Política Externa: O que propõem os partidos?

​Os partidos políticos concorrentes às eleições de 18 de Abril querem apostar na diplomacia, no sentido de reforçar a imagem e o bom nome do arquipélago na cena internacional. A promoção de uma agenda virada para a CEDEAO e uma maior proximidade com as comunidades cabo-verdianas são algumas das apostas.

Relações Externas é o tema de hoje no "Fórum 2021 – A Caminho das Legislativas", uma edição especial da Rádio Morabeza que também pode ser lida no Expresso das Ilhas.

MpD

O Movimento para a Democracia (MpD) diz que, enquanto governo, definiu uma política externa consistente, assente em princípios e opções claros. Rui Figueiredo Soares, que nos últimos meses do mandato, assumiu a pasta dos Negócios Estrangeiros, refere que com o novo paradigma, a imagem e o bom nome de Cabo Verde saíram reforçados.

Com a chegada da covid-19, a diplomacia cabo-verdiana transformou-se numa diplomacia também sanitária, que conseguiu financiamentos do Banco Mundial, da União Europeia, da CEDEAO, entre outros parceiros internacionais, considera a força política.

“Fizemos ao longo destes cinco anos uma diplomacia diferenciada, mas sempre em sintonia com as aspirações nacionais, que são essencialmente a preservação da soberania nacional, a promoção e defesa intransigente dos interesses do país e da nação cabo-verdiana nas ilhas e na diáspora, o estabelecimento e o reforço de parcerias estratégicas para o desenvolvimento das nossas ilhas, a promoção da notoriedade e imagem externas positivas do país. Também uma política externa que se traduzisse numa participação activa de Cabo Verde no concerto das nações, para a promoção do bem-estar, da dignidade humana, da paz, da nova ética, de justiça social, da segurança e da estabilidade à escala mundial”, observa.

Rui Figueiredo destaca iniciativas de atracção de eventos internacionais.

O estabelecimento de uma relação mais próxima com as comunidades cabo-verdianas, melhoria na prestação de serviços consulares, a abertura do consulado em Nice, França, a inauguração da Embaixada de Cabo Verde na Guiné-Bissau e a abertura de uma Embaixada na Nigéria são outros ganhos apontados. Para os próximos cinco anos, o MpD propõe uma diplomacia que se adapte à conjuntura actual, condicionada pelas mudanças geopolíticas, pelas mudanças climáticas e pela pandemia.

“O MpD defende uma diplomacia virada para a criação de parcerias e mobilização de recursos, ultrapassando o paradigma anterior da ajuda pública ao desenvolvimento da assistência. Há um novo paradigma, criação de parcerias, mobilização de recursos tendo em vista um novo patamar assente em princípios e estratégias que permitam ao país continuar na senda dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável 2030. Para tanto, o MpD propõe conceber novos mecanismos e novas ferramentas de financiamento externo, para melhor responder a esses desafios, garantindo assim a sustentabilidade financeira, ambiental e a estabilidade macroeconómica de Cabo Verde”, aponta.

“O MpD assume promover políticas, nomeadamente, para consolidar a posição de Cabo Verde no Atlântico Médio, na promoção e manutenção da paz e segurança regionais internacionais, da democracia e dos direitos humanos”, acrescenta.

Caso seja reeleito para mais um mandato, Rui Figueiredo Soares aponta que o MpD tem várias políticas a serem implementadas, entre as quais a promoção de Cabo Verde como plataforma de circulação e prestação de serviços de alto valor acrescentado e de atracção de investimento, assim como o reforço das relações com os parceiros tradicionais e novas parcerias económicas.

“Assumir compromissos internacionais para a promoção da nossa economia nacional e para o financiamento do desenvolvimento sustentável, nomeadamente no quadro dos pequenos Estados Insulares, incluindo a problemática do alívio da dívida externa. Neste sentido, o MpD priorizará, para a próxima legislatura 2021/2026, uma diplomacia política que promova a viabilidade, a visibilidade e incremento da participação de Cabo Verde no concerto das nações. Uma diplomacia económica que favoreça o investimento privado estrangeiro, uma diplomacia securitária em todos os seus aspectos, que assegura a estabilidade de Cabo Verde, também segurança ao nível sanitário, mas também uma diplomacia cultural que projecte com maior vigor a imagem do país além-fronteiras e uma diplomacia dedicada às comunidades cabo-verdianas residentes no exterior”, propõe.

PAICV

O Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) considera que a política externa de Cabo Verde sofreu um grande retrocesso nos últimos cinco anos, com a governação do MpD. O partido, pela voz de Francisco Pereira, refere que as relações externas sempre mereceram um amplo consenso nacional e que esta é uma área que deve ser tratada com sentido de Estado, tendo em conta o interesse nacional.

Para o PAICV, não foi isso que aconteceu na última legislatura.

“Tivemos vários episódios, nomeadamente o caso do desmentido em Angola, o anúncio de que os cabo-verdianos teriam acesso para viajar para Suíça, Noruega e outros países, em 2019. E temos casos concretos que, do nosso ponto de vista, não foram bem conduzidos, como a candidatura de Cabo Verde à presidência da comissão da CEDEAO e a candidatura junto da UNECA. Mas recentemente, tivemos outro episódio da nossa política externa que manchou a nossa imagem, que tem a ver com a colocação ou nomeação do cônsul César do Paço na Flórida, que tem ligação à extrema-direita de Portugal. Do nosso ponto de vista, isto veio manchar, e de que maneira, a nossa imagem”, entende.

Sobre a integração regional, Francisco Pereira fala de um discurso pomposo, por parte do governo, sem uma agenda virada para a CEDEAO. O PAICV defende que, nos próximos tempos, Cabo Verde tem que trabalhar o 'dossier África', porque o arquipélago tem uma grande potencialidade que não está a aproveitar.

A parceria especial com a União Europeia também é outra área que o partido quer ver reforçada nos próximos cinco anos.

“Um dos eixos da nossa política externa, que vamos ter que consolidar, é a nossa aproximação junto da CEDEAO e junto das regiões da Macaronésia. Parece-me que os seis pilares que marcam a parceria especial Cabo Verde–União Europeia devem ser reforçados. Nós temos o terceiro pilar que é técnico-normativo e nós temos que, efectivamente, aprofundar esse acordo e tentar trabalhar para garantir a mobilidade dos cabo-verdianos e dos produtos de Cabo Verde”, defende

“Ter uma diplomacia, acima de tudo, patriótica, que põe o interesse de Cabo Verde acima dos outros interesses”, concretiza.

Recentrar a política externa, dar enfase à política económica, sem esquecer a diplomacia cultural e a atenção aos emigrantes são outras apostas do PAICV.

“Nós queremos recentrar a nossa política externa e ter a diplomacia económica no centro das prioridades. É evidente que Cabo verde vai continuar a ter relações externas com todos os países tradicionais, mas também vamos procurar dinamizar os nossos esforços junto das instituições multilaterais, para que possamos dar passos decisivos na consolidação da agenda 2030. Eu penso que é fundamental, neste momento, termos uma agenda proactiva que nos permita dialogar e procurar o perdão da dívida. O segundo eixo é ‘captar’ o investimento directo estrangeiro e dos nossos emigrantes”, sugere.

PP

O Partido Popular (PP) afirma que os sucessivos governos têm complicado as relações externas do país. João de Carvalho diz que nem os executivos do PAICV, nem os do MpD, têm seguido a Constituição da República nesta matéria, nomeadamente, no que diz respeito à questão da reciprocidade.

“A análise que fazemos da política externa é que os nossos governantes têm complicado as nossas relações internacionais desnecessariamente. As nossas relações externas são muito fáceis num mundo que é globalizado. De vez em quando vemos situações que até parece que os nossos governantes nem sequer levam em conta a nossa própria Constituição na sua política externa. Ela já dá indicações muito claras sobre como se deve gerir a nossa política externa. Ficamos até um pouco decepcionados com o rumo com que as nossas relações internacionais estão neste momento”, posiciona-se.

O partido fundamenta a posição com a aprovação do acordo SOFA com os EUA, a política de isenção de vistos e a alegada ingerência nos assuntos internos de outros países.

“A nossa Constituição já define que as nossas relações internacionais devem reciprocidade e muitas vezes não notamos isso na política externa dos partidos que têm governado Cabo Verde. Por exemplo, o acordo SOFA. Aprovámos um acordo com os EUA e nenhum deputado no parlamento levantou a questão sobre a reciprocidade. A Constituição defende que tem que haver alguma reciprocidade. O nosso governo aprovou isenção de vistos, mas os cabo-verdianos até hoje perguntam onde está a reciprocidade”, diz.

O PP defende que a política externa deve ser vista como mais um instrumento para o desenvolvimento do país. O partido promete fazer a pressão necessária para que Cabo Verde trabalhe para a integração africana, mas sem descurar, mais uma vez, a questão da reciprocidade.

“Será que os políticos não consultam a Constituição quando estão a governar Cabo Verde? Com o PP, mesmo que seja a presença de um deputado no parlamento, as coisas vão mudar. Vamos trabalhar para que a politica externa do país, seja qual for o partido a governar, seja pautada pelas indicações que já estão na nossa Constituição”, alerta

“A nossa Constituição também já defende que temos que trabalhar para uma integração africana, mas essa integração não pode violar os outros dois princípios, que é a não ingerência dos assuntos internos dos outros países e também tem que trazer reciprocidade”, complementa.

PSD

O Partido Social Democrata (PSD) considera que, ao nível das relações externas, o que existe é uma troca de favores entre Cabo Verde, os países da União Europeia e a China. O PSD, através do coordenador político nacional, José Rui Além, defende que Cabo Verde deve afirmar a sua posição perante as entidades internacionais, principalmente a nível dos negócios.

“Por exemplo, nós temos um mar imenso e riquíssimo – é o nosso petróleo, o nosso diamante, é o nosso ouro - que foi entregue de mão beijada para a Europa. A China também cá vem e todos aproveitam-se disso. Em troca, nas nossas relações externas, nós evacuamos doentes, estudantes, desempregados para esses países e eles fazem favores a Cabo Verde para receberem aqueles estudantes, os doentes e os desempregados que procuram uma vida melhor. Importa que as pessoas estejam devidamente organizadas, instruídas e educadas, para que possamos ter uma posição perante as entidades internacionais de dizer ‘nós não vamos vender o nosso peixe ao desbarato’. Temos que valorizar aquilo que é nosso, para que possamos ter uma afirmação perante as entidades internacionais”, refere.

O PSD defende uma maior aposta na internacionalização de empresas, para que as relações com os países estrangeiros sejam mais fortes ao nível da promoção empresarial. Outra aposta passa por um melhor aproveitamento do conhecimento dos países com os quais Cabo Verde tem relações de cooperação.

“É esse o objectivo do PSD, apoiar os cidadãos para que a nossa economia, neste tema das relações externas, possa ter uma oportunidade de internacionalização. Se nós continuarmos apenas a reprimir os empresários cabo-verdianos e a aceitar apenas o empresariado estrangeiro, jamais teremos uma projecção da nossa cultura empresarial. E é preciso apoiar os empresários nacionais, adquirindo, através dessas relações externas, conhecimentos e saberes necessários para que se possa colocar nesta terra alguma felicidade”, defende.

José Rui Além não esquece o caso que envolve o empresário colombiano Alex Saab, detido em Cabo Verde desde 12 de Junho de 2020. O PSD espera que este caso não prejudique a relação de Cabo Verde com alguns países.

“Espero que a Venezuela e o Irão não considerem Cabo Verde como um país inimigo devido à situação do Alex Sabb. Se o PSD tiver confiança do povo para ter deputados suficientes no Parlamento vamos denunciar, a qualquer momento, certas coisas que se passam”, realça.

“Não iremos perdoar nada para que Cabo Verde tenha um país inimigo. Cabo Verde nunca teve um país inimigo, e espero que assim seja”, avisa.

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PTS

O Partido do Trabalho e da Solidariedade (PTS) considera que as relações externas de Cabo Verde, apesar de alguns ganhos, precisam de uma nova abordagem. O cabeça-de-lista do partido por Santiago Sul, Carlos Lopes, conhecido por Romeu di Lurdes, aponta sobretudo a necessidade de um melhor acompanhamento da integração da comunidade cabo-verdiana na diáspora.

“Nós vivemos da diáspora, temos uma grande quantidade de cabo-verdianos fora e também temos uma relação muito especial com outros continentes e países. Portanto, primeiramente, devemos pegar nas nossas embaixadas, que por acaso tiveram uma melhoria significativa em termos dos serviços e também de trabalho, mas penso que falta muito mais, principalmente de acompanhar a vida dos cabo-verdianos lá fora - muitas vezes, tudo é protocolo e logística. Nesta relação externa entra a questão de saúde, da própria emigração, da educação, ou seja, temos vários factores que obrigam as nossas famílias a emigrarem”, observa.

A não resolução definitiva da questão dos vistos para estudantes e para evacuações médicas são preocupações do PTS. O investimento nas embaixadas também é outra proposta apresentada por Carlos Lopes.

“Tratar com mais eficácia os vistos dos nossos estudantes, as condições de recepção lá fora, temos de acompanhar isso. Também na questão de saúde, muitas vezes, temos pouca facilidade na mobilidade para este sector. Na relação externa, tem que se priorizar isso, tem que se facilitar a concessão de vistos para esses assuntos”, defende.

“Também o PTS defende que nas nossas embaixadas precisamos apostar fortemente nas dinâmicas culturais, como forma de aproximar os cabo-verdianos”, preconiza.

Para o PTS, a actual conjuntura mundial exige um olhar atento sobre a integração do cabo-verdianos no exterior. A reciprocidade nas relações com os parceiros do país é outra questão a ter em conta.

“A nossa proposta é continuar a acompanhar os cabo-verdianos nas suas realidades no exterior, continuar a auscultar para ver quais são as necessidades, repensar e reflectir com o parlamento sobre os problemas que afectam a nossa comunidade na diáspora e criar alternativas que possam ser aplicadas no tempo certo. É fazer com que a nossa comunidade se sinta bem onde estiver e também fazer com que os nossos parceiros estabeleçam as mesmas prioridades que lhes estabelecemos, principalmente no sentido de entrada e saída”, aposta.

UCID

A União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID) classifica de preocupante a situação actual da política externa do país. A gestão do dossier da CEDEAO, que culminou com a perda da presidência da comissão executiva da organização ou, mais recentemente, a nomeação do cônsul honorário de Cabo Verde na Florida, são exemplos de alegadas falhas da diplomacia cabo-verdiana, entendem os democratas-cristãos.

Júlio Carvalho, em representação da UCID, acusa o governo de ter colocado em causa a imagem e credibilidade de Cabo Verde.

“A excessiva partidarização da relação externa de Cabo Verde em todos os âmbitos é que foi o mais perigoso. O fiasco da isenção de vistos com a UE e Reino Unido, a falta de uma política de empoderamento das comunidades através de vários países. Se notarmos, as nossas comunidades no mundo são importantes mas não existe uma política de empoderamento para que se possam integrar onde estão. O governo falhou ao não reconhecer os quadros de Cabo Verde, nos diversos partidos políticos, para ajudar o país”, considera.

A UCID promete uma visão diferente para a política externa.

“Vamos utilizar a capacidade dos cabo-verdianos que estão lá fora e fazer uma avaliação da situação e analisar, para que possamos fazer programas que vão beneficiar Cabo Verde em todos os aspectos. Eu acho que nos deveríamos sentar, analisar o nosso relacionamento com os EUA, a EU”, exemplifica.

“Particularmente, há uma área onde acho que temos falhado de forma tremenda, que é com a nossa sub-região. Vamos dar prioridade à sub-região, entender as situações e aproximar. Temos de conhecer o nosso vizinho antes de alagar”, realça.

A consolidação da integração do país no continente, a recentragem da política externa com a política do não alinhamento são outras propostas da UCID.

“Sempre temos dito que investir no homem cabo-verdiano é o caminho a seguir, por sermos um país pequeno. É por esta razão que os cabo-verdianos estão fora de Cabo Verde. Estão sempre a cantar que temos meio milhão, mas nunca se fez qualquer investimento para que possam saber quanto cabo-verdianos temos fora, aproximarmo-nos da nossa sub-região, apostar no Homem cabo-verdiano e continuarmos nesta política do não alinhamento e quiçá transformar alguns lugares do arquipélago, devido à nossa estabilidade e posição geográfica, como um centro de resolução de conflitos, porque temos capacidade”, propõe.

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O Fórum 2021 - a caminho das legislativas - é o programa de cobertura eleitoral da Rádio Morabeza. Pode ouvir-nos de segunda a sexta-feira, até 16 de Abril, às 09h00 e às 17h00, em 90.7 (São Vicente, Santo Antão e São Nicolau), 93.7 (Santiago, Maio e Fogo) ou radiomorabeza.cv.

A ordem de apresentação dos partidos segue um critério alfabético na primeira edição (05/04) e rotação a partir daí.


*Nuno Andrade Ferreira (edição), Ailson Martins, Fretson Rocha, Lourdes Fortes

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Autoria:Rádio Morabeza, Expresso das Ilhas,13 abr 2021 12:14

Editado porAndre Amaral  em  18 jan 2022 23:20

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