“Um misto de expectativa e preocupação”. É assim que a Associação de Jornalistas de Cabo Verde olha para o Plano Estratégico da RTC. Um documento/plano, que até hoje a AJOC não conhece “no seu todo nem em partes”.
Desde o início deste processo que se o ministério protelou mais informações públicas para um momento em que já houvesse garantias de recursos, e mesmo a associação que representa uma significativa parte dos trabalhadores da RTC – os jornalistas - foi excluída do processo.
Em Fevereiro a AJOC enviou uma lista com cerca de 20 perguntas à tutela, nas quais se questionava também este plano. Nada foi esclarecido.
“Reuniu-se com o Conselho de Administração da RTC, também para ver se conseguia alguma informação. O conselho disse é que, na altura, só havia algumas ideias, o que para nós é estranho porque houve uma equipa de consultores que elaborou o documento”, recorda o presidente da AJOC, Carlos Santos.
A falta de informação levantou e fomentou temores. “Quando se fala em reestruturação há sempre o espectro do despedimento, sobretudo o despedimento de jornalistas”, refere.
Seja como for, tendo em conta declarações anteriores de Abraão Vicente, garantindo que o Plano iria avançar “com coragem”, “doa a quem doer, a reforma tem de acontecer”, a AJOC considerava que já haveria verbas para a implementação do Plano e esta “era uma questão de dias”
“Agora vamos entrar aqui de facto numa espécie de gestão corrente...”
Gestão corrente
Contudo, sem se conhecer o Plano, a base de análise não tem como ir além de experiências antigas e eventuais suposições.
Assim, para Carlos Santos, o que sobressai nas declarações do Ministro é “o senhor ministro da tutela dizer que no próximo ano não estão previstos quaisquer investimentos na RTC.”
“Isso para nós é uma preocupação, porque nós sabemos que neste momento, quer a rádio quer a televisão carecem de investimentos do ponto de vista tecnológico. Há projectos nesse sentido e, se não vai haver investimentos, isso naturalmente pode ter algum impacto negativo na própria prestação do serviço público”, aponta.
Face ao que foi então dito pelo ministro que tutela a Comunicação Social, o presidente da AJOC antevê que “a RTC vai estar ‘em banho-maria’, se calhar até depois das eleições de 2021”.
Carlos Santos não tem dúvidas de que sem investimentos, o Conselho de Administração não vai conseguir investir em conteúdo, ou na qualificação dos profissionais ou ainda na modernização tecnológica da empresa.
Aliás, tendo o próprio ministro referido que qualquer investimento, segundo o enquadramento no plano, virá já em mandato de novo Conselho de Administração da RTC, um processo moroso, “a RTC vai praticamente estar em gestão corrente até às próximas eleições“, teme.
Dificuldades à vista
Para o representante dos jornalistas é pois preocupante que “a maior empresa de comunicação social, e que tem obrigações ao nível do serviço público” não tenha investimentos previstos.
“Recordo que a RTC tem a sua base de sustentação na taxa do audiovisual que é paga através de facturas de eletricidade”.
O Estado tem também uma comparticipação ao nível do orçamento que é chamada a indemnização compensatória e há também receitas geradas pelo mercado publicitário, mas a fatia mais importante provém da taxa.
Ora o montante dessa taxa (500 e tal escudos), por decisão do governo não será alterada pelo menos nos próximos três anos, mas a mesma passará a ser repartida.
“Pelo menos 20% desse montante vai agora para a Cabo Verde Broadcast que é a empresa que gere a TDT”.
Há inclusive outras situações que colocam dificuldades à empresa e que é preciso apoio do estado para apoiar. O presidente da AJOC dá como exemplo a situação das delegações quer da Rádio quer da Televisão em São Vicente, cujas instalações estão a ser requeridas pelo Ministério da Economia Marítima e pelo Ministério da Justiça, respectivamente.
“Houve declarações do Ministro em como se iria criar um novo edifício da RTC o que até este momento não acontece. Portanto há uma série de investimentos que têm que ser feitos e sozinha a RTC, pelo que tem dito o Conselho de Administração, não consegue fazer”, observa.
Conselho (pouco) Independente
Durante a entrevista à TCV o ministro referiu ainda que, embora o plano estratégico já não vá ser implementado no mandato do conselho de administração que o criou, há uma mudança a reter e que são os novos Estatutos da RTC.
Não substituindo, nas suas palavras “a reforma que a RTC necessita”, este é já um passo, disse.
Ao próximo Conselho de Administração da RTC (e já não ao actual), escolhido será por um Conselho Independente conforme estabelecido nos novos estatutos, caberá avançar com o Plano.
A composição desse Conselho Independente é também alvo de reservas por Carlos Santos. Embora seja positivo que agora o governo não nomeie os administradores, para o Presidente da AJOC o peso do governo continua aqui demasiado destacado. Isto porque dos cinco elementos que o compõe, dois são escolhidos pela Assembleia Geral da RTC, “que acaba por representar os interesses do accionista Estado, quem diz o Estado aqui diz o governo”, e um terceiro é nomeado pela Associação Nacional de Municípios de Cabo Verde (ANMCV), outra instituição do poder político. O Estado tem, assim e desde logo, maioria contra os restantes dois (um representante da Plataforma das ONGs e um escolhido pelos trabalhadores da RTC).
O processo de composição do conselho independente deverá estar concluído em Janeiro, conforme avançou o ministro da tutela.
Além desta reserva, AJOC discorda ainda da criação de apenas um provedor (o provedor do Utente) para os dois ramos da RCV, como consta no novo estatuto. Para Carlos Santos, deveria sim, haver um provedor do ouvinte e um provedor do telespectador.
Pelo contrário, é vista como positiva a alteração à proposta anterior que definia o perfil profissional para os três membros do Conselho de Administração, impondo que estes fossem “um gestor, um jurista e alguém formado em novas tecnologias” e excluído, portanto realizadores, jornalistas e outros profissionais da área da comunicação social.
Entretanto, sendo que o Plano ainda está no horizonte, embora sem data concreta de implementação, a AJOC reitera que quer conhecer os pormenores do mesmo.
“Provavelmente sentar com a tutela ou, se já houver um novo conselho de administração, com este. Mas vamos voltar à carga, vamos querer conhecer este plano estratégico para a RTC, todos os meandros desta reestruturação”, diz Carlos Santos.
“Nós não conhecemos absolutamente nada” desse plano estratégico.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 940 de 04 de Dezembro de 2019.