As vacinas explicadas (mais uma vez)

PorNuno Andrade Ferreira,27 mar 2021 8:20

Como funcionam? Que importância têm? São seguras?

Menos de um ano depois do aparecimento e sequenciação do SARS-CoV-2, chegaram ao mercado, no final de 2020, as primeiras vacinas capazes de o combater. Foi uma resposta em tempo recorde, conseguida graças à mobilização da comunidade científica mundial e à disponibilização de fundos públicos praticamente ilimitados. Agora que estão disponíveis, alguns desconfiam delas.

O ritmo a que tudo aconteceu levou a que muitas vozes se fizessem ouvir, expressando suspeitas face às fórmulas desenvolvidas e patenteadas por centros de investigação e pela indústria farmacêutica, apesar de as principais entidades reguladoras do mundo atestarem a sua segurança e eficácia.

Médico no Lenox Hill Hospital e professor na Zucker School of Medicine, nos Estados Unidos, Júlio Teixeira sublinha que as vacinas são a resposta de saúde pública com melhor relação custo-benefício.

“A erradicação de doenças, o aumento da esperança e qualidade de vida, a diminuição da mortalidade infantil são alguns benefícios alcançados com as vacinas. Não tem comparação com outros tipos de tratamento”, comenta.

Fundamentais ao longo da história, para combater doenças e salvar milhões de vidas, as vacinas podem demorar décadas até chegar ao mercado. No caso do ‘novo’ coronavírus, a garantia de financiamento, a pesquisa já antes desenvolvida sobre esta ‘família’ de vírus e a oportunidade de fazer imediatamente ensaios clínicos em larga escala, em diferentes partes do globo, ajudou a que tudo fosse incomparavelmente mais rápido.

Tecnologia

Diferentes vacinas, diferentes tecnologias. De entre as mais conhecias, as da Pfizer/BioNTech e Moderna recorrem à inovadora tecnologia RNA mensageiro (mRNA), através da qual a informação genética é introduzida nas nossas células sem recurso a nenhum vector viral. A vacina da Oxoford/AstraZeneca é baseada numa tecnologia denominada vector viral não replicante, através da qual a informação genética do agente infeccioso é introduzida num outro vírus – por exemplo, de uma constipação comum – enfraquecido em laboratório.

Em qualquer dos casos, as nossas células utilizam a informação recebida para fabricar a proteína do agente infeccioso, o que vai desencadear a produção de anticorpos.

As vacinas contra a covid-19 podem não impedir a infecção por SARS-CoV-2. O principal propósito é evitar que a doença se desenvolva nas suas formas mais graves, levando ao internamento e, no limite, à morte.

“O objectivo principal é diminuir as mortes, diminuir o impacto nos sistemas de saúde, diminuir a doença severa. Depois, diminuir a transmissão da doença em si. Temos que continuar com as medidas de protecção”, sublinha Júlio Teixeira.

Dúvidas

As dúvidas existentes, por parte da população, incidem, particularmente, na vacina da AstraZeneca, depois de terem sido registados alguns casos de possíveis efeitos secundários graves.

No início da semana passada, e argumentando a favor da “prudência”, contra qualquer evidência científica ou relevância estatística, países europeus como Portugal, Alemanha, França, Espanha, Países Baixos ou Chipre suspenderam as suas campanhas de imunização com o produto desenvolvido pela Universidade de Oxford e comercializado pela farmacêutica com sede em Cambridge. Em causa, suspeitas de uma relação, ainda não demonstrada, entre a toma da vacina e a formação de coágulos. Foram relatadas cerca de quatro dezenas de ocorrências, em 17 milhões de pessoas inoculadas com, pelo menos, uma dose.

Cabo Verde seguiu o mesmo caminho e, por indicação da Entidade Reguladora Independente da Saúde (ERIS) manteve guardadas as doses que recebeu, no âmbito da iniciativa Covax, iniciando a campanha de vacinação, dia 19, apenas com o imunizante da Pfizer.

O médico do Lenox Hill Hospital desdramatiza e recorda que as pausas nos processos, para avaliações intercalares, são normais.

“Concordo que não há razões para tanto alarme. Devemos continuar a estudar essas ocorrências. Já fizemos pausas durante o processo. No Brasil, houve uma pausa durante os ensaios clínicos para avaliar ocorrências naquela altura e depois vimos que não tinha nada e os estudos continuaram”, recorda.

Respostas

Quinta-feira (18), a Agência Europeia do Medicamento pronunciou-se pela segurança da fórmula da AstraZeneca, o que permitiu desbloquear a aplicação de doses.

“Temos uma conclusão clara de que esta vacina é segura e eficaz e de que os benefícios ultrapassam os possíveis riscos”, assegurou Emer Cooke, directora da agência.

“No entanto, continua a ser muito importante analisar a relação entre estes episódios raros de coagulação e a vacinação”, acrescentou, garantindo que os estudos vão continuar.

Sexta-feira (19), ao intervir num seminário organizado pelo Programa de Ciência para o Desenvolvimento, a médica de saúde pública, Paula Vasconcelos, reforçou a importância dos mecanismos de farmacovigilância.

“Todos os que estão a ser vacinados cumprem com rigor um registo de eventuais efeitos secundários que permitiram a detecção de casos, no inicio, da Pfizer, na Noruega, e agora os casos da Astrazeneca, em alguns outros países europeus”, lembrou.

Por cá, a ERIS também já libertou as doses armazenadas.

“Em razão da eficácia comprovada da vacina da AstraZeneca, a ERIS e a DNS [Direcção Nacional de Saúde] recomendam o prosseguir do plano de vacinação com a utilização da referida vacina, uma vez que as evidências científicas confirmam a segurança da sua utilização. A ERIS e a DNS continuarão a monitorizar de forma activa a utilização da vacina”, garantiu o presidente do conselho de administração da reguladora, Eduardo Tavares.

Naquela que é a maior campanha de vacinação à escala global alguma vez realizada, foram administradas, até agora, 458 milhões de doses de todas as vacinas já disponíveis, em 134 países. Contudo, cerca de 75% dessas doses foram usadas em apenas dez países, conforme dados da Organização Mundial de Saúde.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1008 de 24 de Março de 2021. 

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Nuno Andrade Ferreira,27 mar 2021 8:20

Editado porAndre Amaral  em  28 dez 2021 23:20

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.