Na leitura fria dos números, Em 2017, as ilhas que apresentaram maior peso na estrutura do PIB de Cabo Verde foram Santiago, São Vicente e Sal com 52,0%, 15,5% e 12,6% respectivamente. Com menor peso na estrutura do PIB estão as ilhas de São Nicolau, Maio e Brava, com 1,9%, 0,9% e 0,7% respectivamente. Em termos absolutos, Santiago é a ilha que mais contribuiu para o PIB de Cabo Verde em 2017, com um valor de 89.987 milhões de escudos. De seguida, as ilhas de São Vicente, Sal, Santo Antão, Boa Vista e Fogo com 26.876 milhões de escudos, 21.744 milhões de escudos, 10.069 milhões de escudos, 9.643 milhões de escudos e 8634 milhões de escudos, respectivamente. Ainda em termos absolutos, as ilhas que tiveram menor contribuição para o PIB de Cabo Verde foram as de São Nicolau, Maio e Brava com 3.324 milhões de escudos, 1.550 milhões de escudos e 1.271 milhões de escudos, respectivamente.
A análise da estrutura do PIB e da sua desagregação por ilha é um importante instrumento de análise da eficácia da política económica e é uma base consistente para consensualização de estratégias específicas para o desenvolvimento económico das diferentes regiões e ilhas. Da estrutura do PIB podem ser identificados um conjunto de indicadores relevantes para monitorização do desempenho sectorial e ajuste das medidas de política económica.
Os dados de 2017 confirmam a trajectória de crescimento do PIB em 2017 que atinge os 173.097 milhões de escudos, crescendo 4,4% em relação aos valores registados em 2016. A estrutura do PIB em 2017 revela uma economia de serviços, representando, com os impostos, 75% do PIB. Enquanto o sector primário mantém-se abaixo dos 10% e sector secundário contribuiu com 18% do Valor Acrescentado Bruto. (VAB).
Uma observação mais detalhada do valor acrescentado bruto por sector em 2017 revela que o sector primário regista uma queda de 12%, com a diminuição do VAB da Agricultura (-13%) e das Pescas (-2%), enquanto o Sector Secundário regista um crescimento de 11% em relação a 2016, fundamentalmente impulsionado pela actividade da construção, enquanto a indústria transformadora permanece praticamente estagnada em relação a 2015, e a actividade de produção de energia regista uma queda de 4% do VAB.
Perante todos estes dados, a primeira questão que se impõe é: está Cabo Verde, definitivamente condenado a um centralismo económico? “Eu não diria que existe um centralismo económico”, diz ao Expresso das Ilhas Amílcar Monteiro, consultor e antigo Director-Geral da Indústria e Comércio, “porque a multiplicação de infra-estruturas de forma dispersa e em todas as regiões do país é irrealista. A especialização das ilhas é a resposta óbvia para um crescimento sustentado das regiões alicerçado no potencial que cada ilha apresenta. A existência de pólos económicos deve facilitar o desenvolvimento das regiões permitindo que ilhas com menos população, menos mercado e menos infraestruturas possam crescer por arrasto do crescimento dos pólos”. No entanto, reconhece, “existe um problema de unificação do mercado. Havendo possibilidade de transporte regular entre as ilhas as oportunidades multiplicam-se e a questão das actuais centralidades tornam-se forças e não debilidades tal como se colocam hoje em dia em relação ao alegado centralismo económico”.
“Não vejo o centralismo económico como uma fatalidade”, sublinha Paulino Dias, gestor. “Vejo-o antes como resultante de decisões de políticas num dado contexto (histórico, natural, ambiental, demográfico, sociocultural, tecnológico, entre outros), que influenciam ou mesmo determinam de forma dinâmica as decisões de outros agentes económicos (famílias, consumidores, investidores, gestores). No caso concreto de Cabo Verde, é evidente que a situação actual revela um elevado grau de concentração de actividade económica (com Santiago a representar mais de metade do PIB nacional), combinada com disparidades acentuadas a nível de PIB per capita, variando de um mínimo de 218 contos no Maio a um máximo de 591 contos no Sal (mais de 2,7 vezes superior), referente a dados de 2017 (INE). Estes dois aspectos (grau elevado de concentração de actividade económica e desequilíbrios regionais acentuados a nível de PIB per capita) tendem a acentuar os fluxos migratórios internos – de ilhas de menos recursos e oportunidades para ilhas com mais –, diminuindo o capital social das primeiras e agravando ainda mais a concentração e os desequilíbrios”.
“Romper este ciclo vicioso não é fácil”, refere ainda o CEO da PD Consult, “nem é razoável pensar que pode ser revertido no espaço de uma Legislatura. Mas acredito que é possível sim, se não eliminar completamente o centralismo e as disparidades regionais (o que penso ser uma utopia, considerando a própria distribuição da população), mas pelo menos diminuir a sua intensidade, a sua profundidade e os seus efeitos em termos de igualdade de oportunidades e condições de vida”.
A falta de planificação
Possíveis soluções à parte, a realidade do país é esta – e quem diz que Santiago tem o peso maior, diz a Praia [os dados de 2015 diferenciavam Santiago Norte de Santiago Sul, os números de então mostraram que Santiago Norte tinha, na verdade, um PIB per capita que era menor que metade da média nacional]. E para se chegar a este cenário, quase perpétuo, houve muitas falhas pelo caminho.
“A ausência de planificação económica votou as ilhas ao abandono e à subsistência”, diz Amílcar Monteiro. “Os dados revelam uma micro produção, fragmentada e com pouco valor agregado. Um produtor da Brava, relatou-me que num dado ano, o resultado da sua produção de algumas toneladas de batata corria o risco de estragar e por isso ele decidiu ensacar, transportar em via terrestre e marítima para levar a produção ao mercado em São Filipe, no Fogo, e chegando lá ele deparou-se com um preço praticado muito inferior ao que lhe permitia ter algum ganho, a única alternativa foi vender abaixo do custo e converter o produto em receita. Assim não há valor económico acrescentado. Trata-se de uma luta para subsistência. Essa é a situação da Brava, São Nicolau, mas também de Santo Antão”.
“Haverá naturalmente diferentes explicações, consoante a óptica de análise”, realça Paulino Dias. “Na minha modesta opinião, acrescentaria apenas que tem faltado, ao longo do tempo, introduzir de facto na governação do país (quer no período colonial quer no pós-independência) dois princípios fundamentais: 1) a assunção plena do nosso carácter arquipelágico no desenho e implementação de políticas públicas e na concepção dos modelos de governo e quadro institucional para a sua implementação; e 2) o princípio de que todos os cabo-verdianos são iguais e gozam dos mesmos direitos e obrigações – independentemente da ilha onde vivem. Incluindo (mas não só) o direito de acesso aos bens e serviços do Estado em igualdade de circunstâncias, o direito à livre circulação no território nacional, o direito à igualdade de oportunidades. Tivessem estes dois princípios sido de facto incorporados nas arquitecturas de governação lá atrás, teriam sido implementadas políticas redistributivas mais eficazes, que considerassem na sua essência os desequilíbrios naturais, procurando suavizar os seus impactos”.
Das leituras, tanto de 2015 como de 2017, fica o quão limitado tem sido o impacto dos grandes investimentos na agricultura e pecuária - da mobilização de água à criação de redes de estradas no interior das ilhas – porque o resultado é a continuada vulnerabilidade da população rural, especialmente demonstrada nestes anos de seca.
“Não se investe numa barragem para depois ir ver no que dá”, diz ao Expresso das Ilhas Amílcar Monteiro. “A barragem ou os serviços de transportes inter ilhas são parte da politica económica e como infraestruturas de base devem ser equacionadas no âmbito de um projecto de desenvolvimento sectorial e portanto integradas na dinâmica de aumento de produção e de escoamento para os mercados. Se foi pensado assim não houve a materialização de medidas concretas como a mobilização dos agricultores para o mercado, a gestão da distribuição da água e do uso dos recursos. O que nos remete de novo à necessidade do planeamento sectorial da actividade económica”.
As soluções de fundo
Há formas de alterar o actual cenário? Os dois entrevistados pelo Expresso das Ilhas acreditam que sim, mas não vai ser um processo fácil. “Soluções de fundo para reverter esta dupla tendência (concentração de actividade económica e disparidade regional em PIB per capita) exigirão, certamente, pré-condições de base importantes”, sublinha Paulino Dias. “Entre as quais, um amplo entendimento entre todos os actores relevantes – especialmente os partidos políticos. Primeiro, quanto às causas, resultados e impactos deste centralismo económico, segundo, quanto aos objectivos de longo prazo que devem ser estabelecidos neste domínio e, terceiro, quanto aos princípios a serem respeitados no caminho a ser percorrido para atingir tais objectivos – independentemente de quem estiver a governar. Porque trata-se de uma corrida de fundo ao longo de várias legislaturas. Sinceramente não acredito que neste momento tais condições estejam criadas, para este amplo consenso que seria necessário. Por isso, soluções alternativas devem ser encontradas dentro do horizonte de uma legislatura. Uma combinação inteligente de políticas públicas centrais (Governo) e regionais (Municípios) visando a especialização estratégica de cada ilha em “âncoras regionais de crescimento económico” inseridas em cadeiras de valor global, capazes de gerar sobretudo empregos qualificados, poderá ser um caminho. A criação de empregos qualificados nestas ilhas de menor PIB per capita terá um efeito-alavanca positivo, muito importante. São jovens famílias a consumirem, a investirem, a contratarem prestadores de serviços, a fazerem poupança local, etc. Para Santo Antão, por exemplo, cheguei a propor, com este objectivo, um conceito de Sociedade de Desenvolvimento de Santo Antão (SODESA), como um instrumento de promoção de investimentos em duas âncoras: o eco-turismo de luxo e a agropecuária especializada em nichos de alto valor acrescentado, ambos para mercados globais. Outras soluções similares podem ser estruturadas para as outras ilhas. Mas é preciso introduzirmos o factor tempo na equação e nos processos de tomada de decisão: o tempo urge e a cada ano temos milhares de jovens em idade activa a saírem de Santo Antão, São Nicolau, Maio, Fogo, Brava e a deslocarem-se para Santiago, Sal e Boavista – aumentando o potencial de crescimento económico destes e agravando o ciclo vicioso. É preciso, portanto, acelerarmos o passo, adoptarmos um sentido de urgência na implementação de políticas para quebrar este ciclo”.
“Compete ao Governo organizar a produção sectorial e criar vias de acesso ao mercado previsíveis, seguras e economicamente acessíveis”, sublinha Amílcar Monteiro. “Sem a eliminação das falhas de mercado os sectores vão continuar débeis. Falta planeamento, falta um diagnóstico consensual e a formulação de uma estratégia de desenvolvimento sectorial consequente com as oportunidades que existem actualmente de fornecimento interno e para o mercado turístico. Per sí, os sectores não vão chegar lá porque compete ao Estado colmatar as actuais falhas de mercado. Falta também um visão aglutinadora que maximize o potencial de cada ilha e região”, concluí.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 939 de 27 de Novembro de 2019.