As dinâmicas na política internacional, atualmente uma guerra que não é apenas dos Russos e dos Ucranianos

PorJosé da Graça,12 dez 2022 8:26

José da Graça - Tenente-coronel na reforma e Mestre em História, Defesa e Relações Internacionais
José da Graça - Tenente-coronel na reforma e Mestre em História, Defesa e Relações Internacionais

​A guerra na Ucrânia de algum tempo a esta data deixou de ser apenas uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia, pois ela está a mobilizar todos os atores internacionais de maior influência, porquanto nenhum destes a ela é indiferente. A dinâmica das relações internacionais é hoje particularmente condicionada pelas atitudes e ações à volta deste conflito.

Direta ou indiretamente, todos esses atores estão envolvidos na contenda, não apenas do ponto de vista diplomático, mas também do ponto de vista operacional (não direta), pela via de fornecimento de apoios, acabando por condicionar tudo o que se passa no terreno.

O ambiente internacional dos nossos dias cheira a guerra, quando não é “quente”, acontece no tabuleiro da retórica. Aqui, através de acusações muitas vezes fortes e perigosas, os contendores e os seus respetivos aliados procuram ganhos de causa na opinião pública dos seus países, mas também, o que é evidente no plano global.

Nesta sua visita aos EUA, Macron admite que a “Guerra voltou à Europa”, referindo-se à guerra na Ucrânia. E não será a Geografia a desmenti-lo. Se este conflito está a ocorrer num país indubitavelmente europeu, os seus efeitos, os seus envolvimentos, não ficam pelo território ucraniano, o que faz com que seja uma guerra verdadeiramente europeia, por força da atitude dos aliados que, em relação a ela, tomam partido, em defesa de valores, da Democracia e do Direito Internacional, como têm evocado.

Mas isso vem acontecendo também, ainda que de uma forma não direta, nas operações militares no terreno, através dos meios bélicos disponibilizados, ao mesmo tempo que vão insuflando, por via da retórica, algum moral ao povo ucraniano e aos seus militares, que se encontram nas frentes de batalha.

É bom frisar que, tanto a União Europeia, como a NATO, todos constituem entidades que muito têm a perder com uma eventual derrota ucraniana, mas que mais, muito mais, poderão perder com um envolvimento direto das mesmas no terreno, pela escalada que provocaria, elevando a guerra a patamares perigosíssimos.

Presentes e ativos nos bastidores, através da NATO, mas territorialmente fora do continente que traz no seu seio o pivot geográfico da história, a Eurásia, temos os EUA que se mostram preocupados, apoiando Kiev com equipamentos bélicos militares e financeiros, comprometendo-se a ajudar a Ucrânia o “tempo que for necessário”, no contexto desta guerra.

No plano estritamente militar e operacional, com a chegada do general Inverno, temos a sensação de estarmos perante um impasse, numa espécie de guerra de posição, apesar de um ou outro avanço pontual, conquistando porções territoriais aparentemente de menor importância estratégica, embora possam sê-lo do ponto de operacional, no plano de alguma redefinição de ações táticas e operacionais no terreno. Nada nos autoriza, contudo, a concluir que estamos perante uma redefinição da estratégia, ou seja, dos objetivos últimos, portanto políticos, pretendidos com a guerra.

Daí que, se ao nível da manobra terrestre se faz um (talvez longo) compasso de espera, vamos assistindo a bombardeamentos constantes e cirúrgicos dirigidos ao território ucraniano pelas forças russas, fustigando populações com explosões e atingindo infraestruturas críticas, como são as de produção e de distribuição de energia, o que, a cada dia torna mais difícil e penosa a já complicada vida da maioria dos ucranianos.

Os próximos tempos parecem ser muito complicados para o povo ucraniano e o seu governo, pois não se vislumbra no horizonte qualquer possibilidade de paz que venha travar esta agressão impiedosa, apesar de uma ou outra declaração de algum líder ocidental, no sentido de construção de pontes e oportunidades para a paz entre Moscovo e Kiev.

Um pouco das dinâmicas internas em dois países, que podem, eventualmente, vir a ter efeitos estruturais a longo prazo

Presenciamos hoje o avanço de duas dinâmicas, com implicações nas interações futuras entre atores importantes da sociedade internacional.

Uma delas já fizemos referência e tem o seu escopo na geopolítica, tendo a guerra na Ucrânia como elemento central. Esta outra de que nos propomos falar agora tem a ver com as situações internas em dois países fortemente autocráticos: a China e o Irão, com a particularidade, não despicienda, de serem duas potências nucleares.

Os protestos internos na China parecem querer demonstrar-nos que um dos aspetos promovidos pelos estados autoritários, já não conseguem, no mundo de hoje, provocar um dos seus principais efeitos de autossustentação: o medo.

As pessoas parecem libertar-se do medo, do receio de dizerem e desejarem o que querem e o que pensam ser melhores para elas. E isso está a ocorrer na China, indiscutivelmente, apesar dos elevados riscos que a situação acarreta ao nível dos Direitos Humanos.

Num contexto em que o regime parece ter uma necessidade premente de endurecer, evitando e/ou mitigando oposições externas e internas ao seu posicionamento estratégico de longo prazo, eis que surgem manifestações importantes, de cidadãos descontentes com as severas restrições, no âmbito da política de Covid 0, que desafiam o regime e as suas medidas draconianas, que afirmam serem inaceitáveis e insuportáveis.

Os protestos têm acontecido de forma aberta em diferentes cidades da China, e englobam ações perpetrados por estudantes universitários, que se juntando a outras categorias sociais de manifestantes, para além da suavização das medidas contra Covid 19, pedem já a demissão do presidente Xi Jinping, num momento maior de maior onda de desobediência civil, verificada, na China, no consulado deste.

Perante a insistência, ousadia e determinação dos manifestantes, o regime parece ceder em alguns aspetos, no quadro da estratégia de combate a Covid 19, suavizando agora muitas das medidas.

A leitura que fazemos disso é que o governo chinês terá percebido que está perante uma enorme força popular. E o mundo hoje é muito diferente do que era na época em que ocorreu a repressão dos manifestantes, estudantes, na praça de Tiananmen, em 1989. Outrossim, este acontecimento que ainda está vivo na memória das pessoas constitui um elemento a ter-se sempre presente, pelo governo chinês, em quaisquer decisões, pelas feridas ainda abertas e o que representa para a sociedade chinesa e o simbolismo que encerra para uma certa opinião pública mundial.

Poderíamos referir alguns elementos da política interna da China que parecem não autorizar o seu governo a avançar com elevada brutalidade contra os manifestantes, temendo um levantamento popular maior mais difícil de controlar, num momento em que se vê abraços com uma profunda crise económica, com a pobreza a aumentar dramaticamente e com o risco de enfraquecimento do ponto da unidade interna, um ativo essencial para a sua estratégia de projeção a nível mundial e a manutenção do regime chinês.

Já no caso do Irão, assistimos a algo semelhante ao que se vem verificando na China. A detenção e morte da menina de 22 anos, às mãos da Polícia da Moralidade iraniana, colocou o regime perante uma situação difícil de gerir, pela adesão muito grande de populares, que teimam em não parar, enchendo cada vez mais as ruas.

Aparentemente (apenas?) o regime iraniano parece ceder, através do anúncio da Procuradoria-Geral do Irão sobre o fim desta polícia. O que não demove, nem desmobiliza os manifestantes que exigem garantias de medidas estruturais, no sentido de uma maior liberalização do país.

É fácil de ver que ambos os países estão a braços com importantes manifestações de rua, contestatárias de medidas e ações dos respetivos regimes, o que nos leva a acreditar que os governos de estes países terão de repensar muitas das suas medidas e posições, relativamente a aspetos essenciais da governação dos próprios países. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1097 de 7 de Dezembro de 2022. 

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Autoria:José da Graça,12 dez 2022 8:26

Editado porAndre Amaral  em  3 set 2023 23:30

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