Tendo por base os dados da CDC África desta segunda-feira, são seis os países africanos que têm três dígitos no número de infectados com covid-19 por 100 mil habitantes: Djibouti, com 498, África do Sul, com 495, São Tomé e Príncipe, com 366, Cabo Verde e Gabão, com 287, e Mauritânia, com 114.
“Veja o número de testes feito em Cabo Verde e o número de testes feito nos outros países africanos”, diz Artur Correia, Director nacionall de Saúde ao Expresso das Ilhas, num comentário a estes números. “Fazemos, de longe, mais testes que os outros países e os casos aparecem quando são procurados. Não se pode comparar, procuro menos, encontro menos, procuro mais encontro mais”, reitera.
Catorze países têm esta média em apenas um dígito, dois deles pertencem aos PALOP, Angola, com 2 infectados por 100 mil habitantes e Moçambique, com 4. Lidera a Tanzânia, com 1 infectado por 100 mil habitantes, seguido pelo Burundi e Uganda, com 2, a Gâmbia com 3 e Eritreia, com 4. Neste momento, dados da CDC, África tem um total de 610.807 casos, e a média continental é de 67,4 infectados por cada 100 mil habitantes, muito abaixo dos números cabo-verdianos.
Com o boletim epidemiológico desta terça-feira, Cabo Verde apresenta agora um total de 1783 casos. Destes, 1328 foram detectados na ilha de Santiago (média de 498 infectados por 100 mil habitantes) e destes, 1032 estão registados no concelho da Praia, o que dá uma média de 664 infectados por 100 mil habitantes.
“Santiago é mais complicado”, admite Artur Correia, “há uma forte ligação dos outros concelhos de Santiago com a Praia e por isso começaram a aparecer por toda a ilha. Todos os dias, quase 30 mil pessoas do interior de Santiago visitam a Praia, isto para além dos laços de parentesco e das visitas de familiares. As pessoas circulam e o vírus vai com as pessoas”, reconhece o Director nacionall de Saúde.
Desde o primeiro caso confirmado no dia 19 de Março, o arquipélago, que ainda se encontra sob situação de calamidade, tem assistido a uma subida exponencial do número de infectados, curva ainda sem tendência a achatar. No final de Abril, Cabo Verde tinha 121 infectados, no final de Maio eram 435, quando Junho acabou já havia 1227 casos e nestes primeiros quinze dias de Julho o número subiu para 1783.
Endurecer medidas, para já, é uma possibilidade que não está em cima da mesa. “Estou convencido que a Praia está estável, vendo pelos números da semana epidemiológica e não pela compilação diária”, diz Artur Correia. “Constatámos que houve dois momentos na evolução da pandemia, o primeiro terminou a 31 de Maio, com o fim do confinamento, em que tivemos um aumento de casos, passámos de 60 a 80 casos semanais para mais de 200, chegando a um pico de mais de 300. Nas últimas 3 semanas temos estado a diminuir esse pico, na ultima semana ficamos nos 128, quer dizer que alguma coisa está a ser bem feita para debelar o aumento de casos”.
Para além dos danos na saúde, Cabo Verde conta actualmente com 19 óbitos relacionados com a doença, já se sabe igualmente que os prejuízos na economia e no rendimento das pessoas será substancial. As contas actuais apontam para um crescimento do PIB nos -6%, numa queda de mais de 66% nas receitas do turismo, um esforço financeiro superior a mais de 4 milhões de contos saídos dos cofres do INPS, o aumento da dívida pública para os 150%, o desemprego a disparar para perto dos 20%, “dados tendem a piorar em função dos riscos que temos em relação ao desconfinamento, ao ‘timing’ para a descoberta da vacina ou da cura e para a retoma da actividade económica normal, sobretudo na perspectiva da conectividade de Cabo Verde com o mundo”, como já alertou o Ministro das Finanças, Olavo Correia.
Um aviso que vem ao encontro do que a União Africana também já disse, se for permitido ao vírus espalhar-se sem controlo, o impacto nos cidadãos e nas economias africanas será substancial. Se neste momento os casos em África permanecem baixos, em comparação com outras regiões do globo, isso não invalida que o continente ainda possa ser mais afectado pela doença. Como sublinhou Tedros Ghebreyesus, Director-Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), África deve «acordar» para a ameaça COVID-19 e preparar-se para o pior cenário possível. A velocidade com que os países podem detectar, relatar e responder aos surtos pode ser um reflexo de sua capacidade institucional mais ampla. As epidemias são um teste de realidade para a governança e liderança públicas, não apenas no nível nacional, mas também aos níveis regional e continental.
“Cabo Verde é um exemplo”, sublinha o Director nacionall de Saúde, “tomámos as medidas certas no momento exacto. Por isso é que em Cabo Verde o nosso sistema de saúde aguentou perfeitamente o embate da covid-19, o que não está a acontecer em muitos paises, com serviços a abarrotar. Em Cabo Verde não vimos esse cenário. Estamos a aguentar muito bem, mesmo depois de 4 meses de pandemia”.
Segundo as informações mais recentes da CDC, África tem um risco baixo de casos importados, mas tem um alto nível de vulnerabilidade e uma três principais factores tendem a aumentar essas fragilidades. O primeiro, áreas urbanas não regulamentadas e compactas. Em 2019, cerca de 43,0% da população da África vive em áreas urbanas, inclusive em mega cidades com populações geralmente maiores que as de alguns países, como Cairo (20,5 milhões de habitantes) e Lagos (13,9 milhões de habitantes). Estados com áreas urbanas densamente compactas, de rápido crescimento e alta mobilidade populacional além-fronteiras são mais vulneráveis à propagação de doenças contagiosas. As grandes aglomerações urbanas também representam um desafio ao controlo de doenças devido a: oportunidades reduzidas de distanciamento social, falta de higiene e saneamento, que dificultam a implementação de regulamentações como lavagem e higienização regulares das mãos e hospitais e unidades de saúde limitados.
O segundo factor é o alto nível de doenças respiratórias. África tem 22 dos 25 países mais vulneráveis a doenças infecciosas, de acordo com o Índice de Vulnerabilidade em Doenças Infecciosas (IDVI) de 2016. A incidência de doenças infecciosas e não transmissíveis, como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ou a asma, é alta em África. Os portadores dessas doenças respiratórias existentes constituem a categoria mais vulnerável ao coronavírus, para quem o vírus é frequentemente letal. Doenças infecciosas como pneumonia, tuberculose ou doenças respiratórias associadas ao HIV estão também entre as doenças agudas mais comuns nas populações africanas. Além disso, alguns países africanos estão também a lutar contra doenças endémicas, como a tuberculose ou a malária, e doenças infecciosas pré-existentes, como Ebola ou febre de Lassa, além de enfrentar um aumento acentuado de doenças não transmissíveis, como a diabetes, que também aparece como um factor agravante no caso da COVID-19.
Em Cabo Verde um estudo recente vai actualizar os dados que dizem respeito à diabetes e às doenças respiratórias. As últimas informações, já com uma década, apontam para uma prevalência da diabetes em 12% da população e de hipertensão em 30% da população, ambas as doenças são factores de risco no caso de infecção por Covid-19. “Teremos dados actualizados dentro de poucas semanas”, adianta Artur Correia, “mas estamos convencidos que andará à volta destes valores. Tem a ver com o processo de transição epidemiológico, é um processo inevitável e todos os países passam por isso, com o aumento da esperança de vida, a idade da população sobe. Resta-nos mitigar os efeitos dessa transição”, conclui o Director nacionall de Saúde.
Por último, fracas estruturas de saúde e capacidades institucionais, é outra das debilidades apontada. Esta última é bem visível, por exemplo, no número de médicos por 10.000 pessoas, onde a África Subsaariana apresenta a média mais baixa a nível global. Esta é uma variável normalmente usada para medir a qualidade da assistência médica. A nível regional, a média da África Subsaariana, entre os anos de 2010 a 2018, é de 2,1 médicos por 10.000 pessoas. Em comparação, na Europa e Ásia Central e na América Latina e no Caribe, as duas regiões com melhor desempenho, o número médio de médicos é de 24,9 e 21,6, respectivamente. Em média, durante o mesmo período, nenhum país africano conseguiu surgir no terço superior dos países, enquanto que nove países africanos alcançaram o terço médio global: Líbia (21,6 médicos por 10.000 pessoas), Maurícias (20,2), Argélia (18,3), Tunísia (12,7), Seicheles (9,5), África do Sul (9,1), Egito (7,9), Cabo Verde (7,7) e Marrocos (7,3). Os cinco países africanos com pior desempenho tiveram em média de menos de 0,5 médicos por 10.000 pessoas: Tanzânia, Libéria, Serra Leoa, Somália e Malawi.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 972 de 15 de Julho de 2020.