Ulisses Correia e Silva: “Estar na política é uma missão de serviço ao país, o partido é apenas um instrumento”

PorJorge Montezinho,7 mar 2020 7:32

Depois de ter reeleito Ulisses Correia e Silva como presidente do MpD, o Movimento para a Democracia vai realizar a XII Convenção Nacional, entre os dias 6 e 7 deste mês, para eleger os órgãos do partido. A moção que vai apresentar, os ciclos políticos que se aproximam, os discursos populistas e a oposição, são alguns dos temas desta entrevista do líder do MpD, e actual Primeiro-Ministro, ao Expresso das Ilhas.

Foi reeleito por 58,4% dos militantes inscritos. Acha que é uma boa participação ou gostava de ter visto mais militantes a votar?

É uma boa participação, tendo em conta o histórico e a forma como os militantes se expressam nas eleições internas, particularmente, tendo em conta o contexto de candidato único. Por isso, penso que a participação é boa, não só o nível daqueles que foram votar, no país e na diáspora, mas também a vontade em escolher o candidato foi muito evidente e muito clara.

Como analisa o facto de tanto o MpD como o PAICV terem apresentado candidatos únicos às lideranças dos respectivos partidos?

No nosso caso é extremamente compreensível, ganhámos as eleições em 2016, temos um projecto para o país e um mandato para cumprir, o governo tem apresentado resultados, é normal que a confiança seja reforçada e reiterada no presidente actual do partido, que é também o Primeiro-Ministro. No caso do PAICV, eles lá saberão as suas razões, portanto, não interfiro. Sei que houve uma candidatura que se apresentou, mas que acabou por não ir até ao fim.

Mas não acha importante a existência de um debate interno? No caso do MpD, é a terceira eleição a que vai sozinho.

Nós fazemos os debates. A convenção vai ser um grande momento, mas também temos órgãos que funcionam, quer a nível concelhio quer a nível nacional, cada vez mais queremos um partido aberto à cidadania. Este quadro de debate, principalmente com a sociedade, existe, queremos reforçá-lo e vai ser, inclusive, uma das recomendações da convenção, o MpD enquanto líder dos grandes temas da sociedade, da política, da economia do país e do seu futuro.

Mas já têm havido vários encontros dentro dessas temáticas, acha que não são suficientes?

Podemos fazer mais e melhor. Temos de ganhar novamente a dinâmica que tivemos em 2015 e 2016, não só o governo, mas o partido também tem de expressar-se mais, tem de ter mais visibilidade social, tem de liderar os grandes debates. É evidente que estando no governo temos sempre complementaridades e uma é uma das soluções que vamos apresentar na convenção para estarmos na vanguarda dos grandes compromissos que temos para o país, falo da Agenda 20/30, os objectivos de desenvolvimento sustentável, que exigem um forte suporte político, mas exigem também um alargado debate nacional, mobilização social, porque os objectivos de desenvolvimento não se atingem com governos, atingem-se com a sociedade. Essa envolvente precisa de ser mais mobilizada para podermos passar da fase que o país vive, e há muito tempo, da sobrevivência para o desenvolvimento. É um passo grande e que temos de dar nos próximos tempos.

Tem um passado político de décadas, está à frente do MpD desde 2013, o que o motiva ainda neste momento?

O compromisso com o país. Estar na política, da maneira que entendo, é uma missão de serviço público e de serviço ao país, o partido é apenas um instrumento para que isso aconteça. Estando na oposição ou estando no governo, a motivação são os desafios e tendo desafios temos de fazer o que tem de ser feito, no nosso caso, governar, produzir resultados e elevar o país para uma perspectiva de longo prazo, o que é importante para conseguirmos atingir as metas do desenvolvimento.

A moção que vai levar à Convenção defende um Cabo Verde global, aberto ao mundo e resiliente. Quais considera os pontos principais em relação a estas questões?

Um país aberto ao mundo consegue-se reforçando o que já fazemos e aquilo que Cabo Verde é, um país que nasceu aberto ao mundo, com uma identidade própria, com uma vasta diáspora, pequeno em tamanho e por isso só pode viabilizar a sua economia integrado na economia mundial. Essas são as constatações, mas há ainda um trabalho a fazer para que a atitude, a forma de ver o país e a forma de ver o mundo seja consonante. Quero dizer que ainda temos muitos combates que se verificam no campo político – e hoje com as redes sociais isso prolifera – que é pôr uma coisa contra a outra: nacional contra estrangeiro, público contra o privado, as elites contra o povo, isto alimenta o ego dos que gostam de estar nos extremos e alimenta algumas intenções políticas, mas não leva a desenvolvimento nenhum. E a verdade é que temos de nos abrir cada vez mais ao mundo, integrar-nos mais, com funções económicas, com acesso a conhecimento, a tecnologia, à capacitação dos nossos recursos humanos, transportes, etc. E temos de preparar o país para ser cada vez mais resiliente, fazer face aos choques externos de natureza ambiental – e por isso estamos a investir, por exemplo, numa agricultura cada vez menos dependente das chuvas – face aos combustíveis fósseis, para que possamos dar a Cabo Verde uma solução para um problema existencial, o problema do país face à natureza é existencial e precisamos de pôr o país mais forte face a estas questões cíclicas. São desafios que estão ao nosso alcance.

Em 2016 disse que os desafios eram grandes. Quatro anos depois, é mais fácil governar o país?

É mais fácil e as tendências são melhores. Encontrámos um país com um super endividamento, e isso faz com que haja menos crédito e mais pressão para pagar, e tivemos de conter e colocar a dívida em trajectória descendente, isso aumentou a confiança e gerou mais disponibilidade de financiamento para a economia e para as empresas. Apanhámos uma estagnação económica longa, não foi 1% num ano, foi 1% em seis anos seguidos, e estagnação económica num país que cresce 1,5% ao ano quer dizer que estamos a gerar riqueza abaixo do aumento da população e isso significa pobreza. Invertemos essa tendência, cinco vezes mais, e isso, por mais que a oposição não o queira ver, representa mais oportunidade de emprego – e o emprego está a crescer, se bem que não ainda ao nível que queremos – injecta mais dinheiro na economia, traz mais rendimentos, aumenta o consumo. Além disso, temos políticas activas de emprego e inclusão social. depois, temos também o desafio do equilíbrio regional, crescer, mas com maior dinamização do crescimento das ilhas. Há ainda uma ideia muito redistributiva no país, fomos durante muito tempo dependentes da ajuda externa, numa dinâmica de recebe lá fora distribui cá dentro, e hoje tem de ser totalmente diferente, tem de produzir cada vez mais cá dentro e produzir nas ilhas. Precisamos de criar essa nova perspectiva e fazer de cada uma das ilhas uma economia dinâmica. Penso que estamos nessa trajectória e creio que chegaremos lá.

Falou no crescimento económico, à volta dos 5% nos últimos três anos, mas falta a outra parte, como se vai melhorar a produtividade para que esse crescimento tenha impacto nas pessoas?

Primeiro, precisamos de crescer ainda mais, precisamos de chegar a médias superiores a 7%, que, está demonstrado, têm um impacto muito mais forte no emprego e na redução da pobreza. Segundo, fazer com que esse crescimento toque mais as ilhas e que cada uma possa ser um contribuinte no crescimento. Terceiro, fazer com que os factores que influenciam esse crescimento melhorem de forma significativa, estou a falar desde a produtividade da mão-de-obra, ao melhoramento das conectividades, à redução dos custos de factores, particularmente da energia. É um conjunto de intervenções que vai fazer com que tenhamos aumento da produtividade.

Há quatro anos houve muitos eleitores jovens que, desiludidos, deram o governo ao MpD. No contexto actual do país, acha que poderá haver nova inversão nestes votos?

Há instrumentos para medir, e temos, que nos mostram que há uma percepção clara entre os jovens que algo está a mudar. Não estamos no ponto de chegada e apresentámos um programa do governo para a legislatura e para a década. Há factores que só se produzem em períodos mais longos, mas há claramente hoje uma tendência no emprego, graças a políticas económicas e de promoção de emprego concretas, de formação e reconversão profissional, políticas de promoção e fomento do empreendedorismo, todos esses factores vão contribuir para resolver o problema maior da nossa juventude, que é o emprego. Havendo essa percepção que estamos no caminho certo, vendo para o lado que não há alternativas, aliás, temos uma oposição essencialmente negativista e pouco construtiva, que não apresenta soluções aos jovens para os fazer acreditar que são uma alternativa, porque criticar e falar mal é fácil, principalmente para quem esteve 15 anos a produzir os resultados que encontrámos. É por isso que não tenho dúvidas que estamos a responder cada vez mais às expectativas dos jovens.

Por falar em tempo, já disse que há reformas que terão efeito a curto e médio prazo e medidas estruturais que vão promover alterações a longo prazo, e os cidadãos, terão paciência para esperar?

Sim, acho que têm paciência essencialmente quando ganham confiança. Nem sequer é uma questão de paciência, os cidadãos cabo-verdianos conhecem este país, conhecem o percurso, são também resilientes, quando há confiança faz-se participando. Não se desenvolve um país apenas com o conceito de governo, quem está a ocupar cargos ministeriais ou quem está a ocupar cargos nos municípios, os cidadãos fazem parte, precisam de ambiente favorável, de instrumentos, de incentivos, de políticas e é essa a nossa missão.

Voltando à sua moção, diz que o novo ciclo eleitoral exige alinhamento, união, confiança e muita determinação para vencer. Teme um partido ‘aburguesado’ pela sucessão de vitórias anteriores?

Não, e não deve ter, nem essa tendência, nem essa tentação. Como sempre digo, é preciso evitar excessos de confiança, é preciso pragmatismo, fazer todas as leituras da avaliação da sociedade e é preciso que o partido esteja alinhado quanto aos seus propósitos, unido e focado, porque vamos ter três eleições sequenciais e queremos ganhar todas.

Eleições onde o fenómeno do populismo pode aparecer com mais força do que anteriormente?

O populismo está já no ar e sente-se na forma como as pessoas vendem facilidades, da forma como exploram determinadas vulnerabilidades, como as situações de pobreza. O populista é isso, não fala para o país, tenta explorar sentimentos até à exaustão com um único objectivo: poder.

E acha que o Parlamento, geralmente um dos alvos mais fáceis do populismo em qualquer parte do mundo, estará preparado para responder a um discurso mais radical?

Acho que ainda não entrámos num discurso radical, algumas das mensagens mais populistas actuais têm uma tentativa de arregimentar partes da sociedade, criar percepções e tentar tirar vantagens eleitorais.

Falando de eleições, o primeiro desafio é já este ano, as autárquicas, como é que o partido está a preparar-se?

Estamos a preparar as autárquicas desde Março do ano passado. Aprovámos o modelo de escolha dos candidatos, que é muito claro e facilita as decisões. Criámos uma comissão nacional de autárquicas. Criámos uma comissão nacional de apoio ao recenseamento. Vamos fechar a escolha dos candidatos, o mais tardar, este mês de Março e depois faremos uma grande convenção para apresentar os cabeças de lista a todos os concelhos do país.

Nessa escolha, os autarcas que exerceram este último mandato partem em vantagem?

O regulamento é claro, só não apoiamos o incumbente se ele não garantir a vitória nas eleições. Se tiver um nível alto de rejeição e pouca probabilidade de votos, nesse caso, não apoiamos e encontraremos soluções alternativas. Sendo um incumbente com bom desempenho, boa avaliação, com probabilidade de vencer, é claro que apoiamos.

18 câmaras em 22, com mais dois autarcas independentes próximos do MpD, acredita em repetir este resultado?

Nós dissemos que seria muito bom manter os 18 municípios e será excelente chegar aos 20. Claro que há várias dinâmicas a serem avaliadas, mas estaremos nessa bitola: 16/18/20 dentro do quadro que poderemos considerar bons resultados – bom, muito bom, excelente. Respectivamente.

Tem experiência autárquica, por isso, na sua percepção, acha que o MpD vai manter as grandes cidades: Praia e Mindelo?

Acho que sim. E devemos mantê-las. Temos resultados, queremos e vamos reforçar o desenvolvimento dessas cidades. E depois, há uma grande diferença em relação a todos os municípios, nós temos uma relação, uma atitude e políticas claras em relação à descentralização e às relações entre o governo e os municípios. O PAICV continua a navegar na mesma forma de funcionamento anterior, chamam aos autarcas delegados de governo, estão sempre em combate, sempre em guerra institucional e ninguém ganha com isso. Por isso, durante os 15 anos de governo do PAICV muitos municípios tiveram dificuldade em desenvolver-se por questões políticas partidárias. Nós somos muito claros, independentemente de quem esteja nos municípios o quadro institucional é de parceria e com consequências ao nível dos investimentos, de partilha, da gestão dos territórios, não deixar os municípios à sua sorte. O governo investe recursos para que os municípios tenham condições de participar, para podermos melhorar o território, na requalificação urbana, na requalificação ambiental, no saneamento, são investimentos pesados e que exigem uma participação conjunta. É isso que temos assumido e vamos continuar. O PAICV não consegue justificar porque quer ganhar os municípios. É para fazer guerra ao governo? Do nosso lado, as pessoas sabem qual é o nosso plano, qual é a atitude que temos com os municípios.

Depois teremos as presidenciais, o Dr. Carlos Veiga já demonstrou interesse, será o candidato apoiado pelo MpD?

Ainda é prematuro falar das presidenciais, para já estamos focados nas autárquicas e a seu tempo tomaremos uma posição relativamente às presidenciais.

Mas já apareceram depu­tados do MpD a declarar um apoio explícito ao Dr. Carlos Veiga, se houver outro candidato apoiado, não teme que aconteça o que aconteceu ao PAICV, divisões internas que perdu­raram no tempo?

Isso não vai acontecer no MpD. Sei que há alguns sectores do PAICV que têm essa expectativa, mas não vai acontecer, independente­mente de posições que possam haver, o MpD, os seus órgãos, hão-de decidir na altura certa.

Legislativas, maioria, sim ou não?

Claramente, nós entramos para ganhar e com maioria absoluta.

E se não tiver maioria?

Dificilmente em Cabo Verde terá um cenário em que não há maioria. O maior ganho que temos até agora no nosso sistema político é a estabilidade e a estabilidade garantida por um sistema político governativo que funciona. E precisamos, do nosso ponto de vista, de manter esse nível de estabilidade.

Uma última questão, qual vai ser a mensagem principal que vai levar à Convenção?

A grande mensagem é de reforçarmos a nossa confiança enquanto partido e estarmos focados para sermos mais fortes. Depois, o nosso compromisso com o país, temos um objectivo, queremos que o país atinja os objectivos de desenvolvimento sustentável e isto pressupõe alinhamento político, suporte político, liderança política e uma grande abertura à sociedade, uma grande mobilização, um grande comprometimento. É a nossa visão de um partido cada vez mais ao serviço do país. Estando na governação, temos de perspectivar não só o que vai acontecer em 2021, como em 2026 e em 2030, independentemente dos ciclos eleitorais. É nesse sentido que queremos mobilizar a sociedade.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 953 de 4 de Março de 2020. 

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Autoria:Jorge Montezinho,7 mar 2020 7:32

Editado porSara Almeida  em  1 dez 2020 23:21

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