Economia vai abrandar

PorJorge Montezinho,15 nov 2025 7:50

São razões externas, mas também internas. A economia cabo-verdiana vai crescer menos, segundo as previsões do Banco de Cabo Verde (BCV). Apesar da continuação da incerteza, o futuro parece apresentar menos nuvens.

São os dados apresentados agora pelo BCV, como reflexo do contexto externo, a economia nacional registou um menor dinamismo, com o Produto Interno Bruto (PIB) a crescer 4,9% em volume no primeiro semestre (9,3% no primeiro semestre do ano passado).

As razões principais? O abrandamento da procura externa turística, do rendimento real das famílias, bem como a baixa confiança dos consumidores. Do lado da procura, este desempenho deveu-se à desaceleração do consumo, enquanto do lado da oferta deveu-se à moderação da actividade do sector dos serviços, sobretudo dos ligados ao turismo, e dos impostos líquidos de subsídios arrecadados no período.

Apesar do contexto de fraco crescimento económico dos principais parceiros do país, as contas externas evoluíram favoravelmente no primeiro semestre de 2025. A balança corrente registou um superavit de 7.991,4 milhões de escudos (2,7% do PIB) devido ao aumento (embora mais moderado) das exportações de serviços de turismo e transportes aéreos, das remessas dos emigrantes e ao abrandamento das importações de bens e serviços.

No entanto, as perspectivas actualizadas do Banco de Cabo Verde apontam para um abrandamento do crescimento da economia nacional, de 7,2% em 2024, para 5,5% em 2025, 4,8% em 2026 e 5,0% em 2027.

Para 2025, a evolução menos favorável deverá reflectir o menor contributo da procura interna, particularmente, do consumo privado, em resultado não só da moderação dos rendimentos reais, mas também da baixa confiança dos consumidores. Para 2026 e 2027, o menor dinamismo da economia será justificado pela queda do contributo da procura externa líquida, enquanto o contributo da procura interna registará um aumento.

A procura externa líquida deverá apresentar uma deterioração, com o aumento que se espera das importações e o abrandamento das exportações de serviços sobretudo de turismo, dadas as perspectivas económicas (fracas) dos principais parceiros do país e os preços ainda elevados no sector turístico.

Inflação com aumento

Em relação à inflação, diz o BCV, perspectiva-se que a taxa de inflação média anual aumente, de 1,0% em 2024, para 2,4% em 2025 por causa do aumento dos custos de frete e dos preços das matérias-primas não energéticas (sobretudo, dos produtos alimentares), nos mercados internacionais, nos preços das importações.

O que se pode esperar para 2026 e 2027, estima o BCV, é que os preços das matérias-primas não energéticas abrandem, o que, aliado aos preços ainda baixos da energia, contribuirão para a diminuição da taxa de inflação média anual para 1,7% em 2026 e 1,0% em 2027.

A taxa de inflação média anual prevista para 2025 e 2026 foi revista em alta em 0,6 e 0,3 pontos percentuais, respectivamente, face às projecções de Abril de 2025. Já o stock de reservas internacionais líquidas deverá aumentar em 2025 e 2026, fixando-se em 955 e 986 milhões de euros, respectivamente, garantindo 7,9 e 7,6 meses das importações (6,5 meses de importações em 2024), mas diminuir em 2027, situando-se nos 966 milhões de euros, assegurando 6,9 meses de importações projectadas.

Oferta e Procura

Como referido, a economia nacional registou um menor dinamismo no primeiro semestre de 2025. O abrandamento da procura externa turística, do rendimento real das famílias, bem como a baixa confiança dos consumidores, contribuiu para esta evolução menos favorável da economia nacional.

A procura interna cresceu 3,6% no primeiro semestre (tinha sido 8,3% no semestre homólogo) devido, essencialmente, ao forte abrandamento que se registou no crescimento do consumo privado e público.

O consumo privado cresceu 2,3% no primeiro semestre (9,1% no semestre homólogo), justificado pela moderação do rendimento disponível real das famílias, associada ao aumento da inflação e ao menor crescimento das transferências internas e externas para as famílias, bem como pela baixa confiança dos consumidores.

O investimento aumentou, em volume, 9,7% no primeiro semestre, beneficiando exclusivamente do efeito de uma redução nos preços dos bens de capital. No entanto, diminuiu em termos nominais (ou em valor) 2,9% comparado com o semestre homólogo, devido a condições de financiamento mais restritivas, a uma procura interna e a um volume de negócios das empresas mais moderados, a escassez de mão-de-obra e a um ambiente global de incerteza ainda elevado, face às tensões geopolíticas, o que levou ao adiamento das decisões de investimento.

Contas Externas

A balança de pagamentos do país registou uma evolução favorável no primeiro semestre de 2025, com um superavit, já referido, na balança corrente de 7.991,4 milhões de escudos, (superavit de 2.451,7 milhões de escudos no semestre homólogo).

Esta evolução resultou, essencialmente, do crescimento das exportações de serviços de turismo (12,8%) e de transportes aéreos (16,4%), das remessas dos emigrantes (3,3%) e das transferências oficiais correntes (24,2%), bem como do abrandamento das importações de bens e serviços.

Contribuíram também para este desempenho a redução dos pagamentos dos juros da dívida externa pública, a diminuição dos rendimentos de investimento directo expatriados e o aumento dos rendimentos das reservas internacionais líquidas (52,5%). Em sentido contrário, destacou-se a queda das exportações de bens e, em particular, das reexportações de combustíveis e víveres nos portos e aeroportos internacionais (5,9%).

Reflectindo o crescimento económico ainda fraco dos principais parceiros do país, bem como o enfraquecimento do mercado de trabalho e o aumento da inflação no Reino Unido e nos EUA, com impacto nos rendimentos reais dos potenciais turistas e dos emigrantes, as exportações de serviços de turismo e as remessas dos emigrantes registaram uma moderação, crescendo 12,8% e 3,3%, respectivamente, (21,6% no turismo e 3,6% nas remessas no semestre homólogo do ano anterior).

Segundo dados do INE, a procura turística internacional (medida pelo número de dormidas nos estabelecimentos hoteleiros) aumentou 9,4% no primeiro semestre de 2025 (13,4% no mesmo período de 2024).

Houve uma redução da procura proveniente da Bélgica e dos Países Baixos e uma desaceleração da procura do Reino Unido e da França. Ainda assim, o Reino Unido manteve-se como principal mercado emissor, representando 33,8% do total da procura turística em Cabo Verde, seguido da Alemanha (10,9%), Portugal (10,6%), França (9,0%), Bélgica e Países Baixos (8,8%).

As remessas dos emigrantes (na forma de transferências em divisas) provenientes da França reduziram (2,4%) e de Portugal abrandaram, crescendo 6,8% (10,2% no semestre homólogo do ano anterior); no entanto, as remessas provenientes dos EUA registaram um acréscimo de 7,1%. Em termos de peso no total, Portugal, EUA e França continuaram a ser os principais países de origem das remessas dos emigrantes.

O IDE (Investimento Direto Estrangeiro) realizado no país, em grande parte proveniente dos emigrantes, aumentou 23,7% em termos homólogos, atingindo 6.178,3 milhões de escudos. Este investimento, concentrou-se sobretudo nos sectores do turismo e imobiliária turística, particularmente nas ilhas de Santiago, São Vicente, Boavista e Sal, sendo o capital investido maioritariamente proveniente de Portugal e Itália.

Receitas públicas

As receitas públicas subiram, sobretudo, com o aumento das receitas provenientes da cobrança de impostos. As receitas de impostos cresceram 15,1% em termos homólogos, traduzindo o crescimento (embora moderado) da actividade económica nacional, a introdução da taxa específica sobre o álcool, o agravamento da taxa sobre o tabaco, a cobrança de dívidas negociadas em prestações e o aumento do número de contribuintes.

Este desempenho foi impulsionado, principalmente, pelos aumentos registados na arrecadação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares e coletivas (24,8%), sobre o valor acrescentado (12,8%), sobre o consumo incluindo a taxa de tabaco e a taxa específica sobre o álcool (20,8%) e sobre as transações internacionais (6,0%).

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Riscos à materialização das atuais projeções

O balanço dos riscos à materialização das actuais projecções sugere riscos negativos para a atividade económica e equilibrados para a inflação. Destacam-se como principais riscos:

(i) Incerteza prolongada da política comercial. Aumento adicional da incerteza da política comercial pesaria sobre as decisões de investimento das empresas e prejudicaria a sua capacidade de otimizar stocks, podendo levar a uma produção muito volátil e piorar as perspectivas de crescimento global;

(ii) Aumento maior do que o esperado dos preços dos alimentos, decorrente de eventos climáticos (como calor extremo, seca prolongada e outros desastres naturais), da crise climática em curso ou das tensões geopolíticas mais intensas;

(iii) Crescimento da procura externa dirigida para Cabo Verde abaixo do esperado, num contexto de uma maior fragmentação do comércio mundial, podendo levar ao aumento dos custos de transporte, restrições na circulação, maior incerteza e menor confiança dos investidores, afectando, negativamente, o turismo nacional e o IDE;

Em contrapartida, do lado positivo, destaca-se:

(i) Avanços nas negociações comerciais, que poderiam reduzir tarifas, aumentar a previsibilidade das políticas. Os custos potencialmente elevados associados à fragmentação do comércio global e das cadeias de abastecimento podem estimular avanços nas negociações comerciais que reduzam as tarifas, melhorando o sentimento e estimulando a actividade global e dos principais parceiros do país. A redução das tarifas, reduziria os preços das importações e a inflação dos principais parceiros e, por conseguinte, a inflação de Cabo Verde;

(ii) Execução das despesas públicas acima do esperado. Gastos acima do esperado com as eleições e com o plano de recuperação das ilhas afectadas pela tempestade tropical, poderiam elevar as perspectivas de crescimento do país.

Podem ainda ser consideradas outras fontes de incerteza, nomeadamente, relacionadas com o comportamento dos activos externos líquidos dos bancos comerciais e com os eventuais contributos dos projetos associados ao programa de investimentos públicos previstos no Orçamento Geral do Estado (OGE) e a sua capacidade para aumentar o potencial de crescimento da economia.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1250 de 12 de Novembro de 2025.

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Autoria:Jorge Montezinho,15 nov 2025 7:50

Editado porSara Almeida  em  16 nov 2025 9:19

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