O que destacaria em todo o processo que culminou no 13 de Janeiro?
O mais importante é que se entrou num processo de eleições de índole livre, e isso é um ganho, sem dúvida, importante. Era para isso que tínhamos lutado durante mais de 10 anos, numa luta diplomática para abrir o regime do partido único. Portanto, isso é, do meu ponto de vista, o mais importante.
Vocês acabaram depois por não conseguir concorrer, e apoiaram o MpD?
Isso é uma história longa. Em 88, eu convoquei um congresso extraordinário porque houve umas divergências com as quais eu não concordei. Um partido de inspiração cristã e da filosofia que eu pessoalmente defendia, não podia pactuar e, como dizia, convoquei o congresso extraordinário e afastei-me. O engenheiro John Wahnon, que era o primeiro secretário, substituiu-me na direcção do partido e quando se deu a abertura, veio para Cabo Verde. Mas não foi negociar com o governo. Foi negociar com o primo dele, o dr Carlos Veiga, que estava na altura ainda a tentar formar o MpD. Por causa disso, houve um congresso extraordinário, que me elegeu como 1º presidente do partido - essa figura não existia, o top era secretário geral. Eu vim para Cabo Verde, para organizar, na medida que o John não o tinha feito, mas eu tinha os meus compromissos profissionais, e só vim com a delegação em Novembro. Tivemos o processo [de recolha de assinaturas], tínhamos 700 e tal apoiantes, mas o Supremo foi cortando por opções que ... viu-se logo que não queriam que fizessemos parte dessa primeira eleição em Cabo Verde. Acabamos por ficar com menos de 500, o que já não dava. Mas paralelamente, e com medo disso, eu pedi na altura ao Presidente da Assembleia Nacional se podia meter uma petição para que a UCID fosse legalizada pela via histórica, como o PAICV tinha sido, porque nós tinhamos uma luta de mais de uma década, uma luta diplomática sem nunca ter beliscado a soberania nacional. Inclusive, Carlos Veiga era deputado nessa altura. Ele foi à tribuna dizer que não. Segundo o regimento de então tinha de ser aprovado por unanimidade, e ele foi o único que foi à tribuna tomar a palavra e dizer que não, que tinham de ser todos legalizados pela mesma via, mas esquecendo que o PAICV tinha sido legalizado pela via histórica.
O Lídio vivia na Alemanha e assistiu às movimentações históricas, nomeadamente a queda do Muro de Berlim. Qual acha que foi o peso dessas mudanças internacionais na abertura do regime?
Sempre vivi na Alemanha. Vivi na Holanda, quando nós começamos a fundar a UCID, a fazer os trabalhos, mais aos fins de semana, mas eu trabalhava num banco na Alemanha, não mudei a minha residência, só depois... quando eu fui praticamente forçado a aceitar a posição de presidente para vir tentar salvar a legalização [do partido] que infelizmente não consegui.
Mas teve [peso]. Uma das cartas que eu escrevi na qualidade de secretário geral da UCID na altura, em 85/86 se a memória não me falha, depois do último congresso do PAICV, dessa aprovação do último governo do partido, dizia isso. Escrevi ao presidente da República na verdade, mas na qualidade de secretário geral que ele era do PAICV, porque tínhamos que abrir os olhos. Eles tinham que dar a abertura e nós estávamos disponíveis para negociar secretamente, eles depois é que nos convidariam para uma reunião secreta onde eles quisessem.
Isso não chegou a acontecer?
Não chegou a acontecer... Eu sabia que a República Democrática Alemã, que era a de leste, estava na falência. Como estava ligado aos meus partidos, ao partido democrata cristão e social cristão, que na altura até estavam no poder com o dr Helmut Kohl, eu tinha todas as informações de que aquilo ia cair. E por inerência - e eu disse isso na carta ao sr PR Aristides Pereira na qualidade de secretário geral do PAICV- , por arrastamento, as repúblicas soviéticas iam desmoronar também. Foi dito e feito, pena não ter na altura acertado no euromilhões, mas eles não reagiram... mas atenção, como disse nós durante o sistema de partido único, fizemos um trabalho diplomático, desde o Vaticano, a Amnistia internacional, Cruz Vermelha internacional, Parlamento europeu em Estrasburgo...
Fizemos um trabalho importantíssimo para o bem da liberdade do nosso povo. E se nos tivessem deixado legalizar Cabo Verde teria três partidos à partida para as 1ª eleições livres e o sistema teria sido tão equilibrado que essas arrogâncias e essas ignorâncias que Cabo Verde tem conhecido desde a abertura política jamais iriam acontecer porque haveria um equilíbrio.
Haveria um [partido] que iria ter mais votos, mas haveria os outros 2 que controlavam. Agora, assim, ficando um sistema bipolar, não é, com todo o respeito, ... é uma mentalidade ainda muito, muito limitada.
E o 13 de Janeiro em si. Como recorda esse dia?
O engenheiro John Wahnon, quando veio para Cabo Verde no Verão de 90, segundo ele nos disse na Holanda depois, negociou com o primo, dr Carlos Veiga, como disse.
A ideia deles, sem aprovação do conselho superior executivo [da UCID] porque ele estava em Cabo Verde na altura, não havia a comunicação que existe hoje, e ele não comunicou com a direção - a direcção máxima era o conselho superior executivo que representa hoje o conselho nacional -, mas a ideia.. segundo informações dele era de que, como já não havia muito tempo, o MpD avançaria, nós daríamos todo o apoio ao MpD e o MpD depois iria ajudar-nos a legalizar e poder ser uma terceira força em pleno...
Não passou de conversa de familiar e quando é assim.. não podemos ser ingénuos. Mas, isso não levou a nenhum problema, porque estávamos convencidos, na boa fé, que o mais importante era ter a abertura política. Eu não sou daqueles que diziam, como ele disse a vários colegas, inclusive colegas que estiveram presos no 31 de Agosto: ‘vocês tem que fazer militância no MpD e votar em massa para corrermos com este diabo de PAICV’, o que na política não é salutar. Portanto, eu não senti mal nenhum porque estava convencido que no sistema democrático haveria condições para que todos trabalhassem para o bem do país.
Mas o resultado do MpD foi uma surpresa ou estavam à espera?
Não fiquei surpreso porque sabia que num sistema de 1 contra 1, vinha o Diabo e ganhava a qualquer um que estivesse. É preciso não esquecer que foi o PAIGC/PAICV que teve 15 anos de partido único e isso pesou.
Não é pôr em causa a capacidade das pessoas que alinharam no MpD, mas qualquer um que aparecesse contra o PAICV ganharia.
Agora se fossemos três organizações políticas a concorrer haveria um equilíbrio logo à partida e isso seria o mais importante para Cabo Verde, porque ninguém teria aquela arrogância que continuamos ainda a ter hoje em dia.
30 anos de depois, além desses partidarismo, que balanço faz da democracia?
Pois.. mas olhe a nossa democracia, e já o disse em outra reportagem: ‘somos todos medíocres’. A nossa democracia não é que seja uma falácia mas não está sendo equacionada como devia. Veja os problemas mais importantes... Tivemos os problemas que tivemos com a última erupção do vulcão do Fogo. Seis anos depois não conseguimos resolver os problemas. O sr ministro das Finanças disse que há dinheiro que nunca mais acaba, por amor de Deus!, e depois a gente vê a miséria que a maioria dos cabo-verdianos estão a viver.
Com a UE, que nos tem apoiado muito, eles é que têm tirado o filet mignon das negociações. Vêm pescar , pescam tudo e mais alguma coisa, os nossos não conseguem pescar, dão-nos X milhões de euros que não servem para nada, e nós não temos tido governos capazes de sequer negociar com a UE barcos e apoio para formação profissional para os nossos pescadores. A maior parte dos nossos pescadores não tem formação técnica. São pescadores porque gostam, ou porque simplesmente entraram nisso. Têm prática, mas a prática precisa de um pouco de teoria, como a teoria precisa de uma grande prática, para poder resultar. A única indústria que funciona é a Frescomar, mas segundo informações que tenho, a maior parte do pescado é importada, mesmo a fábrica do Sal, desapareceu, a fábrica da Boa Vista desapareceu, temos a fábrica de São Nicolau, mas que trabalha a meio gás... Portanto, nem sequer os maiores recursos, para além dos recursos humanos, que está no mar de Cabo Verde...
Entregamo-los aos países ricos da Europa e ficamos sem nada. Muitos dos nossos pescadores têm problemas. Veja o problema dos nossos pescadores em Santo Antão, aqueles barquinhos. Porque não negociamos a compra barcos adequados para o nosso mar? Por isso é que eu digo que a nossa democracia, nós, nós estamos ainda no início. É preciso muita humildade, muito respeito, muita dignidade e rigor em tudo o que fazemos. Veja a nossa administração pública. O problema não está nos funcionários, o problema está no sistema. Porque se você tem um sistema bem planificado, bem organizado, os funcionários têm de cumprir. Para não falar do problema dos emigrantes...
Continuam com problemas?
Muitos, muitos problemas. É só conversa.
Todo o cabo-verdiano que questiona um determinado assunto, não é questionar as pessoas, mas os assuntos, os dossiers, a postura dos políticos, que pensa dar um contributo à nação, [é para o bem de Cabo Verde e] pelo menos para que os erros de hoje não continuem amanhã. Mas hoje estamos num ciclo vicioso em que os erros continuam, cada vez mais...