Desempenho do governo é apenas um dos factores que pesam na intenção de voto

PorAntónio Monteiro,25 abr 2021 8:11

Não há uma relação directa entre a avaliação do desempenho do governo e as intenções de voto. Isto porque a avaliação do desempenho do governo é apenas uma das variáveis que o eleitor tem em consideração no momento em que pensa em que partido vai votar.

José Semedo, em análise aos resultados eleitorais do passado domingo, explica que há outras variáveis que condicionam as intenções de voto como o grau de confiança em quem está no poder e o grau de confiança em quem está na oposição. Entretanto, garante Semedo, a compra de votos não interfere no resultado das eleições, pois apenas uma percentagem do eleitorado bastante reduzida se mostra susceptível em vender o seu voto.

“A maior parte dos eleitores mostra claramente a sua oposição à venda de votos. Então, não é por aí que os partidos políticos ganham ou perdem eleições”, esclarece.

Surpreenderam à Afro­sondagem os resultados das eleições de 18 de Abril?

Para nós não foi surpresa nenhuma, pois temos realizando sondagens desde o mês de Novembro, logo após a realização das eleições autárquicas. Então vimos acompanhando a tendência das intenções de voto dos diferentes círculos eleitorais e indo ainda mais a fundo tínhamos uma análise dos dados não só a nível dos círculos, mas dentro dos próprios círculos incluindo vários factoresque são importantes para análise e tomada de posição de quem encomendou os estudos [MpD]. Estamos a falar desde a predisposição de votos dos eleitores divididos por sexo, nível de instrução e por simpatia partidária. De modo que nós vimos acompanhando nestes últimos quatro meses toda a tendência de votação, ou intenção de voto, nos diferentes círculos eleitorais. Portanto, para nós o resultado não foi uma surpresa, até porque acabou por confirmar aquilo que nós já tínhamos previsto nas nossas sondagens, particularmente nas três últimas sondagens. Ou seja, os resultados são praticamente iguais, com uma pequena nuance que tem a ver com o círculo eleitoral do Fogo, cujos resultados das sondagens apontavam sempre para um cenário de 3 a 2 favorável ao MpD, mas ali há factores que nós não controlamos durante as sondagens. Neste caso tem a ver com a movimentação que os partidos políticos, nomeadamente o MpD e o PAICV, fazem nas vésperas das eleições e conseguem deslocar uma parte do eleitorado do Fogo, mas residente na Cidade da Praia, para essa ilha. Esse eleitorado, obviamente, não tinha sido sondado durante o período em que nós fizemos as sondagens no círculo eleitoral do Fogo. Esta circunstância acaba por ditar um resultado diferente daquilo que nós tínhamos previsto durante o período das sondagens. O PAICV conseguiu levar mais eleitores da Praia para o Fogo e isso acabou por pesar no resultado final com um resultado ligeiramente favorável ao PAICV que se traduziu na eleição de três deputados para este partido contra dois do MpD. Nos demais círculos eleitorais os resultados estão estritamente de acordo com aquilo que tínhamos previsto durante o período das sondagens.

O MpD encomendou as sondagens à Afrosandagem. Com que empresa trabalhou o PAICV.

O PAICV não trabalhou com a Afrosondagem, mas deverá ter trabalhado com alguma outra empresa, porque neste momento dificilmente um partido político consegue traçar a sua estratégia sem ter o domínio das informações. Esta é umas das questões que foram levantadas no seio dos decisores do MpD, porque durante as autárquicas, em alguns sítios ou não se fizeram sondagens, ou, se foram feitas, foram em número insuficiente. Se você fizer uma análise da reacção dos principais actores políticos responsáveis pelas eleições autárquicas do lado do MpD, constata-se uma certa surpresa, porque não estavam devidamente informados relativamente à tendência e às intenções de voto dos eleitores. Então, de certa forma, foram apanhados um pouco desprecavidos em relação às intenções de votos dos eleitores.

A Afrosondagem tinha esses dados?

Tínhamos, porque durante as eleições autárquicas nós trabalhamos quase que exclusivamente com o PAICV. Foi o partido que encomendou o maior número de sondagens e dispunham de informações mais actualizadas sobre as intenções de voto dos eleitores e sobre as razões do voto ou não no PAICV. Portanto, estavam munidos de informações o que lhes permitiu traçar uma estratégia consentânea com aquilo que eram as aspirações e os desejos do eleitorado em cada um dos municípios em disputa.

A vitória clara do MpD nestas legislativas, quando se esperava uma luta renhida entre os dois grandes partidos, surpreendeu até a boa parte do eleitorado do MpD. Porque?

Surpreendeu aqueles que não estavam na posse dos dados recolhidos durante as sondagens, porque a vitória clara do MpD no dia das eleições não estava tão claro há quatro meses atrás. Pelo contrário. Logo após a realização das eleições autárquicas, com a dinâmica da conquista de cinco câmaras municipais pelo PAICV inclusive a conquista, que é uma conquista sempre simbólica, da câmara da capital do país, reergueu as forças para o lado do PAICV e equilibrou o jogo de forças entre o MpD e o PAICV. Aquilo que já estava fácil, à partida, antes da realização das eleições autárquicas começou a mostrar que não era afinal tão fácil assim para o MpD. Então foram pegos de surpresa. Isso também lhes ajudou [ao MpD] a melhor preparar para esse novo embate eleitoral. É por isso que desde cedo foram munidos de informações e as informações eram claras: que o MpD teria enormes dificuldades em renovar o mandato. Foi por isso que o MpD foi trabalhando e fazendo sondagens num período entre 15 e 20 dias com indicações claras onde estavam os estrangulamentos e aquilo que deveria ter sido feito e foram fazendo. E foram aumentando a sua vantagem comparativamente ao PAICV. Provavelmente o PAICV se tiver realizado sondagens com a regularidade que era exigido, claramente teria informações sobre a tendência de voto nos diferentes círculos eleitorais. Só para ter uma noção, logo após a realização das autárquicas o PAICV tinha uma vantagem em cerca de 8 pontos percentuais comparativamente ao MpD no círculo eleitoral de Santiago-Sul. Por alguma razão o PAICV não soube capitalizar essa vantagem e inclusive potencializá-la no sentido de aumentar a sua diferença em relação ao MpD. O MpD face ao resultado das autárquicas e na posse das informações conseguiu trabalhar todos os pontos negativos, ou pelo menos boa parte dos pontos negativos e conseguiu transformar isso na sua força. De fraqueza passou a força. Então, mais uma vez, para aqueles que estavam na posse das informações, não houve surpresa nenhuma. Se analisarmos os resultados das eleições autárquicas, comparativamente às eleições legislativas e formos ver a proporção dos militantes e simpatizantes do MpD que votaram nas eleições autárquicas e aqueles que votaram agora nas legislativas, a proporção nas legislativas é bem maior, porque aqui diminuiu a proporção da abstenção. E a proporção de abstenção que tivemos nas eleições deste domingo deve-se muito mais ao eleitorado flutuante –aquele eleitorado que não está ligado nem ao MpD, nem ao PAICV – do que propriamente ao eleitorado do MpD ou do PAICV. Esses, seja o eleitorado do MpD, seja o eleitorado do PAICV, foram devidamente mobilizados e também responderam fortemente ao apelo das cúpulas dos respectivos partidos e foram votar.

Já agora, como se faz uma sondagem eleitoral?

Para fazer uma sondagem é preciso ter uma base de dados relativamente ao universo. Quem são os potenciais eleitores? E essa base de dados consegue-se através do número de eleitores inscritos nas respectivas comissões de recenseamento eleitoral que depois fazem parte integrante da base de dados da CNE. É a partir desta base que nós trabalhamos uma amostra que seja representativa por cada um dos círculos eleitorais. Agora cabe a quem encomenda uma sondagem estar disposto a pagar para ter uma amostragem que seja representativa, seja em termos do intervalo de confiança, seja em termos da amostragem. Tendo isso, há também um outro aspecto importante que tem a ver com as questões que o cliente quer ter resposta durante a sondagem. As questões são transformadas em perguntas no questionário. Depois há toda a fase de preparação das pessoas que irão no terreno fazer as perguntas, onde elas deverão ir. Trata-se de um processo aleatório, mas há toda uma cadeia de passos que devem ser seguidos. São passos cientificamente elaborados e credíveis para depois se chegar a uma determinada pessoa, num determinado bairro para ver o interesse da pessoa em ser inquirida e a partir daí aplicar-se as perguntas. Mas as perguntas são sempre feitas nos agregados familiares. Portanto, nós não escolhemos as pessoas nas ruas. Primeiro são escolhidas as casas, são escolhidos os bairros, para as zonas rurais são as zonas e dentro das zonas são escolhidas as casas e dentro das casas são escolhidos indivíduos para serem inquiridos. Como dito, tudo de uma forma aleatória.

A Afrosondagem teme empresas concorrentes no mercado?

Não, até porque a Afrosondagem é uma empresa que está há vários anos no mercado. De uma forma formal estamos no mercado cabo-verdiano desde 2002, mas os técnicos da Afrosondagem já trabalhavam nesse mercado seis anos antes de se formalizar a empresa. E nós não trabalhamos apenas em Cabo Verde. Nós já temos trabalhos em vários países, seja no continente africano, seja no continente europeu. Fazemos parte de uma rede de pesquisa a nível mundial que é o Afrobarómetro do qual temos tido todo o suporte técnico. Temos tido contactos com pessoas nas universidades que constantemente estão a fazer este tipo de trabalho o que nos permite estar actualizados em termos de teorias ligadas à pesquisa o que facilita o nosso trabalho. Nós somos a única empresa que dispõe de capacidade logística para fazer sondagens em todos os círculos eleitorais a nível nacional ao mesmo tempo. Nós temos capacidade de a nível nacional aplicar uma sondagem no máximo em dois dias para recolha no terreno e em quatro a cinco dias conseguir dar as primeiras informações ao cliente em tempo útil para que possa tomar as primeiras decisões.

Qual o papel da Afro­sondagem nos inquéritos do Afrobarómetro e qual a relação dos últimos dados com o resultado das eleições?

A Afrosondagem é uma parceira nacional do Afrobarómetro desde 2002. Em cada país onde o Afrobarómetro trabalha ele tem um parceiro nacional. E o parceiro nacional é escolhido através de um processo de concurso, mas este processo de concurso não é ad eternum. Aliás, em 2018 renovamos o nosso compromisso com o Afrobarómetro que vai até 2025. Em relação aos dados, se formos analisar os dados, seja em termos de governação, seja em termos de confiança, seja em termos de condições económicas, os principais problemas do país, a confiança nas instituições, o grau de satisfação com a democracia, nós temos uma tendência em relação aos dados que são recolhidos. Por exemplo, quando você me pergunta, qual a relação entre o desempenho do governo e os resultados das eleições? Se repararmos bem, não temos muitas surpresas, pois temos algumas áreas em que o desempenho dos sucessivos governos é negativo. Por exemplo a questão do combate ao desemprego. Este governo é avaliado negativamente no combate ao desemprego. Mas este não é o único governo que é avaliado negativamente pelos cabo-verdianos no combate ao desemprego. A segurança é também uma questão que preocupa os cabo-verdianos. Já preocupou muito mais em tempos idos, baixou, mas ultimamente a questão da segurança tem estado na agenda dos cabo-verdianos, particularmente nos principais centros urbanos do país. Também neste aspecto, o governo, dependendo da ilha, é avaliado positivamente ou negativamente pelos cabo-verdianos. A questão dos transportes também é um constrangimento. Mas também há sectores como a educação, saúde e infraestruturas seja a colocação de rede de esgotos, acesso à água e à electricidade em que o governo é muito bem avaliado. Agora, não há uma relação directa entre a avaliação do desempenho do governo e as intenções de voto. Isto porque a avaliação do desempenho do governo é apenas uma das variáveis que o eleitor tem em consideração no momento em que pensa para onde decidir dar o seu voto. Há outras variáveis, nomeadamente o grau de confiança em quem está no poder e o grau de confiança em quem está na oposição e que possivelmente poderá ir para o governo. Tudo isso é avaliado para depois o eleitor decidir em consciência se prefere dar o voto de confiança em quem está no poder ou se prefere dar o voto à oposição. Por exemplo, um dos pontos que domina a agenda neste momento é obviamente a questão do combate à pandemia da COVID-19. E isto é um dos pontos onde o governo é melhor avaliado. Provavelmente este factor terá pesado consideravelmente no momento em que o eleitor decidiu dar mais um voto de confiança ao partido que estava no poder.

A compra de votos não baralha as sondagens?

Não baralha até porque esta questão por variadíssimas vezes já foi colocada junto do eleitorado e temos constatado que todas as vezes há uma percentagem do eleitorado bastante reduzida que nem chega a 10% que se mostra susceptível em vender o seu voto. A maior parte dos eleitores mostra claramente a sua oposição à venda de votos. Então, não é por aí que os partidos políticos ganham ou perdem eleições.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1012 de 21 de Abril de 2021. 

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Autoria:António Monteiro,25 abr 2021 8:11

Editado porFretson Rocha  em  1 fev 2022 23:20

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