"Constato, com pena, que este Governo tem sido muito tímido, beirando às vezes a deslealdade constitucional, na informação e articulação, agindo sozinho, como se isso fosse conforme a Constituição e mais proveitoso para o país", escreveu José Maria Neves na rede social Facebook.
O chefe de Estado já tinha referido, em declarações aos jornalistas, na terça-feira, não ter compreendido a abstenção, por estarem em causa direitos humanos, lançando um primeiro apelo à concertação neste tipo de matérias.
José Maria Neves foi acompanhado pelo PAICV que criticou igualmente a opção de política externa do Governo.
No mesmo dia, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Figueiredo Soares, convocou uma conferência de imprensa para dizer que Cabo Verde está ao lado do apoio humanitário ao povo palestiniano, mas considerou "parcial" a resolução que pedia tréguas humanitárias, por não referir o ataque do Hamas de 07 de Outubro - recomendando "moderação" sobre o assunto "fracturante", sem fazer dele "arma de arremesso" na política interna.
Sobre o primeiro apelo do Presidente à concertação, o chefe da diplomacia referiu: "Na base do bom entendimento institucional com todos os órgãos de soberania, nomeadamente com o Presidente da República, que também tem intervenções em matéria de política externa, era um ponto na agenda, o de se informar [o chefe de Estado] sobre o sentido de voto".
"Mas não deve haver, no nosso sistema de governação, articulação ou concertação para se votar num sentido ou noutro, há informação que nós prestamos na devida altura", acrescentou.
Foi nesta sequência que José Maria Neves voltou ao assunto, com a mensagem publicada na Internet, durante a noite de quarta-feira, renovando o apelo à concertação.
"Tendo em atenção os poderes do Presidente da República nas relações internacionais, é essencial, para o bem do país e para evitar ruídos desnecessários, que, nesse domínio, haja saudável cooperação entre os dois órgãos de soberania", assinalou.
"A informação e articulação do Governo com o Presidente da República não só é um dever, como também uma boa prática, desde a aprovação da Constituição de 1992, sendo já um costume e muito mais benéfico para a eficácia da política externa do país", referiu.
O chefe de Estado apontou o caso de "países de democracia mais consolidada", em que "a própria oposição é ouvida nas questões mais sensíveis", sendo que, "em Cabo Verde, o Estatuto da Oposição obriga a que assim se proceda, visando a busca de consensos em assuntos mais delicados e complexos da política externa".
"A arrogância e o 'orgulhosamente sós' nunca foram boa companhia em sociedades democráticas", escreveu o chefe de Estado.
"Nunca é tarde chamar a atenção para a urgência, neste mundo instável, caótico e imprevisível, de agirmos com prudência, inteligência e a uma só voz na arena internacional, a bem da imagem do país e em benefício de todos, como, aliás, tem sido apanágio da boa governança de Cabo Verde, um Estado de direito democrático que funciona", concluiu.
A Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou na sexta-feira, com 120 votos a favor, uma resolução que apela a uma "trégua humanitária imediata, duradoura e sustentada" em Gaza e à rescisão da ordem de Israel para deslocação da população para o sul do enclave.
Votaram contra este texto países como Israel, Estados Unidos, Áustria ou Hungria e, entre os países que se abstiveram, estão Ucrânia, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Iraque e Albânia.
Vários países lamentaram que a resolução não tenha referido o direito de Israel a se defender e não tenha condenado directamente as acções do Hamas.
O grupo islamita lançou em 07 de Outubro um ataque surpresa contra o sul de Israel com o lançamento de milhares de foguetes e a incursão de milicianos armados que assassinaram cerca de 1.400 pessoas, fazendo ainda mais de duas centenas de reféns.
Em resposta, Israel declarou guerra ao Hamas, movimento que controla a Faixa de Gaza desde 2007 e que é classificado como terrorista pela União Europeia e Estados Unidos, bombardeando várias infraestruturas do grupo e impondo um cerco total ao território com corte de abastecimento de água, combustível e electricidade.
O conflito já provocou milhares de mortos e feridos, entre militares e civis, nos dois territórios.