A África Subsariana deverá crescer 4,1% em 2025, em linha com o crescimento de 2024 (4,1%) e ligeiramente abaixo da estimativa para o próximo ano (4,4%), avança o Fundo Monetário Internacional (FMI) nas Perspectivas Económicas Regionais de Outubro, divulgadas na semana passada, em Washington.
Num período em que o crescimento mundial “enfrenta dificuldades”, a resiliência é apoiada pela estabilização macroeconómica e por reformas em várias economias importantes na região.
Sobre Cabo Verde, e em exclusivo ao Expresso das Ilhas e Rádio Morabeza, António David destaca os esforços de disciplina orçamental, sem deixar de notar que o risco de sobreendividamento ainda é uma realidade.
O que é que significa a estabilidade demonstrada no relatório, em particular num contexto de fragilidade global?
Realmente, essa estabilidade do crescimento para a região, como um todo, é uma prova de resiliência das economias da região da África Subsaariana face a um ambiente externo bastante desafiador. Como sempre, a região é marcada pela diversidade, é uma região bastante heterogénea.
De onde vem esta resiliência? O que é que aconteceu para termos hoje economias mais resilientes do que no passado?
Em primeiro lugar, um dos factores essenciais são os esforços dos formuladores de política e das autoridades dos países da região em implementar medidas e políticas que assegurem a estabilização macroeconómica, assim como reformas que estimulem o crescimento, principalmente o desenvolvimento do sector privado. Esse é um factor importante. Em segundo lugar, os preços de algumas matérias-primas importantes para os países da região também apresentaram trajectórias bastante favoráveis. Por exemplo, o preço do ouro, do cobre, do café e, até um certo momento, do cacau. Por outro lado, o preço do petróleo mantém-se menos favorável. Isso vai ter um efeito importante nas economias exportadoras. Finalmente, outro factor importante é que, no que se refere às tensões comerciais, na prática, estas revelaram-se bem menos intensas do que se esperava em Abril [data das previsões de Primavera].
O relatório faz alguns sublinhados para aspectos que são anteriores a Abril e até à mudança na presidência dos Estados Unidos. Por exemplo, a redução na ajuda externa e as dificuldades de acesso a financiamento – com algumas melhorias, mas ainda difícil. Isto, mais o ambiente externo, que continua tenso, o que pode significar para a região?
Começando pelo lado da área do comércio internacional. A nossa estimativa é que, de uma maneira geral, o impacto directo das tensões comerciais seja moderado. Mas, ao mesmo tempo, existem algumas economias que estão bastante expostas, bastante vulneráveis a esse aumento de tarifas americanas. Por exemplo, é o caso de Madagáscar e é o caso do Lesoto. Mas, em geral, a nossa preocupação situa-se muito mais nos efeitos indirectos. Esses efeitos indirectos vão transmitir-se através do preço das matérias-primas e das perspectivas económicas globais. No que se refere à ajuda externa, isso vai afectar muito mais os países de baixo rendimento da região, como Moçambique, que estão mais expostos a essa diminuição da ajuda externa. Isso vai afectar bastante programas relacionados, por exemplo, com saúde, educação e também ajuda humanitária. O que as autoridades da região estão a fazer é a tentar substituir esses programas, que eram financiados pela ajuda externa, por programas financiados pelo orçamento doméstico, o que tem um certo nível de dificuldade. Finalmente, referiu também as condições de financiamento. É verdade que houve uma melhora em relação a Abril. Os diferenciais de rendimento para os países da região que têm acesso ao mercado internacional reduziram-se. Observamos uma retoma dos fluxos de capitais para a região. Países como Angola puderam aceder ao mercado recentemente, mas os níveis dos juros continuam bastante altos, o que significa que os custos da dívida são muito elevados.
As Perspectivas identificam vulnerabilidades fiscais, monetárias e externas. Quais são as mais significativas?
Eu diria que as vulnerabilidades fiscais são as mais salientes, hoje em dia. É verdade que o nível de dívida na região, de uma maneira geral, se estabilizou em torno de 56% do PIB, ou algo assim, mas ao mesmo tempo os custos dessa dívida são muito elevados e são mais elevados na África subsaariana que noutros lugares do mundo, noutros países emergentes – e bem mais elevados
que nas economias avançadas. Então, encargos de dívida elevados é uma questão particularmente importante. Em termos de risco de sustentabilidade da dívida, temos 20 países na região que ou se encontram em risco, ou já se encontram sobreendividados. Outro factor importante que assinalamos no relatório prende-se com riscos ligados ao facto de a participação do financiamento doméstico [na dívida] ter aumentado bastante, em África, em anos recentes. Em termos de inflação, ainda temos um quinto dos países da região com uma inflação de dois dígitos. E as reservas externas também se encontram sob pressão em mais ou menos um terço dos países, abaixo do nível recomendado, de três meses de importação.
Como é que conseguimos equilibrar necessidades de financiamento, estabilidade financeira e orçamental?
Realmente, é um equilíbrio extremamente difícil. Para começar, é importante adoptar políticas que ajudem a fomentar o desenvolvimento dos mercados de capitais domésticos, inclusive através de uma regulação prudencial robusta.
Em seguida, também enfatizamos bastante a questão da gestão reforçada da dívida pública. Isso passa por uma grande transparência, pela publicação de dados exaustivos sobre a dívida pública, que permitiria, por exemplo, um aumento da confiança, uma redução dos custos. Além disso, uma melhoria dos quadros de gestão de finanças públicas. Um outro factor importante para reduzir esses encargos da dívida, e também melhorar a questão do espaço orçamental, é a mobilização de receitas. Os países precisam arrecadar mais, principalmente quando você compara a região da África Subsaariana com outras regiões do mundo, outros mercados emergentes.
Cabo Verde é visto por parceiros internacionais e no contexto africano como uma economia estável, que recuperou rapidamente dos efeitos da pandemia. Contudo, é também uma economia muito exposta a factores externos. Como é que o Fundo Monetário Internacional olha para o caso concreto de Cabo Verde e para a trajectória económica que tem sido seguida em anos recentes?
De facto, a economia de Cabo Verde mostrou uma resiliência impressionante, relacionada à capacidade de crescimento nesse período pós-pandemia. Isso deve-se, em grande parte, ao sector de turismo, que é muito dinâmico. E também se deve à implementação de boas políticas macroeconómicas. Isso tornou possível manter altas taxas de crescimento, enquanto se mantinha uma inflação relativamente baixa e estável. Também acho que vale a pena ressaltar os esforços em termos de disciplina orçamental, que ajudaram a reduzir bastante o nível da dívida, embora o rácio dívida/PIB continue elevado e sejam necessários esforços suplementares. Muita coisa já foi realizada. A dívida está numa trajectória descendente, na boa direcção. Mas, apesar de tudo isso, é verdade que a economia de Cabo Verde continua vulnerável, tanto a choques externos, quanto a choques internos. E o risco de sobreendividamento da economia cabo-verdiana continua relativamente elevado. Essa vulnerabilidade a choques externos é muitas vezes relacionada ao facto de que é uma economia ainda pouco diversificada do ponto de vista sectorial. [Existe] a necessidade, talvez, de diversificação sectorial. Até dentro do próprio turismo, há uma certa concentração. Do ponto de vista dos riscos internos, uma coisa que é bastante salientada pela equipe do FMI que trabalha em Cabo Verde é a questão dos riscos relacionados à dívida das empresas públicas, que o governo tem de trabalhar para mitigar esses riscos.

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O que é que o Fundo Monetário Internacional recomenda, que caminho é que Cabo Verde deve seguir, para fortalecer a forma como faz a gestão da sua dívida?
No caso específico de Cabo Verde, a dívida das empresas estatais é um dos principais factores de risco para a sustentabilidade da dívida. Para reduzir esse risco, é importante melhorar a gestão dessas empresas, para que elas sejam menos dependentes de subsídios, de subvenções, de transferências, de garantias do Estado e recapitalizações. No caso de Cabo Verde, vê-se bem essa questão das garantias. O governo, realmente, só deveria conceder garantias à dívida em casos onde haja uma necessidade muito clara. A questão da publicação de dados exaustivos, abrangentes, sobre a dívida, é importante para aumentar a confiança dos investidores, reduzir os juros, os custos. Em geral, continuar os esforços de aprimoramento no que tange à gestão da dívida, aprimorar as capacidades, tentar se beneficiar dos esforços de capacitação que os diversos parceiros de desenvolvimento trazem.
Cabo Verde tem uma pequena economia mundo aberta e muito dependente daquilo que se passa nas grandes economias e na economia global. O que é que o país pode fazer para melhorar a sua resiliência?
Realmente, essa é uma questão fundamental de política económica para uma economia como Cabo Verde. Eu diria que é importante, do ponto de vista macroeconómico, que as autoridades continuem a implementar
políticas prudentes, que visem a assegurar a estabilidade. Isso passa por continuar a consolidação orçamental, o ajuste fiscal, o ajuste orçamental para reduzir o nível de dívida. Passa por uma política monetária que vise estabilizar a inflação e, ao mesmo tempo, assegurar o regime de câmbio fixo. Finalmente, uma regulação financeira robusta, para reduzir os riscos. Claro que também há uma série de políticas que devem ser adoptadas para fomentar o crescimento, um crescimento mais diversificado. O sector de turismo tem sido uma história de sucesso na economia de Cabo Verde e continua até hoje a ser o principal motor do crescimento da economia. Acho que é importante que se continuem a seguir esforços para diversificar a economia, para fomentar outros sectores
No seio do sector de turismo, diminuir um pouco a concentração. Há muita concentração, em termos de origem [dos turistas]. Talvez um esforço para diversificar o destino, porque pelo que leio nos relatórios, o turismo concentra-se muito no Sal e na Boa Vista. A modalidade de turismo, parece que se concentra muito no all inclusive, há poucos operadores... Há espaço para diversificar em todas as dimensões.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1247 de 22 de Outubro de 2025.
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