Em números, as exportações de bens e serviços deverão registar uma redução superior a 40 por cento em 2020, depois de terem crescido dez por cento em 2019. O confinamento da população, decretado quase que universalmente nos maiores mercados turísticos do país, e a interdição de tráfego internacional aéreo e marítimo de passageiros, determinada por Cabo Verde, mesmo antes da declaração do estado de emergência a nível nacional, deverão resultar numa forte redução das receitas de viagens, de serviços de transportes aéreos internacionais (venda de passagens pela transportadora aérea nacional e receitas da FIR Oceânica do Sal) e das reexportações de víveres e combustíveis nos portos e aeroportos do país.
Por seu turno, a par da redução da procura externa e do investimento estrangeiro no país, as restrições impostas ao funcionamento da economia pela declaração de estado de emergência, a interdição de viagens a negócio e lazer de residentes, bem como a redução dos preços do petróleo nos mercados internacionais deverão contribuir para a diminuição das importações de bens e serviços na ordem dos vinte por cento, atenuando assim a deterioração da procura externa líquida.
A formação bruta de capital, que mede a confiança dos investidores, deverá ser penalizada pela conjuntura de restrição à laboração enquanto durar o estado de emergência, pelas incertezas face à evolução da pandemia a nível nacional e internacional e pela consequente deterioração do sentimento económico. Neste quadro, as expectativas do cenário central das actuais projecções convergem para uma contracção do investimento, em volume, de pelo menos 7,5 por cento.
Do lado da oferta, os contributos negativos dos serviços, na ordem dos cinco pontos percentuais, e da construção, na ordem dos dois pontos percentuais, explicam, em larga medida, a contracção da actividade económica nacional. No sector dos serviços, perspectiva-se que a queda dos valores acrescentados brutos de alojamento e restauração e de transportes, superior a 40 por cento, será parcialmente compensada por um aumento significativo do valor acrescentado bruto dos serviços não mercantis da administração pública.
Segundo o Banco Central, todos os ramos de actividade deverão ser afectados, em maior ou menor magnitude, pelo choque exógeno, com excepção da agricultura e da pesca, este último deverá recuperar da contracção de 23 por cento registada em 2019, caso o cenário de controle da pandemia de Covid-19 nos principais mercados do país no terceiro trimestre se materializar.
Sendo o primeiro e o principal canal de propagação do choque exógeno global, a balança de pagamentos deverá registar um desempenho desfavorável em 2020. O défice da balança corrente deverá aumentar, no cenário central das actuais projecções do banco central, para cerca de 11 por cento do PIB, depois de ter atingido o valor mínimo histórico de 0,2 por cento do PIB em 2019, reflexo, sobretudo, da redução das exportações de bens e serviços e das remessas dos emigrantes.
Na balança financeira projecta-se uma redução das entradas de investimento directo estrangeiro na ordem dos 45 por cento, em resultado do esperado adiamento e atraso na execução de projectos em vias de arranque e em curso, aos quais se acresce a liquidação de 75 por cento do valor de aquisição, pelo Estado, das acções de um banco nacional, antes detidas por um investidor externo.
Por outro lado, o cenário central das projecções internaliza um impacto positivo das medidas orçamentais, monetárias e prudenciais na evolução do consumo intermédio das empresas e final das administrações públicas e famílias.
Perspectiva-se que as medidas de protecção do emprego, de compensação dos desempregados e de apoio aos trabalhadores informais, aliadas a algum recurso a poupanças, poderão conter a queda do consumo privado, sobretudo de bens de primeira necessidade e medicamentos, por motivos de precaução.
Para o BCV, com a política contra-cíclica anunciada o consumo público deverá acelerar, pese embora algum ajustamento das despesas não obrigatórias do governo central, com: a assumpção pela administração central de despesas com pessoal de determinadas empresas públicas; a atribuição de benefícios sociais a famílias mais vulneráveis e alguma compensação de certos operadores económicos pela perda de rendimentos; a aquisição excepcional de materiais de uso hospitalar e farmacêutico; o destacamento especial de pessoal médico, de protecção civil e forças de segurança; o fretamento de aviões para repatriar cabo-verdianos no exterior e assegurar o abastecimento do país de bens de primeira necessidade e material hospitalar; o pagamento de hospedagens em hotéis da população colocada profilaticamente em isolamento obrigatório, entre outros gastos.
No entanto, o Banco de Cabo Verde avisa que o cenário central baseia-se, em larga medida, no pressuposto do controlo da pandemia de Covid-19 no decurso do segundo trimestre, numa recuperação gradual da economia dos principais parceiros e da actividade económica nacional a partir do terceiro trimestre, assim como na descoberta de uma terapêutica para a doença nos próximos meses. A eventualidade de um atraso na inversão da curva de contágios no ocidente e no país poderá adiar o início da retoma da actividade económica global e nacional.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 961 de 29 de Abril de 2020.