Com o fim do estado de emergência decretado para as ilhas sem casos positivos de covid-19, a ilha do Sal voltou à normalidade, mas ainda mantêm-se muitas restrições, entre elas o distanciamento social. Na segunda-feira, o primeiro dia depois do fim do estado de excepção, as pessoas começaram a sair timidamente das suas casas, mas já ontem a euforia depois de todos esses dias de confinamento parece ter tomado conta dos salenses.
“As pessoas estão a agir sem medo, talvez porque não temos casos aqui no Sal e não estão a cumprir o distanciamento estabelecido. Mas nós não temos aqui nada de alarmante: não temos nenhum motim, não temos concentração de pessoas. Eu penso que o Sal está a servir de exemplo às outras ilhas, pelo menos de acordo com as notícias que tinha lido e ouvido”, começa por dizer Nádia Évora, CEO na empresa Sal Academy e Management da SAL Consulting.
Se a ilha regressa paulatinamente à normalidade, a retoma da economia salense que vive essencialmente do turismo e do tráfico aéreo, na opinião de Nádia Évora, vai ter ainda que esperar por melhores dias.
“A economia do Sal está encorada nestes dois pilares da economia. Vimos também que há muitas outras empresas que estão ancoradas nestes sectores indirectamente, porque prestam serviço a essas empresas. Enquanto não tivermos aqui uma retoma de voos internacionais, não haverá retoma económica. O Sal é diferente das outras ilhas que têm um consumo interno muito maior. Aqui no Sal o nível de vida não permite às pessoas irem a restaurantes e os restaurantes vão sofrer muito”.
A própria empresária diz-se afectada pela pandemia do coronavírus. Por causa das novas medidas do governo, a Academia cerrou as portas desde de 19 de Março. “Para não haver ajuntamento de pessoas, nós tivemos de cancelar as aulas. Estamos neste momento a preparar uma plataforma para fazer cursos à distância para dar continuidade aos cursos que estavam a decorrer. Estamos a trabalhar neste sentido e a trabalhar novos produtos para o pós-pandemia para ver como as empresas podem voltar a operar e concentrar-se no negócio, pois é fundamental formar pessoas e capacitá-las para poderem lidar com todos os requisitos que vão ser exigidos”.
Pandemia igual ao 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos
Nádia Évora compara a pandemia do novo coronavírus aos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos. “O mundo da aviação mudou depois do 11 de Setembro e o mundo da hotelaria e do turismo também vão mudar depois da pandemia. Irão seguramente ser exigidas novas regras quer de higiene, de ocupação de espaços, etc. Mesmo os serviços terão que ser reprogramados, os pacotes têm de ser reprogramados, as companhias aéreas vão ter que ver como trabalhar nesse sentido, porque não vai ser possível lotar espaços, para se evitar o ajuntamento, enquanto não houver uma vacina”, vaticina.
Também o dirigente desportivo salense Carlos Moniz reconhece que a ilha cumpriu na integra todo o período de confinamento domiciliar com excepção de um ou outro caso particular, principalmente das zonas mais problemáticas da ilha.
“Penso que no geral a população entendeu muito bem o apelo das autoridades nacionais e regionais e prova disso é que a ilha do Sal até hoje não teve nenhum caso. Com a saída do estado de emergência entendo perfeitamente que as pessoas passaram muitos dias em casa e a vontade sair à rua era enorme. Mas as pessoas saem muito pouco à noite agora, ao contrário de alguns meses atrás antes de a pandemia chegar a Cabo Verde. Hoje as pessoas ficam muito mais tempo em casa e acredito que se mantivermos este comportamento a ilha do Sal ficará completamente limpa”, pondera.
Porém o presidente da Académico do Aeroporto do Sal lamenta não poderem beneficiar dos apoios que o governo e o município dão às empresas por não terem esse estatuto. “Nós não somos empresas, mas digamos que funcionamos quase como isso”, considera.
Carlos Moniz reforça que o Sal, neste momento, é a ilha onde há muito mais jogadores que vêm das outras ilhas jogar futebol e ter o seu sustento do que na Praia e São Vicente.
“Militam nas equipas salenses jogadores da Boa Vista, de São Nicolau, da Praia e de São Vicente e isso acarreta obviamente custos. Nós conseguimos em tempo útil mandar todos os jogadores para as outras ilhas. Apenas ficou-nos um jogador da Boa Vista porque não havia voo e dois jogadores da costa africana e estamos a arcar com a sua permanência no Sal”.
Criação do figurino de futebol semi-amador
Com o campeonato parado, Carlos Moniz diz que os clubes têm dificuldade em manter o funcionamento. “O Académico tem um centro de estágio, uma piscina olímpica e uma residencial. Agora com o fim do estado de emergência, temos que retomar as nossas actividades para ver se a gente consegue algum recurso para apoiar os nossos atletas. O que não é fácil”.
Devido à situação do país, o dirigente desportivo não espera apoio financeiro do governo, mas propõe ao ministério da tutela que reveja a lei-base do desporto e crie o figurino de futebol semi-amador. “Porque como a FIFA não reconhece o futebol amador, mas o facto é que o nosso futebol já é semi-profissional. As equipas que melhor performance têm nos campeonatos regionais e nacionais são equipas que mais gastam com jogadores. Então, há que criar esse figurino de forma a que nós possamos durante o ano ter esses jogadores no INPS, para que possam beneficiar de uma segurança social em situações como esta que estamos a viver”, concluiCarlos Moniz.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 962 de 6 de Maio de 2020.