O Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre Direito de Autor (TODA), o Tratado da OMPI sobre Prestações e Fonogramas (TOPF) e o Tratado de Maraquexe são os três tratados internacionais.
Em todo o mundo existe e funciona a cobrança dos direitos de autor, algo normal. Isso quer dizer que devemos pagar quando usufruirmos das obras dos criadores.
Para nos fazer o balanço da cobrança dos direitos de autor no país, conversamos com os dois representantes das entidades de gestão colectivas dos direitos de autor: Dany Spínola, presidente da Sociedade Cabo-verdiana de Autores (SOCA) e Solange Cesarovna, Presidente da Sociedade Cabo-verdiana de Música (SCM).
As duas entidades gestoras têm leituras diferentes sobre essa questão. “Neste momento, o balanço não é tão positivo como gostaria que fosse. Iniciamos a cobrança desde 2010, não conseguimos grandes coisas na altura, porque uns pagavam e outros não. No entanto, tivermos que suspender a cobrança porque achamos injusto receber de uns e não receber de outros e o montante recebido era tão irrisório que não dava para fazer a distribuição”, conta Dany Spínola.
Em 2015, retomou-se a cobrança mas, conforme nos explicou, até agora não se está a conseguir grandes resultados. “É preciso que a autoridade funcione. Já fizemos a cobrança e as pessoas não pagam pelo que estamos a tratar alguns casos judicialmente.”
Já a Presidente da SCM diz-se satisfeita com a cobrança dos direitos de autor. “Em 2017 iniciamos as primeiras cobranças, já com o Festival Kriol Jazz e com os Cabo Verde Music Award”.
Segundo Solange Cesarovna, com a filiação da SCM, em 2017, na Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores (CISAC) e com as alterações legislativas operadas em Novembro de 2017, a nível da lei dos direitos do autor, e com a entrada em vigor, em Fevereiro de 2019, da lei que regula a constituição, organização, funcionamento e atribuições das entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos, o processo de cobranças ficou mais facilitado.
Reconheceu, contudo, que ainda têm um longo caminho a percorrer. “O caminho faz-se pouco a pouco e, sobretudo, numa lógica de parceria entre os que criam e os que utilizam a música. O engajamento do poder público e do sector privado tem sido também de capital importância e há resultados em que a SCM, em conjunto com outros stakeholders, como a CISAC, conseguiu estrear, a nível mundial, Projectos como o Copyright Friendly Label.
Constrangimentos
Falando dos constrangimentos porque passam as entidades da gestão colectiva dos direitos de autor na cobrança desses direitos, tendo em conta a nossa pequenez e os parcos recursos, as duas sociedades referem-se à legislação que sofreu reforma e que tem permitido algum avanço.
“A legislação sofreu muitas reformas e nunca se tinha verdadeiramente falado de licenciamento e cobrança de direitos nem dos organigramas que apoiam a estrutura e o funcionamento das entidades de gestão”, indica Solange Cesarovna.
A Presidente da SCM referiu que em Setembro passado organizaram no Sal o 1º Fórum Internacional de Indústrias Criativas, Direito de Autor e Turismo Cultural e que tem em agenda continuar com as iniciativas no quadro da massificação da matéria dos direitos de autor. “Por outro lado, temos vindo, desde a nossa formação, a explicar em várias formações o tema a autores, artistas, intérpretes, editores e produtores musicais na maioria das ilhas”.
Já a SOCA diz que o novo regulamento tem ajudado. “Ajuda muito no processo da cobrança, mas queremos outros regulamentos que levem os utentes ou os usuários da música a pagarem. O que falta neste momento é ter um mecanismo que obrigue as pessoas a pagarem automaticamente como acontece com a lei da cópia privada e a taxa de turismo”.
Por outro lado, frisa que tem realizado encontros com várias câmaras municipais do país para sensibilizar neste sentido. “Já tentamos ver com a IGAE a possibilidade de nos ajudar na cobrança dos direitos de autor, principalmente nas discotecas e nas casas nocturnas que vivem da música, que têm que pagar e cometem uma infração económica de utilizarem música e não pagarem. Já alertamos as autoridades que é preciso que as coisas funcionem”.
Dany Spínola acrescenta ainda que em Cabo Verde as pessoas não têm o hábito de pagar. “Ainda não temos essa cultura, então há sempre resistência e como a justiça muitas vezes não é célere, colocamos uma acção e demora muito tempo para ser resolvido”.
Quanto à distribuição da cópia privada, as duas entidades têm realizado eventos musicais onde aproveitam para fazer a distribuição dos montantes arrecadados aos seus associados.
Cobrança na TVs e Rádios
Em relação às televisões e às rádios, Dany Spínola conta que a SOCA fez em 2010 a cobrança à rádio e à televisão pública e, na altura, só a Rádio Praia FM, a Rádio Comercial e a TV Record pagaram.
Em 2015/2017, retomaram o processo, mas que até então a TCV e a RCV não pagaram nem responderem à proposta de contrato. E questiona “Qual o caminho a seguir? O caminho a seguir é avançar com um processo. Já temos o processo com um advogado que está a tratar do assunto pela via judicial”.
Solange Cesarovna, por seu lado, não entrou em detalhes preferindo dizer que o pagamento das Rádios e TVs funciona em modelos aprovados internacionalmente e aplicados a todas as entidades de gestão colectiva mundialmente, que obriga a que esses players enviem playlists (pelo menos mensais) para que possam distribuir correctamente os montantes cobrados e as licenças serão individualmente calculadas, mediante a utilização de música por cada Rádio e TV.
“Em praticamente todo o mundo as Rádios e TVs são os primeiros usuários a obter licença e, apesar de nos entristecer ter de referir que em Cabo Verde só agora estamos a começar com estes licenciamentos, acreditamos que em breve, com as negociações que estamos a concluir, já poderemos partilhar um cenário completamente diferente, para melhor”, sublinha.
Rádios públicas e privadas
Segundo a Presidente da SCM, as regras para licenciamento das Rádios são as mesmas mas o valor a pagar por cada uma será diferente e calculado com base na efectiva utilização, frequência e peso da música na programação.
“O mais importante é que as rádios colaborem com informação, pois quanto mais informação, mais ajustada será a licença à realidade e, sobretudo, mais correcta a distribuição aos titulares dos direitos. As rádios comunitárias sujeitam-se a tarifas especiais, nos termos da lei e das práticas internacionais”, informa.
Na mesma linha, o Presidente da SOCA avança que cobram menos às rádios privadas, porque elas têm de conseguir patrocínios para ter como se sustentar e não têm a mesma possibilidade que a rádio pública.
Festivais de música
Cabo Verde tem 22 câmaras municipais e cada município tem o seu festival de música. Além disso, há municípios com outros festivais de música, como na cidade da Praia, por exemplo, onde há Kriol Jazz Festival e o Atlântic Music Expo. Dany Spínola avança que tem havido constrangimento neste sentido, pois que nos encontros as câmaras municipais sempre mostram abertura mas na prática nada está a acontecer.
“Já fizemos uma digressão por todas as ilhas e a quase todos os municípios. A nossa preocupação é sempre ir às câmaras municipais e apresentar uma proposta de protocolo no sentido de pagarem um montante para os festivais”, explica Dany Spínola.
Em relação ao Kriol Jazz Festival e o Atlântic Music Expo, disse que nunca a SOCA recebeu nada desses eventos, que tem grande prestígio, tanto a nível nacional com internacional.
Já a SCM explica que o Festival de Santa Maria é um dos eventos municipais que já pagou esse direito e o Kriol Jazz Festival foi primeiro evento a pagar os direitos de autor à Sociedade Cabo-verdiana de Música.
Conforme Solange Cesarovna, o pagamento dos direitos de autor é feito de acordo com uma tabela de execução pública que cumpre a lei cabo-verdiana, com as regras da Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores (CISAC) e foi adaptada para ter em conta a realidade social e económica de Cabo Verde.
“O festival paga os valores acordados, envia-nos o alinhamento, processamos e remetemos aos nossos membros residentes e aos estrangeiros cuja música é tocada em Cabo Verde”, explica.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 937 de 13 de Novembro de 2019.