais”, ao abrigo do acordo.
Os acordos internacionais rubricados pelo Estado não carecem de promulgação pelo Presidente da República, que conserva, contudo, um poder decisivo: de ratificação ou não dos documentos, sem qualquer prazo para tomar uma decisão.
Os EUA têm acordos SOFA assinados com mais de uma centena de países. Membros da NATO ou outros aliados, como a Austrália ou Israel, estão entre os signatários.