Cabo Verde foi a votos no passado dia 25 de Outubro para a escolha dos titulares de cargos políticos municipais. Foram as oitavas eleições autárquicas no país que decorreram em plena pandemia do coronavírus. Tirando alguns incidentes e a necessidade de uma contenção por motivos de saúde pública, as campanhas decorreram-se na tranquilidade. O povo tem dado sinais de maior amadurecimento.
Quanto aos resultados eleitorais, o Movimento para a Democracia (MpD) venceu em mais municípios e com mais votos, mas com um sabor amargo na boca. Maio, Sal, São Miguel, Ribeira Grande de Santo Antão, Paul, Porto Novo, São Vivente, Ribeira Brava, Tarrafal de São Nicolau, Brava, Santa Catarina do Fogo, Santa Catarina de Santiago, São Salvador do Mundo e São Lourenço dos Órgãos são os 14 municípios que se mantiveram sob as rédeas do MpD.
Já o Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV) teve um resultado imprevisível com um sabor a vitória. O resultado do PAICV tem tanto mais gosto por causa do ponto de partida, das conquistas em território inimigo, da recuperação dos seus antigos baluartes e do reforço da sua presença na maior ilha do país. Das duas câmaras municipais saídas das autárquicas de 2016, onde o partido tinha sido praticamente dizimado a nível local e reduzido a uma insignificância parecida com a de 1991, altura em que tinha conseguido assegurar a sua hegemonia apenas na Boavista e no Fogo (que era um concelho), o PAICV conquista novamente 8 municípios. Nas eleições do passado dia 25 de Outubro, o PAICV recuperou a Boavista e quase assaltou a ilha toda do Fogo (conquistando São Filipe e Mosteiros, escapando-lhe apenas a Santa Catarina do Fogo). Para além do mais, o PAICV ganhou em toda a região de Santiago Sul (Ribeira Grande de Santiago, Praia e São Domingos) e em dois concelhos de Santiago Norte (Tarrafal e Santa Cruz). De entre estes municípios, é especial a vitória do PAICV em São Domingos e Tarrafal de Santiago, concelhos de hegemonia histórica do MpD. De igual modo, tem sabor especial a vitória do PAICV na Praia, a capital do país. Tal como Felisberto Vieira se tinha descuidado da Praia em 2008, Óscar Santos caiu no mesmo erro de se achar o maior, que tudo pode e tudo faz, sem vigiada prudência.
Para além desses dados, em algumas câmaras, ficou-se pela maioria relativa, sendo de destacar os casos de São Vicente e de Santa Catarina de Santiago, ambas vencidas pelo MpD, e da Praia, vencida pelo PAICV. Também há um caso de coabitação, estando a câmara sob o domínio do PAICV e a assembleia municipal no comando do MpD.
Adeus no primeiro mandato
O PAICV desinstalou o edil da capital do país. Desinstalar um autarca no seu primeiro mandato não é um feito de pouca montra. Óscar Santos junta-se ao histórico caso do Amílcar Spencer Lopes (mais conhecido por Miquinhas, ex-presidente da Assembleia Nacional, que ficou pelo primeiro mandato como Presidente de Câmara Municipal no concelho da Ribeira Brava, na ilha de São Nicolau) que foi eleito em 2004 e não conseguiu a reeleição nas autárquicas de 2008. Quem também tinha ficado pelo primeiro mandato foi a Vera Almeida (Paul), eleita em 2008 e derrotada em 2012. Nestas eleições de 2020, para além de Óscar Santos, mais três autarcas foram desinstalados após um só mandato: Jorge Nogueira (São Filipe da ilha do Fogo), Clemente Garcia (São Domingos da ilha de Santiago) e José Luís dos Santos (candidato quatro anos atrás pelo movimento independente BASTA e agora pelo MpD, na Boa Vista).
O MpD, que andou de peito aberto a bradar aos ventos a possibilidade de legitimar o seu poder local por todo o país, foi surpreendido de tal forma que ainda está atordoado. Pelo que os resultados do passado domingo são importantíssimos para a governação, visto que vêm aí os próximos pleitos eleitorais. Isto significa que, a contra-relógio, o MpD precisa ter muito jogo de cintura se quiser triunfar nas legislativas e presidenciais de 2021.
MpD em estado de emergência
Um partido que, depois de quinze anos na oposição, agora que experimenta o seu primeiro mandato governamental no terceiro milénio, perde território desta maneira, precisa fazer, em pouco tempo, três coisas: 1) reunir o seu quartelgeneral para a redefinição de estratégias e a mobilização do voto; 2) abrir-se ao diálogo com as estruturas de base do partido e a sociedade em geral; 3) incorporar novas energias e sinergias intrapartidárias e extrapartidárias.
PAICV em estado de ansiedade
Já o PAICV está tão contente e ansioso que deseja que o tempo corra mais do que a velocidade da luz, visto que acredita que estes resultados poderão ter um efeito contágio nas próximas eleições. Verdade ou ilusão, para melhorar a sua performance, até ao próximo embate, três coisas são essenciais: 1) fortalecer a unidade interna; 2) abrir alas à sociedade; 3) adequar o estilo de liderança partidária.
UCID, PP e independentes
Cabe à UCID reforçar o seu trabalho em São Vicente e continuar a alargar a sua base para todo o território nacional. Nestas eleições, um sinal positivo da UCID foi a sua presença em sete concelhos e, de modo particular, a sua extensão à ilha de Santiago, tendo ganho alguma empatia com a presença da Neida Rompão como candidata a Presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina de Santiago.
Já o Partido Popular (PP) que continue a pregar no deserto da Praia e que faça bom mandato na Assembleia Municipal da Boavista.
Quanto aos independentes, o grupo independente Alternativa Ribeira Grande, em Santo Antão, protagonizado por Paulino Dias, foi mais longe, tendo ficado em segundo lugar, ou seja, à frente do PAICV, partido esse que não conseguiu nenhum lugar nas ilhas mais a norte do arquipélago (Santo Antão, São Vicente, São Nicolau e Sal), precisando, com efeito, de pensar nas suas estratégias principalmente para Santo Antão e São Vicente.
A LUTA de Romeu de Lurdis na Praia também está de parabéns, assim como o MIT do Cláudio Sousa no Tarrafal de Santiago.
Parabéns, ao povo de Cabo Verde, aos vencedores e aos vencidos!
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 987 de 28 de Outubro de 2020.