Habitação: O que propõem os partidos?

​Os partidos concorrentes às eleições de 18 de Abril querem uma solução definitiva para o problema da precariedade habitacional no país. A promoção da habitação digna, criação de uma estratégia nacional, ordenamento do território e gestão sustentável dos solos são outras propostas.

A Habitação é o tema do derradeiro "Fórum 2021 – A Caminho das Legislativas", uma iniciativa da Rádio Morabeza, que pode ser lida no site do Expresso das Ilhas.

PSD

O Partido Social Democrata (PSD) entende que os governantes têm tratado a questão habitacional com desatenção total.

Para o partido, o Estado não conseguiu dar resposta ao défice habitacional, principalmente para a camada mais desfavorecida.

José Rui Além, coordenador político nacional do PSD, critica as formas de construção que existem no país e defende que as edificações sejam feitas por empresas que depois vendem moradias às pessoas.

“Uma desatenção total dos governantes no que respeita à habitação. Nós sabemos hoje que as pessoas fazem construções e não tem casa de banho. Cada um faz como quer. É a autoconstrução. O que nós encontramos nas nossas cidades, em Cabo Verde, é uma tristeza total. São favelas, porque não são empresas que fazem as construções. Deviam ser as empresas de construção civil a construir habitação e depois vender para que as famílias possam comprar da mesma forma que compram um fogão, um frigorífico, um televisor, uma mesa, cama”, afirma.

O PSD entende que o Estado deve garantir um salário digno, no sentido de cada um ter capacidade de ir ao banco para obter financiamento para habitação.

José Rui Além defende que é preciso ter cidades a crescer na vertical, deixando espaços para outras actividades.

“Voltamos ao tema principal do PSD, que é dar dignidade às pessoas. As pessoas têm que ter dinheiro que lhes foi roubado pelo próprio Estado. O Estado deve devolver esse dinheiro para que as pessoas possam ter um salário digno e ir ao banco fazer um empréstimo para comprar um apartamento. Porque, qualquer dia, se continuarem a distribuir terrenos para este, aquele e aqueloutro, os nossos filhos e os nossos netos já não terão terreno para construir. Também os nossos agricultores não terão terreno para trabalhar”, defende.

“Temos que entender que o nosso espaço é muito pequeno e temos de crescer para cima e não para os lados”, acrescenta.

O PSD entende que o Estado tem fechado os olhos em relação às construções clandestinas.

“O que acontece é que temos esta construção clandestina e o Estado fecha os olhos porque está ausente. Temos as construções clandestinas e depois não temos espaços de lazer para passear com a família. Mas isso tudo tem a ver, também, com a segurança das pessoas. Os governos, tanto do MpD como do PAICV, sempre tentaram destruir Cabo Verde nesse sentido. Nós acreditamos que dar felicidade, garantia e segurança aos cabo-verdianos é a nossa missão principal, que queremos cumprir se tivermos a confiança dos cabo-verdianos”, finaliza.

PTS

O Partido do Trabalho e da Solidariedade (PTS) considera que os governos têm falhado no direito à habitação, consagrado na Constituição.

Segundo o partido, têm faltado políticas eficazes com vista a combater a precariedade e o défice de habitacional.

Carlos, Lopes, mais conhecido como Romeu di Lurdes, em representação do PTS, recorda que ter uma casa digna é um direito e uma aspiração legítimos de qualquer cabo-verdiano.

“Quando falamos da habitação, devemos lembrar que é um bem básico. Além de consagrado na Constituição, socialmente, todos sabemos que a habitação é auto-estima, dignidade e, também, uma questão de ética de governação e respeito”, avança.

“Portanto, um governo que não aposta na habitação não respeita o seu povo. Um governo que permite que o seu povo more nas barracas e, enquanto isto, aposta noutras coisas, que não são prioritárias, é um governo que não é amigo do seu povo. A habitação requer muita atenção, principalmente na gestão dos solos”, analisa.

Romeu di Lurdes recorda que a precariedade financeira é uma das barreiras que impedem as famílias de construir ou comprar casa.

Por isso, a construção de moradias sociais ou a facilitação de terrenos para construção é uma das propostas do partido.

“Facilitar a política bancária na aquisição de terrenos é uma das nossas propostas, também. Criar moradias sociais, propor às famílias uma moradia condigna e distribuir os terrenos com mais equidade. Os lugares mais planos e mais dignos, praticamente, são das grandes empresas, o povo é condenado a habitar nas encostas, porque os lugares mais urbanizados já têm dono e estão loteados para venda. Quando cobramos a uma vendedeira 450 mil escudos para legalizar o seu terreno, estamos a dizer-lhe que nunca mais terá uma casa”, afirma.

O PTS defende uma política de habitação jovem, entre outras propostas.

“Propomos a erradicação das barracas, uma melhor política para distribuição dos solos, facilitação de créditos bancários. Propomos também uma política de habitação jovem. Se repararmos, os jovens, hoje, ou moram na casa dos pais, de renda, ou estão nas barracas. É preciso facilitar a política de venda e distribuição de terrenos, facilitar a política bancária para o financiamento, apostar fortemente na construção de moradias sociais e não ver a habitação como instrumento para caçar votos”, preconiza.

UCID

A União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID) faz uma avaliação negativa das políticas habitacionais dos sucessivos governos, porque, no seu entender, não responderam às reais necessidades do país e não promovem o bem-estar e uma vida digna para os cabo-verdianos.

Para Edson Ribeiro, candidato da UCID pelo círculo eleitoral de Santiago Sul, os programas de reabilitação e promoção de novas habitações, até agora adoptados, não dão resposta às necessidades da população.

“Convém dizer que, a nível de habitação, andamos de mal a pior. Para já, temos um défice habitacional enorme, temos famílias que vivem em condições bastante precárias, o que faz com que essas famílias não estejam a viver com a dignidade merecida e desejada. Temos tido alguns programas de reabilitação de habitações e de promoção de novas habitações, mas não dão resposta às necessidades que a população cabo-verdiana enfrenta. Nós temos o projecto Casa Para Todos, que iniciou na governação anterior, mas este programa acabou por ser ‘casa para alguns’, na medida em que muitas famílias necessitadas acabaram por ficar sem a possibilidade de ter acesso a essas casas”, aponta.

O desenvolvimento de um plano estratégico de habitação 2021/2025, como forma de dinamizar a recuperação das casas degradadas em todo o território nacional, assim como a implementação de projectos de construção a um custo controlado são as primeiras propostas que a UCID tem em carteira.

Os democratas-cristãos também querem negociar com a banca no sentido de criar condições vantajosas para a aquisição, remodelação ou construção de casa própria.

“Nós iremos desenvolver programas muito próximos dos municípios para erradicarmos as barracas e proporcionarmos uma vida mais digna aos cabo-verdianos, principalmente os que vivem em situação de maior vulnerabilidade, nomeadamente as famílias carenciadas ou em situação de risco”, promete.

“Também temos a ideia de desenvolver uma negociação com o Banco de Cabo Verde, no sentido de conseguirmos condições muito mais acessíveis para créditos destinados à construção ou aquisição de casa própria. Desde logo, temos aqui a camada jovem que tem sido muito prejudicada e esquecida ao longo dos sucessivos governos, que nós pretendemos que usufruam de condições de crédito mais favoráveis”, afirma.

Edson Ribeiro lembra que a questão da banca só se põe se se conseguir driblar o desemprego.

“A ideia é criar empregos, mas que esses empregos sejam dignos e capazes de dar condições às pessoas para construírem as suas casas, para investirem na sua habitação e assim poderem viver da forma mais digna possível. Uma outra proposta que nós temos é a redefinição do papel do IFH, atribuindo-lhe competências nas áreas de formulação e execução de políticas públicas no que diz respeito ao sector da habitação. Nós temos um conjunto de propostas que visam, acima de tudo, fazer com que os cabo-verdianos tenham a possibilidade que nunca terem de viver sem dignidade”, sublinha.

MpD

O Movimento para a Democracia (MpD), partido que sustenta o actual executivo, em final de mandato, defende que Cabo verde está hoje com melhores indicadores no sector da habitação, quando comparado com 2016.

O partido fala na implementação de medidas assertivas e ajustadas à realidade nacional.

Eunice Silva faz um retrato daquilo que o actual governo encontrou em 2016.

“Existiam, no cadastro único de beneficiários de habitação de interesse social, cerca de 30 mil inscritos à espera do Casa para Todos, tínhamos um défice quantitativo estimado em 40 mil e qualitativo em 66 mil. Tínhamos 20 empreitadas do Casa para Todas paradas para serem retomadas, tínhamos uma dívida acumulada com os empreiteiros de mais de dois milhões de contos. Tínhamos, de imediato, que desenhar a nossa ofensiva para, responsavelmente, considerando que havia um compromisso de Cabo Verde com financiamento externo, dar uma especial atenção à situação da dívida e levar à frente o programa, que estava em cerca de 40% de realização e viemos a dar continuidade nesta linha”, observa.

O programa de realojamento das famílias que vivem em casas de lata é outra frente de actuação. A representante do MpD destaca a requalificação dos bairros habitacionais, no que toca às intervenções físicas.

O MpD sublinha o trabalho feito na planificação, nomeadamente com a realização do perfil do sector da habitação.

“Cabo Verde nunca teve um perfil de habitação do sector. Neste momento, o país tem uma radiografia, conhece profundamente qual é a realidade. Conhecendo esse problema, foi possível traçar políticas, o Estado também publicou a política da habitação, ao mesmo tempo que publicou a política do ordenamento do território. A partir daqui, fizemos as orientações estratégicas que definem as áreas prioritárias, as opções a seguir e os instrumentos que eram necessários para conduzir a actuação do governo. Aí, surge o plano nacional de habitação, mas também outros instrumentos”, enumera.

Para o próximo mandato, caso volte a ser governo, o MpD promete priorizar a implementação de programas nacionais, sobretudo na construção de habitações sociais

A urbanização das áreas habitacionais também é outra meta.

“Esse desafio tem a ver, sobretudo, com a criação de condições para que as famílias tenham acesso à habitação, que passa pelo preço acessível, infra-estruturas básicas de acesso a electricidade, água, esgoto, urbanização de assentamentos, elaboração dos planos e políticas relacionadas com o quadro legal forte e reforçado, para que, de facto, se possa cumprir com este requisito estabelecido na Constituição”, avança.

“Vamos continuar a requalificar e reabilitar os espaços. Reforçar a elaboração dos planos urbanísticos. Está programado, nos próximos 10 anos, segundo o plano, investir 136 milhões de contos, em média 100 milhões de euros ano, para responder às 38 mil casas que o plano identifica como uma necessidade”, refere.

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PAICV

O Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) afirma que o actual governo trabalhou sem estratégia clara para o sector da habitação.

O porta-voz do partido, Carlos Tavares, diz que, para além de um preocupante défice quantitativo, há um défice qualitativo nas habitações no país.

Por isso, o PAICV afirma que existe uma falha crítica no sector e acusa o actual governo de ter politizado a habitação, nomeadamente o programa habitacional Casa para Todos.

“A questão habitacional constitui um dos principais problemas urbanos, sobretudo, para as camadas de baixa renda. A crescente urbanização colocou considerável pressão sobre o mercado imobiliário e estima-se em Cabo Verde que o défice habitacional quantitativo, que é falta de habitação, se situa entre 23 mil a 44 mil focos, e do ponto de vista qualitativo, as habitações que necessitam de melhorias situam-se entre 60 a 90 mil, portanto. É evidente que temos aqui um problema de falta de habitação e temos um problema claro que é associado a todo o sistema ligado à habitação. Falo da falta de uma política clara e consistente de solos, que permite realmente programar, a curto, e médio prazos as necessidades habitacionais para a sua concretização”, diz.

O PAICV assume o compromisso de executar políticas públicas para uma habitação social condigna.

A meta é formular uma nova estratégia nacional e renovar o sector da habitação, por forma a permitir que todos os cabo-verdianos tenham acesso a uma casa digna.

“Deve ser formulada uma estratégia nacional para a habitação, isso passará por olhar a habitação de forma integrada, envolver de forma mais enérgica os diferentes parceiros nesta contenda, os privados, organizações da sociedade civil, as Câmaras municipais, para numa única frente poderem olhar e materializarem uma política de habitação que seja mais consistente”, aponta.

“Nessa linha, temos algumas propostas, como é o caso da reabilitação das habitações, que entendemos que deve ser feita de forma mais qualificada e integrada. É necessário disponibilizar lotes para jovens quadros e famílias carenciadas para construírem as suas casas. O PAICV entende que se deve alargar o leque de incentivos, os escalões de beneficiários, apoio a aquisição de nova habitação e ou arrendamento”, acrescenta.

A questão da gestão dos solos e do ordenamento dos territórios é outra preocupação.

O partido entende que Cabo verde precisa de uma gestão de solos feita com transparência, de modo a aproveitar as potencialidades do país

“É preciso olhar para a questão do solo e da coisa pública, começarmos a responsabilizar quem gere de forma danosa o solo e a coisa pública para fins que não são de interesse público. Nesse caso, é preciso fazer reformas, no sentido de criminalizar essa gestão danosa. Olhamos a habitação dentro de uma política do solo, dentro de uma política urbana, não como algo disperso, isolado ou desgarrado. A política de habitação deve ser integrada, socialmente inclusiva, solidária e sustentável”, defende.

PP

O Partido Popular (PP) lembra que o acesso à habitação é um direito fundamental, mas entende que há falta de consciência por parte dos dirigentes.

O partido, pela voz de Cipriano Fernandes, considera que o sector da habitação tem estado à deriva e reclama um esforço sustentado, planeado e intencional, para que se resolva o problema no país.

“Em termos de uma intenção planeada e com prazos para se resolver o problema da habitação. Isto nunca aconteceu. O sector está abandonado porque não tem norte. E nós acabamos por ter, com o tempo, coisas interessantes. Repare que antigamente o IFH – Instituto de Fomento a Habitação servia como braço do governo central para o fomento das políticas que levassem a mitigação do problema da habitação. Infelizmente, o instituto acabou por ser desfigurado, transformaram o instituto em mais uma imobiliária, mais interessada em ganhar dinheiro do que propriamente em resolver os problemas da população. Não há uma política de inclusão, nem para mudar a situação daqueles que não conseguem ter um crédito predial”, analisa.

Cipriano Fernandes diz que as Câmaras Municipais têm sido incapazes de gerar solo urbano, com a maior parte dos planos directores municipais engavetados, sendo o caso mais grave o de São Vicente.

O Partido Popular defende que o problema só será resolvido com a elaboração dos planos urbanísticos e com a recuperação do aforamento, para facilitar a aquisição de lotes para construção.

“O aforamento é a chave para resolver o problema de habitação em Cabo Verde, porque a maior parte das pessoas não tem condições de comprar terrenos para construir a sua habitação própria. E se conseguirem dinheiro para comprar o tal lote, depois não conseguem ter taxa de esforço nos bancos para construírem”, afirma.

“Portanto, não vamos resolver o problema da maior parte das pessoas que não tem condições em lugares urbanizados e seguros sem produzir solos urbanos em quantidade para acudir a demanda e sem distribuir lotes por aforamento. Esta é a base de toda a proposta do Partido Popular”, soma.

Cipriano Fernandes não tem dúvidas de que as construções clandestinas são consequência da inexistência de aforamento e da falta de solo urbano novo para acudir à demanda crescente.

Para o PP, não houve vontade da parte dos governos do PAICV e do MpD para resolver a situação que acaba por dar espaço à especulação imobiliária.

A economia social é outra via proposta pelo partido para resolver o problema habitacional do país.

“E depois há a corrupção do mercado imobiliário, que se aproveitou da ausência crónica e intencional e um planeamento eficaz e da eliminação da figura do aforamento, nos últimos 23 anos, para acentuar ainda mais as desigualdades e a ingovernabilidade das nossas cidades. Portanto, são três coisas: inexistência de uma gestão urbanística transparente, previsível e eficaz ao nível do planeamento, a inexistência de uma política direccionada, assumida pelo poder público, e a corrupção no mercado imobiliário, como o famoso caso da burla que aconteceu à volta dos terrenos na cidade da Praia”, enumera.

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O Fórum 2021 - a caminho das legislativas - é o programa de cobertura eleitoral da Rádio Morabeza. Pode ouvir-nos de segunda a sexta-feira, até 16 de Abril, às 09h00 e às 17h00, em 90.7 (São Vicente, Santo Antão e São Nicolau), 93.7 (Santiago, Maio e Fogo) ou radiomorabeza.cv.

A ordem de apresentação dos partidos segue um critério alfabético na primeira edição (05/04) e rotação a partir daí.


*Nuno Andrade Ferreira (edição), Ailson Martins, Fretson Rocha, Lourdes Fortes

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Autoria:Rádio Morabeza, Expresso das Ilhas,16 abr 2021 18:13

Editado porAndre Amaral  em  23 jan 2022 23:20

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