“Um mês numa concessão de vinte anos é pouco tempo para um balanço”, começa por apontar o administrador da Cabo Verde Interilhas, Paulo Lopes, ao Expresso das Ilhas. Reconhecendo que no início as operações passaram por alguns percalços “naturais em todos os processos de mudança, sobretudo naquela ligação de São Vicente a Santo Antão” Paulo Lopes assegura que “depressa tudo ficou resolvido”. “Tirando essa questão acho que [o primeiro mês] correu muito bem. Não podemos esquecer que este não é um simples processo de aquisição de uma operação. Foi um processo complexo onde migraram activos e pessoas de várias organizações para uma terceira, que é a CV Interilhas, sem comprometer a operação”.
O número de ligações, garante o administrador da empresa, “quase duplicou, claro que em prejuízo de uma ligação que era privilegiada, quando estavam operadores privados, que era a de São Vicente - Santo Antão. Naturalmente, num mercado livre, o privado corre para a rentabilidade. Agora esses activos foram desviados para rotas mais sociais, digamos assim, e aquela ficou coberta com a oferta necessária mas não há a redundância como havia antigamente”.
A redundância de oferta nas ligações entre São Vicente e Santo Antão, reconhece Paulo Lopes, “pode fazer sentido se tivermos em linha de conta que é essa redundância é sempre necessária, sobretudo numa linha com a importância que aquela tem no tráfego de passageiros e na ligação económica das duas ilhas”. No entanto, os meios e as obrigações contratuais que a empresa tinha “não permitiram fazer melhor. Mas consideramos que este é um factor a ter em linha de conta e vamos a curto prazo arranjar soluções para isso”.
Concurso internacional
Como se sabe, o concurso internacional para a concessão dos transportes marítimos interilhas foi ganho pela Transinsular. No entanto, logo após a divulgação dos resultados do concurso, o governo anuncia que afina a empresa portuguesa iria ser a accionista maioritária de um consórcio com um conjunto de empresas nacionais do sector marítimo. Nada que a Transinsular veja como negativo. “Foi até uma oportunidade para reforçar esta concessão e este projecto”, garante Paulo Lopes para quem a participação da grande maioria dos operadores locais fez com que “deixassem de ser nossos concorrentes para serem nossos parceiros nesta operação”.
E, garante o responsável da CVI, toda a operação “fica a ganhar com a entrada dos operadores porque beneficia da experiência de muitos anos” destes operadores que “durante muitos anos serviram este tráfego de passageiros e de carga”.
O contrato inicial já previa a participação de armadores nacionais num máximo de 25% do capital da concessionária, por isso, “a mudança foi benéfica. Houve uma vontade por parte dos armadores em participar e deixa-nos muito satisfeitos que eles queiram abraçar um projecto desta magnitude”.
Empréstimo de 518 mil contos
A polémica à volta da concessão do serviço marítimo interilhas reacendeu-se recentemente com a publicação, no Boletim Oficial, de uma resolução em que o governo dá aval a um empréstimo de 518 mil contos à Cabo Verde Interihas junto da Caixa Económica e do Internacional Investment Bank.
A primeira reacção a este aval concedido pelo governo veio do PAICV. O maior partido da oposição acusou o governo de não estar a respeitar as regras que foram estabelecidas no concurso de concessão do serviço marítimo interilhas. Em conferência de imprensa, Nuías Silva, deputado e vice-presidente do PAICV, recordou que no contrato está estabelecido que o “concessionário obriga-se a suportar, por sua conta e risco, todos os encargos resultantes da exploração da concessão”.
“Entenda-se aqui incluído todo o risco comercial e o risco de exploração e surpreendendo todos os cabo-verdianos, o Executivo do Ulisses Correia e Silva fez publicar, no Boletim Oficial, a Resolução nº114/2019, de 13 de Setembro, onde o Governo autoriza a Direcção-Geral do Tesouro a conceder um aval de 518 mil contos à Cabo Verde Interilhas, como garantia de um empréstimo bancário a ser negociado por esse consórcio com a Caixa Económica e o Internacional Investment Bank – IIB, sem no entanto especificar como esse montante será aplicado”, reforçou.
Para o PAICV “a inconsistência das medidas deste Governo e a intransparência desta Governação vão ficando cada vez mais evidentes e preocupantes, indo ao ponto de aquilo que o Governo do MpD negou aos Armadores cabo-verdianos dá agora a uma Empresa maioritariamente estrangeira, por razões que a própria razão desconhece”.
“A conclusão a que chegamos, decorridos estes poucos meses da concessão e com o caos gerado, é que o parceiro estratégico não tinha dinheiro, não tinha know-how e nem tinha as condições de acesso ao capital sem as garantias do Estado. Garantias essas que foram inexplicavelmente recusadas aos armadores nacionais”, acrescentou Nuías Silva.
Já a UCID afirmou que o governo está a navegar em “águas turvas” relativamente à concessão do serviço de transporte marítimo interilhas. Os democratas-cristãos não são contra o aval concedido à concessionária de transporte marítimo mas pedem uma “reavaliação” de todo o processo.
A preocupação dos democratas-cristãos prende-se com o não cumprimento do contrato na totalidade.
“É aqui que a UCID entende que o governo está completamente a navegar em águas um tanto ou quanto turvas, porque se por um lado entendemos que o que está no contrato deve ser cumprido na sua totalidade, por outro, não entendemos que se escolha a dedo este ou aquele artigo para que o contrato possa ser colocado em prática. Daí que estamos preocupados com o todo do processo”, afirmou António Monteiro.
Já o MpD, em defesa das políticas do governo e da concessão do serviço marítimo interilhas, optou por acusar o PAICV de tentar alimentar “o xenofobismo económico. O xenofobismo económico é já uma imagem de marca da liderança do PAICV que se manifestou sem qualquer pudor em relação à Binter, à Icelandair, à Sevenair, à Transinsular, ao SOFA, à construção da nova embaixada dos Estados Unidos, à isenção de vistos para cidadãos da UE, à iniciativa green card, e não temos dúvidas irá continuar a manifestar-se em relação a todas as reformas que envolvam privatizações e concessões”, acusou Miguel Monteiro, secretário-geral do MpD.
“O Estado dá aval a projectos viáveis com impactos positivos sobre a economia do país. É o que acontece com a Cabo Verde Interilhas e vários outros projectos privados. O Estado não dá o empréstimo, mas sim concede o aval, a garantia. Porque confia nos projectos e nos seus benefícios para o país e para os cabo-verdianos”, acrescentou ainda o secretário-geral do MpD.
No entanto, do lado da empresa a explicação é simples. O valor de 518 mil contos, explica Paulo Lopes, destina-se a fazer face às dificuldades do mercado.
“Como sabe esta actividade é deficitária. E tendo um cash flow negativo é necessário um fundo de maneio para fazer suporte ao arranque e às necessárias financeiras da actividade”. “É esse o propósito do financiamento», garante o administrador da CVI.
Mudanças
Os problemas na ligação marítima entre as ilhas de Cabo Verde são históricos e espera-se que esta concessão traga alterações profundas. “O que está a mudar, diria eu, é quase tudo”, assegura Paulo Lopes. “Há aqui, como se costuma dizer, uma alteração do paradigma da ligação interilhas em que uma das principais razões são as pessoas e a prioridade do passageiro em relação à carga”, explica Paulo Lopes.
No entanto, “este é um processo, não é uma coisa que seja conseguida logo desde o primeiro dia mas que eventualmente vamos atingir. Depois há a eficiência e a previsibilidade do transporte marítimo que é de extrema importância para as pessoas e também para a economia. Estamos a construir estradas no mar. Inicialmente a estrada está vazia e com o tempo o tráfego aparece, consequência desta previsibilidade”, aponta.
Quanto à chegada de novos navios, o administrador da CVI explicou que os navios que vão começar a chegar a Cabo Verde ainda este ano serão “novos ou semi-novos. O caderno de encargos prevê uma obrigação de um navio com, no máximo, até 15 anos. Não é muito fácil encontrar navios adequados às dimensões e aos requisitos que queremos. É um processo que demora tempo. Construir um navio demora pelo menos dois anos e nós estamos à procura de uma solução mais imediata”.