O mesmo texto aborda, inevitavelmente, o julgamento do advogado Amadeu Oliveira e as polémicas declarações que este tem feito sobre a justiça em Cabo Verde e “que não abonam em favor dos juízes”. “Essas denuncias foram ficando cada vez mais vexatórias, e a sociedade inteira aguarda com grande expectativa que algo seja feito no sentido de repor o bom nome da instituição JUSTIÇA que está saindo cada vez mais maltratada por acusações graves a alguns dos seus servidores”, juntam os signatários da petição que defendem que as acusações feitas pelo advogado “deveriam ser suficientes para a abertura de um inquérito que desse garantias de objectividade”.
Os autores da petição alegam ainda que “terá sido ordenado um inquérito para averiguar essas acusações. É verdade que não se lhe conhecem os resultados, porém é evidente que um inquérito dessa natureza não dará garantias de credibilidade se não for levado a cabo por personalidades em quem a sociedade deposita confiança por provas da sua independência. Nunca, portanto, por pares desses envolvidos, como terá sido o caso”.
De recordar que, a 10 de Abril de 2019, o Ministério Público deu conta do arquivamento, por falta de provas, de um inquérito iniciado após a denuncia “apresentada pelos advogados Drs. Amadeu Oliveira, Rogério Reis e Dionara Graça, contra o Juiz de Direito, Dr. Afonso Delgado, por alegados factos criminosos cometidos no exercício das suas funções no Tribunal Judicial” da Ribeira Grande de Santo Antão.
No mesmo comunicado o Ministério Público refere-se às acusações feitas por Amadeu Oliveira contra Juízes do Supremo Tribunal de Justiça a quem acusava da “autoria de factos susceptíveis de integrar crimes de inserção de falsidade em documento, prevaricação de magistrado e denegação de justiça”. Também esse processo acabaria arquivado. Existia, disse na altura o Ministério Público, “prova bastante da não verificação dos alegados crimes de prevaricação de magistrado e inserção de falsidade em processo e falta de indícios suficientes da verificação dos alegados crimes de denegação de justiça”.
Neste comunicado o Ministério Público destaca ainda que os autos deste processo “com mais de 2.400 páginas, organizadas em quatro volumes e sete anexos, encontram-se na secretaria da Procuradoria da República da Comarca da Ribeira Grande, para efeitos de notificação do referido despacho de arquivamento ao arguido e denunciantes, que não concordando com seu conteúdo podem recorrer nos termos legais”.
Num outro comunicado, de 3 de Janeiro de 2020, é anuciado o arquivamento da denúncia apresentada por Amadeu Oliveira contra o Juiz de Direito Ary Santos a quem acusava de “alegados factos criminosos cometidos no exercício das suas funções no Tribunal Judicial da comarca do Sal, suscetíveis de integrar crimes de prevaricação de magistrado, denegação de justiça e inserção de falsidade em registo ou documento”.
O Ministério Público, contactado pelo Expresso das Ilhas, não quis comentar o conteúdo da petição remetendo para o comunicado citado atrás em que dá conta do arquivamento das queixas apresentadas por Amadeu Oliveira.
Já antes, em Outubro de 2017, o Conselho Superior de Magistratura Judicial (CSMJ) anunciara a abertura de um inquérito para apurar a veracidade das acusações feitas, por Amadeu Oliveira, contra Magistrados Judiciais “em especial os Juízes Conselheiros que integram a Secção Criminal” do STJ.
Também esse processo foi arquivado depois de Amadeu Oliveira não ter comparecido perante o Inspector Judicial que lhe pedira para “precisar o conteúdo das denúncias e quiça apresentar provas concretas que pudessem suportar as mesmas”, lê-se no comunicado do CSMJ.
“É uma opinião que se respeita, embora dela se discorda”
Por outro lado, o presidente do CSMJ, Bernardino Delgado, defende que o pedido feito pelos signatários da petição, tendo em vista a realização dessa investigação “é justificada entre outras razões, pelo alegado corporativismo dos magistrados e pela suposta incapacidade do CSMJ em cumprir com isenção o papel que lhe é reservado”.
“É uma opinião que se respeita, embora dela se discorda”, diz o magistrado num artigo de opinião publicado nesta edição do Expresso das Ilhas.
No mesmo texto o presidente do CSMJ garante que nunca a instituição “deixou de investigar qualquer queixa apresentada, com foros de seriedade, contra magistrados judiciais”.
Por isso, diz Bernardino Delgado, o que os signatários da petição pretendem ao pedirem uma investigação independente “é pura e simplesmente levar o Presidente da República, ou a Assembleia Nacional, a transferir para outra entidade as prerrogativas constitucionais de gestão e fiscalização dos Tribunais, que a Constituição entendeu por bem depositar nas mãos do CSMJ. Temos, por isso mesmo, sérias dúvidas de que se possa dar acolhimento a essa pretensão, sem se suspender, em simultâneo, a vigência da Constituição da República, nomeadamente o seu artigo 223º. Ou seja, sem se instituir no nosso País um autêntico apagão constitucional na área da Justiça”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1005 de 3 de Março de 2021.