Lei da Investigação Criminal traz responsabilidade acrescida ao MP

PorSara Almeida,16 fev 2019 10:55

​A Assembleia Nacional votou esta semana a Proposta de alterações à Lei da Investigação Criminal. Trata-se de uma revisão que, na perspectiva do Procurador-Geral da República, deve ser entendida numa “lógica integrada” de actualização de diversos diplomas legais, que tem de passar obrigatoriamente pela instalação de uma Central de Investigação Criminal na Polícia Nacional (PN), por forma a efectivar os objectivos propostos.

Esta é uma necessidade que Óscar Tavares tem vindo a defender, e cujo impacto, acredita, será verdadeiramente significativo na melhoria da Justiça em Cabo Verde. Com a nova lei, o Ministério Pública vê ainda “densificar” as suas competências no encaminhamento e controlo da investigação e uma responsabilidade acrescida para ter estruturas funcionais aos dois níveis dos órgãos de polícia criminal.

“Dotar o sistema de melhores condições de eficiência da investigação criminal e da eficácia do combate ao crime”. Este é o grande objectivo da alteração à Lei de Investigação Criminal, conforme descrito no próprio diploma que sobe à Assembleia Nacional esta semana.

Na sua prossecução, a proposta de lei vem definir e clarificar os mecanismos de articulação entre o Ministério Público e os órgãos da Polícia Criminal, tanto a nível da Polícia Judiciária (PJ), como da Polícia Nacional (PN). E ao mesmo tempo, procede à clarificação também das competências de cada uma das polícias, reservando à PJ os ilícitos criminais mais graves e complexos.

A importância da PN

Esta é a primeira alteração à Lei, datada de 2008, que embora já ultrapassada face a diversas alterações legais e às novas realidades da criminalidade, na verdade nunca foi efectivamente implementada.

Aliás, a estrutura matriz dessa primeira Lei da Investigação Criminal já era, como recorda o Procurador-Geral da República (PGR), “repartir a competência na coadjuvação ao Ministério Público, entre a Polícia Nacional e a Polícia Judiciária, numa lógica em que para os crimes mais complexos, a coadjuvação seria da PJ e nos processos de menor gravidade, da PN”.

“Infelizmente volvidos todos esses anos a PN não conseguiu estruturar-se ao ponto de dar um apoio nos termos em que era exigido”.

A criação da Brigada de Investigação Criminal ficou restrita à Praia e São Vicente, e em 2015 iniciou-se a instalação de alguns Núcleos de Investigação Criminal para cobrir todo o território. Essas estruturas, contudo, não elevaram o patamar ao nível investigativo e de coadjuvante do Ministério Público desejado e preconizado em diversas Leis, incluindo o Código de Processo Penal.

“Por limitações, eventualmente de Recursos Humanos, mas também por não se ter uma estrutura profissionalizada de investigação criminal, acabou-se por não alcançar o propósito”. Inclusive, muitas vezes, os agentes encarregados da investigação, acumulam essa com outras responsabilidades profissionais.

Em diferentes momentos, Óscar Tavares tem insistido que só com a instalação e funcionamento de uma Direcção Central de Investigação Criminal na PN, se pode de facto concretizar a visão prevista na Lei e reforçada na revisão. Uma posição aqui reiterada.

Recorde-se que essa central, que irá coordenar a investigação desta polícia a nível nacional, já está contemplada na Orgânica da PN, conforme a sua revisão de 2017. Com a sua instalação “a Investigação Criminal deixa de estar sob a responsabilidade de cada esquadra” e seu comandante e “passa a ter uma estrutura nacional, que está junto da direcção nacional, que permite uma investigação numa lógica mais profissional e de dedicação exclusiva”, explica o PGR.

Num contexto em que cerca de 85 em cada 100 processos do MP são de pequena e média criminalidade, em que dos 35.000 processos pendentes na PJ, 24.000 reportam-se a crimes como furto, abuso de confiança e furto de uso de automóvel, urge pois pôr todos os diplomas a funcionar em concomitância, libertando a PJ para aquilo que por lei lhe cabe investigar e trazendo celeridade aos processos.

Uma lógica integrada e complementar

Entretanto, de acordo com Óscar Tavares, “a nova lei vem fazer uma repartição mais clara daquilo que são as competências da PJ e PN”, tendo em conta também “as actualizações do novo Código do Processo Penal e novos tipos penais, que resultam do Código Penal e da legislação extravagante”.

Para o PGR, contudo, o sucesso da sua implementação no terreno está dependente da aposta da PN.

“Vejo a Lei da Investigação Criminal não numa perspectiva de per si, separada, mas numa lógica integrada, que passa necessariamente pela implementação da instalação da Central de Investigação Criminal da PN, de forma a que possamos contar com duas estruturas efectivas, dois órgãos da Polícia Criminal, a PN e a PJ, com capacidades investigativas que nos permitam ter respostas mais céleres e reduzir aquilo que é o volume do processo”, insiste.

A revisão prevê um conjunto de crimes que pela sua complexidade técnica são da competência exclusiva da PJ. Mas além desses, prevê ainda outros que devem ser “preferencialmente” atribuídos à PJ, abrindo-se contudo a possibilidade de poderem ser investigados pela outra polícia.

Aliás, essa possibilidade vem na linha das recomendações do Ministério Público que, tendo em conta a escassa presença da PJ no território nacional (a PJ apenas tem representação na Praia, São Vicente, Sal e “um pequeno núcleo” na Boa Vista), propôs alguma flexibilidade na delegação dos crimes.

Isso vem permitir, pois, que “o MP enquanto titular da acção penal em função da realidade do território nacional e das questões que cada processo em concreto coloca, possa contar com a coadjuvação de um ou outro órgão”. Ou seja, é dada uma maior responsabilidade ao MP no encaminhamento de cada caso concreto.

Na mesma linha, o diploma vem demandar ao MP, enquanto titular da ação penal e de acordo com o PGR, “capacidade de articulação, de aproveitar as competências, na forma de evitar sobreposições do ponto de vista da Investigação Criminal e rentabilizar os recursos humanos e os meios disponíveis.”

Vem ainda “densificar” a posição do MP no controlo permanente da investigação.

“O grande desafio que temos é a responsabilidade do MP de conseguir conduzir do início ao fim, para podermos ter uma Investigação Criminal mais célere e uma clarificação dos processos que são investigados”, resume Óscar Tavares.

O PGR e presidente do Conselho Superior do Ministério Público, que foi ouvido no âmbito da elaboração deste projecto de Lei, considera que em “grande medida” as propostas do MP foram acatadas na revisão. O parecer, aliás, que apresentaram ”foi no sentido favorável à aprovação da lei”.

“Com este quadro legal creio que estarão criadas, pelo menos do ponto de vista legal, condições mais claras, mais objectivas em matéria da Investigação Criminal”, diz Óscar Tavares, salvaguardando contudo haver sugestões que espera poderem “ser acolhidas por forma a poder melhorar” a Investigação Criminal nacional.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 898 de 13 de Fevereiro de 2019.

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Autoria:Sara Almeida,16 fev 2019 10:55

Editado porDulcina Mendes  em  7 nov 2019 23:21

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