Eduardo Tavares explicou ainda que com a novo decreto-lei, que deve entrar em vigor nos próximos quatro meses após a sua publicação, os preços de todas as prestações de cuidados de saúde passam a ser fixados e regulados pela ERIS. Ou seja, tanto as consultas como os preços dos exames têm, obrigatoriamente, que expressar todos os custos inerentes às prestações às quais se referem, nomeadamente aqueles necessários para a produção do bem disponibilizado ou do serviço prestado.
Assim, segundo Tavares, é necessário ponderar todos os custos por tipologia e agregar-lhes o justo retorno ao operador económico pelo investimento feito. Neste sentido, o PCA da ERIS, garante que neste momento a entidade está a fazer o levantamento de todos os dados e informações necessários para o efeito de fixação dos preços das prestações de cuidados de saúde.
Em termos de recursos humanos, assegura que aquela entidade independente “está preparada” para fazer este serviço. “É uma nova competência, mas os próprios Estatutos da ERIS já previam este cenário. Tínhamos de estar preparados para dar as respostas que fossem necessárias a este título. E estamos”, disse.
Vantagens da Regulação
Para Eduardo Tavares, a regulação de preços das prestações de cuidados de saúde poderá trazer inúmeros benefícios, tanto para os utentes como para os estabelecimentos privados de prestação de cuidados de saúde e, ainda, para o sistema de previdência social.
Isto porque, conforme justificou, se por um lado o utente tem a garantia de estar a pagar um preço justo pelo serviço que lhe é prestado, por outro, a harmonização dos preços permitirá, também, proteger o investimento feito pelos operadores económicos, garantindo-lhes o justo retorno.
“Ainda, evitará a especulação de preços, que é um factor de restrição do acesso dos utentes às prestações de cuidados de saúde. Para o sistema de previdência social, haverá maior previsibilidade e lhe permitirá intervir com maior equidade e justiça no tratamento dos seus beneficiários em qualquer parte do país”, defendeu.
Para este PCA, “é normal”, que haja “manifestações contrárias” à medida anunciada pelo governo, observando que faz parte da democracia e dos direitos que ela confere a qualquer cidadão.
“Isso faz parte do processo de reajustamento do próprio mercado. Efectivamente, regular por si só não faria sentido. Entretanto, neste caso em concreto, pensamos que se justifica perfeitamente. Trata-se de um mercado de bens essenciais e o papel do Estado é o de defender os cidadãos sempre que se identifiquem situações susceptíveis de colocar em causa o seu acesso a esses bens. O governo tem o dever e a obrigação de intervir nessas situações. Quanto à questão da liberdade do médico, obviamente que ficará devidamente salvaguardada na parte que couber “, salientou.
Clínicas e utentes com pontos de vistas diferentes
Para o dono da clínica Cardiomed, Francisco Alves Vieira, a regulação dos preços dos privados é um “processo normal” que acontece em qualquer área de negócio. Mas, ressaltou que tudo tem de ser feito com as regras do jogo claras e bem definidas.
“No decreto-lei que confere a ERIS essa competência, consta que o preço não será estabelecido à toa. A intenção é ouvir as clínicas, todos os operadores e todos os intervenientes para se chegar a um consenso e regular um preço. Ou seja, estipular um limite mínimo e um limite máximo para educar e reformar de modo que não haja cobranças exageradas”, constata.
“Penso, inclusive, que se o Estado tiver alguma pretensão de parceria, para comprar serviços, é bom que haja regulação e as coisas sejam definidas”, conclui.
O Expresso das Ilhas tentou ouvir outras clínicas que, no entanto, preferem esperar até que os preços sejam definidos antes de fazerem qualquer declaração.
Assim como as clínicas, os utentes têm algo a dizer sobre a medida anunciada pelo executivo e as opiniões divergem. Para Jaqueline Lopes, a decisão do governo “não é justa” para com as clínicas que “perdem” a sua autonomia.
“Normalmente as clínicas facilitam a vida dos utentes quando o hospital não pode dar um atendimento adequado, atempado e com equipamentos de última geração”, fundamenta esta utente para quem, devido à prontidão de estarem sempre disponíveis quando o paciente não tem outra saída, as clínicas é que devem saber o preço que devem cobrar.
“Tudo tem o seu preço, mas ninguém deve estabelecer o preço do negócio dos outros. Porque apenas quem tem o seu próprio negócio sabe o trabalho que dá e o seu real valor”, advoga.
Como exemplo, Jaqueline Lopes aponta que se não fosse pelas clínicas, os hospitais públicos não teriam como enfrentar a pandemia, principalmente no que diz respeito aos testes.
Já Naomy Horta considera “extremamente boa” a medida anunciada pelo governo que vai “facilitar” a vida dos utentes.
“Esta regulação vai evitar que sejam feitas cobranças extravagantes. Frequentemente, muitas pessoas desejam fazer uma consulta no privado, mas, não têm como. Porque cobram 2.500 ou 3.000 escudos para uma consulta, que, entretanto, nunca para nessa consulta. Isto porque depois da consulta pode haver a necessidade de se fazer uma análise ou um exame e o preço de uma análise é infinitamente mais caro do que num hospital”, alega.
Ordem dos Médicos e Ministro da Saúde reagem
Sobre a decisão do governo, a Ordem dos Médicos considerou, em declarações à RCV, injusta e estranhou que “nem a Ordem, nem o Instituto Nacional de Providência Social tenham sido previamente ouvidos durante o processo que conduziu à elaboração do decreto-lei”.
Em reacção, o Ministro da Saúde, Arlindo do Rosário, explicou que a Ordem dos Médicos não tem competências na área da regulação e que devia unir-se ao ministério para questões de ética, deontologia e qualidade de prestação de cuidados.
“Nós não estamos a fixar um preço para cada profissional, estamos sim a estabelecer um preço máximo, isso significa que haverá sempre margem para cada um colocar o seu valor desde que não ultrapasse esse tecto máximo, não é uma medida dirigida apenas aos médicos”, disse.
O governante referiu que o argumento de que se deve deixar o mercado funcionar não é um bom caminho.
“Estamos a falar da Saúde, da demanda da capacidade de respostas diferenciadas de ilha para ilha e de evitar, eventualmente, monopólios”, justificou.
Nesse sentido, avançou que o governo quer desenvolver e reforçar o Sistema Nacional de Saúde com uma boa comunicação, complementaridade entre público e privado, mas estabelecendo balizas claras para que possa funcionar.
Entretanto, durante uma conferência de imprensa realizada no passado dia 25, Danielson Veiga esclareceu que os médicos não são contra a regulação, que consideram como sendo algo normal.
“Qualquer actividade na nossa sociedade, sobretudo da responsabilidade do Estado, deve ter alguma supervisão. Mas, é claro que entre tudo que é regra sempre há alguma excepção. Baseado naquilo que realmente tem sido a actividade médica e na nossa constituição, a concorrência e o comércio em Cabo Verde é livre. Um arquitecto, por exemplo, não tem um limite mínimo ou máximo para decidir como cobrar, ou um advogado”, retratou.
Segundo o bastonário, o médico, de acordo com aquilo que investiu determina o nível da qualidade que é prestado e esse nível muitas vezes tem o seu preço.
O que, no entender da classe, tem causado alguma inquietação, refere-se ao facto de que em Cabo Verde ainda não existe um seguro de saúde de uma forma concorrencial, independente ou privado, assim como existe para o seguro de viaturas.
Quanto à tabela dos preços dos cuidados de saúde nos privados, Danielson Veiga considera que deveria ser feita uma lei de acto médico que define que cada um dentro da sua especialidade médica se limite à própria actividade.
“Há actividades que se cruzam e há outras em que outra especialidade não pode fazer. E não há uma lei disso, cada um faz o que quer e é algo que não queremos que aconteça. Queremos que haja disciplina baseada em leis, em regulamentos para que não haja depois conflitos de interesse que é realmente prejudicial. Temos de mostrar a união da classe, conivente com a política nacional de saúde, dar a nossa opinião onde é necessário. E quando a classe se sente em desvantagem temos de manifestar essa preocupação para que haja consenso”, afirmou.
Assim, defende que a proposta de lei seja revista antes de ser enviada ao Presidente da República, por entender que ainda carece de alterações.
“Os médicos não querem ganhar dinheiro à custa das pessoas, o que temos de fazer é à moda daquilo que se faz lá fora. O que nós precisamos é de leis que protejam os médicos e os utentes, exigimos seguros de saúde privados e concorrentes para o benefício do próprio utente que precisa de um cuidado diferenciado. O utente tem o direito de ir ao privado”, assegurou.
INPS a favor da regulação
Em declarações à Inforpress, a presidente da Comissão Executiva do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), Orlanda Ferreira, considerou necessária a harmonização e a regulação dos preços dos cuidados de saúde nas clínicas privadas por forma a garantir igualdade de acesso.
“Muitas vezes fica difícil negociar com as clínicas tendo em consideração que não temos o preço de referência. E a entidade de segurança social muitas vezes comparticipa em valores percentuais e quando se fixa valores percentuais não conhecemos a base de incidência desse percentual fica cada vez mais difícil negociar”, explicou.
Para exemplificar, esta responsável apontou o exame do TAC cujo preço na cidade da Praia varia entre 12 e 15 mil escudos, enquanto em São Vicente custa 25 mil escudos.
Por esta razão, Orlanda Ferreira defende que deve sim, existir uma organização sobre esses preços praticados pelas clínicas privadas a nível do país e uma entidade que define as regras desse ponto de vista.
De referir que a ministra da Presidência do Conselho de Ministros, Filomena Gonçalves, explicou que a medida visa garantir a harmonização dos preços em função dos custos e da legítima compensação devida aos agentes económicos, promover a concorrência salutar e combater a “prática especulativa” de preços e, ao mesmo, dar resposta a algumas reclamações que as autoridades têm recebido.
O decreto-lei, que deve entrar em vigor num prazo de 120 dias a contar da data da sua publicação, tipifica como contraordenação, punível com coimas e ou sanção acessória, a prestação de cuidados de saúde por um preço fora do limite administrativamente fixado pela ERIS.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1061 de 30 de Março de 2022.